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Friday, October 14, 2011

Nos arquivos soviéticos, uma memória do Brasil.


Bruno Braga.

 
Vladimir Bukovsky é um nome praticamente desconhecido no Brasil. A omissão não se deve somente a mais um típico caso brasileiro de desprezo pelo conhecimento; ela atende também a uma estratégica orientação editorial político-ideológica. Este expediente, no entanto, denunciado no momento em que é celebrada a perspectiva de instauração de uma "Comissão da Verdade" - que será encarregada de apurar violações de direitos humanos, sobretudo os supostamente ocorridos durante o período do regime militar - revela-se mais que um mero descaso, supera a absoluta ignorância, o jogo político ou a batalha de idéias: é o desrespeito mais cretino e canalha com a própria verdade.

O valor dos relatos de Bukovsky estaria assegurado pela descrição das barbaridades e horrores de um regime totalitário. Eles são a transcrição de doze anos de experiências terríveis e angustiantes em prisões, campos de trabalho, e "psikhuskas" – unidades psiquiátricas para a internação e tratamento forçado de presos políticos – comunistas. Porém, o trabalho do dissidente soviético não se resume a estes relatos – a sua atuação em um evento específico na Rússia pode contribuir para revelar uma parte da história do Brasil que, por medida política ardilosa, está sendo suprimida.

No ano de 1992, após a dissolução da União Soviética, Boris Yeltsin fora processado pelos comunistas na Corte Constitucional russa – o objetivo era fazer com que a Corte julgasse a medida do antigo Presidente, que baniu o Partido Comunista em Agosto de 1991. Sob o risco de perder o processo, agentes de Yeltsin contataram Bukovsky – a colaboração de um dissidente com uma longa trajetória de ativismo e denúncias contra o regime comunista seria preciosa. Bukowsky, por sua vez, via neste processo uma oportunidade para desenterrar publicamente o histórico de atividades criminosas do Comunismo – porém, para fornecer o seu testemunho, impôs uma condição: o acesso aos arquivos soviéticos. O acordo foi selado. Contudo, Bokovsky teria à sua disposição apenas documentos que guardassem alguma relação com o processo em curso, e somente durante o tempo que durasse o entrave judicial. Sob estas condições Bukovsky recebeu o status de "expert" – perito, especialista – perante a Corte Constitucional da Federação Russa.

Bukovsky não atuou no processo judicial apenas como "expert". Ele copiou secretamente parte dos documentos aos quais teve acesso. Foram centenas de páginas de registros, incluindo documentos ultra-secretos, capturadas por um laptop equipado com um scanner de mão. No entanto, o material reunido e os desdobramentos do processo junto à Corte Constitucional, revelariam que a sobrevivência do Comunismo não fora obra do acaso. A decisão da Corte, ainda que ratificasse a proibição dos órgãos dirigentes do Partido Comunista, abria a possibilidade para seus membros formarem novos partidos, por permitir o funcionamento dos órgãos de base. Além disso, os comunistas permaneciam no poder em nações do antigo bloco de Varsóvia, ao mesmo tempo em que contavam com a influência de seus antigos colaboradores ocidentais, que em posições de influência ao redor do mundo, se esforçavam para que as atividades criminosas do Partido fossem ocultadas, de modo que ninguém se comprometeria. A expectativa de Bukovsky, de ver os beneficiários do regime comunista julgados pelas barbaridades que cometeram – como o foram os beneficiários do nazismo – acabou frustrada. Porém, o seu trabalho não foi em vão, porque os documentos copiados por ele ajudam a reconstruir não apenas a história do regime soviético, mas preenchem as memórias de muitos países, entre eles o Brasil. Por isso poderiam perfeitamente compor os trabalhos da "Comissão" que pretende estabelecer a "verdadeira" história nacional.

Em documento de Maio de 1974, Luis Carlos Prestes solicita ao Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética que certo "Leonardo Leal" fosse recepcionado em Moscou, e recebesse um curso de "operações especiais". O Comitê não apenas cuidou da recepção, mas custeou o curso "especial de preparação na atividade da técnica do partido" (Cf. Doc. 906. Original russo: http://www.bukovsky-archives.net/pdfs/terr-wd/ct125-74.pdf - Tradução em inglês: http://www.bukovsky-archives.net/pdfs/terr-wd/0906_ct125-74-Eng-