Bruno Braga.
A memória de uma comunidade é preservada quando os seus membros transmitem, para as novas gerações, as experiências vividas por eles no passado. Assim se constitui uma tradição, repassada por meio da oralidade, dos testemunhos, das lições dos mestres, dos registros escritos, dos documentos e livros. Aos mais jovens é recontada a trajetória de sua família – e a de seu povo - despertando neles uma consciência ainda adormecida, a consciência histórica. Ocorre que neste processo que se refaz através do tempo, o elo se rompe quando alguém decide reescrever o passado, e contar a história da sua maneira – quer dizer, transmitir uma versão particular dos fatos, e não aquela que envolve toda a comunidade. Pois é deste modo que um grupo está narrando, há algum tempo, parte das experiências do Brasil: ele conta a sua versão da história e a transforma na memória de todo um país – o faz em um coro quase uníssono, que sussurra com voz melíflua um discurso romântico, capaz de entorpecer uma geração quase inteira e prestes a reconstruir totalmente a consciência histórica da futura.
Neste processo os educadores seguem as lições de seus "novos" mestres – a intelectualidade. Estes, por sua vez, estão intimamente articulados com os ocupantes das altas instâncias do poder político: das alturas, confabulam uma versão do passado - a versão do grupo, ou do "Partido" - que deverá ser transformada em cartilha. Um Manual que os professores seguirão rigorosamente para formar a "consciência crítica" de seus pupilos. Deste modo os educadores da nação cumprem a sua função, transmitem a história "reescrita": são, junto com seus mestres, "intelectuais orgânicos", quer dizer, uma raiz do "Partido" que forma a consciência histórica de jovens e adolescentes nos bancos escolares e universitários, e que contribui fortemente para a construção de uma cultura. Uns o fazem como militante decidido, outros como um "idiota útil", um "Polieznyi".
No entanto, diante desta engrenagem intelectual-político-educacional, seria prudente interrogar: antes que ela pudesse funcionar, como mestres e políticos alcançaram o status e a autoridade para reescrever a História e ensiná-la em quase uníssono? Para além do simplesmente "contado", o que foi realmente "vivido"? Talvez um fato cotidiano possa lançar algumas pistas para elucidar esta trama.
Há poucos dias uma entrevista do Deputado Federal Jair Bolsonaro (PP-RJ) causou certa repercussão. Em um programa humorístico o parlamentar respondia a perguntas que lhe eram repassadas através de uma gravação em computador. Entre as questões, feitas por pessoas comuns, havia uma da cantora Preta Gil, que motivou toda a polêmica. Interrogado sobre como reagiria se seu filho se casasse com uma negra, o parlamentar não hesitou: "Não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja. Eu não corro esse risco porque meus filhos foram muito bem educados, e não viveram em ambiente como lamentavelmente é o teu". Imediatamente o Deputado – conhecido por sua oposição, não a negros e homossexuais, e sim aos movimentos políticos que se utilizam da "raça" e da "sexualidade" - foi acusado de "racista" por líderes de grupos negros e LGBT's, por artistas, intelectuais e também por políticos.
Para quem assiste ao vídeo [http://www.youtube.com/watch?v=HyaqwdYOzQk&feature=topvideos] é possível perceber, claramente, que a resposta de Bolsonaro não se ajusta à pergunta – indício de que, ou não compreendeu a questão ou se confundiu, supondo tratar-se de um casamento imaginário entre seu filho - não com uma "negra" - mas com um homossexual. Aliás, grande parte das questões anteriores à de Preta Gil tratavam da homossexualidade, com o objetivo explícito de fazer o parlamentar manifestar as posições que fizeram dele um deputado "polêmico".
No entanto, a reação dos indignados não estava fundada no que viam ou ouviam – uma resposta mal-educada, ou "politicamente incorreta", para uma questão não compreendida. Não se prestou atenção no conteúdo e na condução das perguntas - e nem mesmo na edição do programa, que acrescentou, a determinadas respostas do deputado, uma série de sons que insinuavam ironia. Ademais, ninguém deu importância para um contexto que ultrapassa a exibição do vídeo – não o contexto imediato da polêmica, mas o que se estende desde o passado, no qual estão inseridos o deputado e seus principais opositores. Nenhum destes elementos serviu para uma ponderação anterior ao julgamento – a condenação deveria ser imediata, e a sentença sumária foi dada, com fundamento nas lições aprendidas na escola e reforçadas por toda uma cultura: Bolsonaro é um "racista", "fascista"; um representante da "extrema direita" – por ser militar reformado, e defensor do regime conduzido por seus companheiros de farda no Brasil, é um "resquício" da "ditadura militar", da "repressão" e da "tortura".
Neste coro harmônico duas vozes se destacaram: as dos Deputados Federais Manuela D'Ávila do PC do B-RS e Jean Wyllys do PSOL-RJ. Juntamente com outros parlamentares eles assinaram uma representação contra Bolsonaro, enviada para o Presidente da Câmara.
Manuela e Jean são filiados a partidos fundados na doutrina marxista-leninista, partidos comunistas-socialistas. Os parlamentares empunham bandeiras de regimes que, ao longo da história, foram verdadeiras máquinas de produzir cadáveres. No século XX tombaram mais vítimas que a soma das duas guerras mundiais, das ditaduras de direita, das epidemias, dos desastres e catástrofes naturais enfrentados pela humanidade – mais que todos estes eventos juntos. Para R. J. Rummel os regimes comunistas-socialistas não praticaram o "genocídio", mas um verdadeiro "Democídio" (Cf. http://rudyrummel.blogspot.com/ - também para uma apresentação detalhada destes cálculos). Mataram mais que o regime Nazista: na contabilidade são 100 milhões de mortos contra 25 do séquito do Führer (Cf. COURTOIS, 1998, p. 29).
Já no contexto nacional, Manuela D'Ávila representa uma sigla que, desde 1922, ano de sua fundação, busca – seja através dos meios legais, ou da clandestinidade – a implantação da "ditadura do proletariado". Para isso contou com o financiamento da extinta União Soviética, de Cuba e da China – recebendo não apenas dinheiro, mas também treinamentos de guerrilha e armas. Para conquistar o poder os correligionários julgaram necessário empunhar armas – o que os fundadores do partido de Manuela, seus herdeiros, e outros grupos solidários aos mesmos ideais, fizeram muito antes da "Ditadura Militar" que os combateu: em um momento em que não se podia justificar o conflito com a "luta pela Democracia". Porém, para cumprirem o projeto marxista-leninista, os "revolucionários" promoveram atentados, detonaram bombas, assaltaram bancos, carros pagadores, seqüestraram, fizeram reféns – inclusive crianças. Nestas ações feriram e mataram inocentes. Convocaram "Tribunais Vermelhos" para os "justiçamentos", isto é, a condenação sumária à morte de pessoas que não tiveram qualquer direito à súplica. Sentenciaram à pena capital militares sem chance de defesa, como Alberto Mendes Júnior, e gente simples, que não está nem entre os figurantes da história contada nas salas de aula: Osmar, "Pedro Mineiro", "João Mateiro". Decidiram a morte de seus próprios companheiros, suspeitos de "vacilação em convicções ideológicas e divergências políticas" (Para todos estes relatos Cf. USTRA, "A Verdade Sufocada: A História que a esquerda não quer que o Brasil conheça", 2007).
Jean Wyllys, por sua vez, é filiado a uma sigla que, há bem pouco tempo, tinha como presidente uma entusiasta do regime cubano – patrocinador da luta armada no Brasil. Ligado a grupos LGBT o parlamentar talvez desconheça o tratamento dedicado pelo "Comandante" aos homossexuais. O processo de "reeducação" imposto por ele seguia uma disciplina rígida: os homossexuais eram submetidos a um "julgamento" público, no qual deveriam confessar abertamente os seus "vícios" (COURTOIS, 1998, p. 735). Isto quando não eram afastados do convívio social, trancafiados em Hospitais psiquiátricos sob o diagnóstico de "comportamento desviante". Se Jean não abraçasse a bandeira comunista-socialista, mas adota-se somente a cor dela, talvez estivesse mais próximo de sua causa, simbolizando o sangue de muitos, que semelhantes a ele na sexualidade, foram executados em Cuba sob a condenação de "delito moral".
Manuela e Jean se auto-intitulam, respectivamente, "a nova cara da política" (www.manuela.org) e o "novo" deputado (http://jeanwyllys.com.br). No entanto, apenas colaboram com os seus correligionários que, um dia "revolucionários", alcançaram e têm agora o poder. Foram derrotados nas armas, mas habilidosamente vitoriosos em outra batalha - a da "revolução cultural". A partir dela passaram a reescrever o passado, contaram a sua versão sobre o combate travado contra os militares, e o romance que criaram se transformou na memória de um país, transmitido aos jovens, formando uma cultura – a "ditadura do proletariado" se transformou em "luta pela democracia". Assim, os "revolucionários" de outrora, membros do "Partido" agora, adquiriram o status e a autoridade para, com base nos estereótipos por eles mesmos criados, "justiçarem" os antigos inimigos: "fascista", "ditador", "direitista radical", "torturador". E Bolsonaro é um representante dos velhos rivais, e no âmbito da política, um dos últimos que restaram para contar uma História que está sendo reescrita por apenas uma das partes. Quantos já ouviram o que ele tem para dizer fora de um programa humorístico? O que ele tem para contar sobre as ações militares, e, sobretudo, a respeito da esquerda? (Cf. os discursos de Bolsonaro na Tribuna da Câmara e nas Comissões do Congresso [www.youtube.com]) Nesta história o deputado não é apenas uma figura "caricata", um político "conservador" e exaltado. Dentro da estratégia política ele seria um personagem no mínimo "inconveniente". Porque com a instauração da "Comissão da verdade" - encarregada de apurar os "crimes cometidos pela repressão", mas composta predominantemente por entidades e pessoas ligadas ao "Partido" – ele recordaria um pouco da História do Brasil que os "revolucionários" que agora ocupam as instâncias de poder pretendem reformular, reescrever: o da "Ditadura" – ou será da "Contra-revolução"? – Militar. Reescrever não em nome da nobre "Democracia", mas para estabelecer uma verdadeira "Hegemonia".
Diante destes fatos, coincidência, ou não, a polêmica com o Bolsonaro ocorreu nas vésperas de 31 de Março - uma das datas favoritas dos "revolucionários" para promoverem atentados de impacto durante o período da luta armada; agora, com ambição de instaurar uma "Comissão da verdade", a polêmica sugere uma oportunidade estratégica.
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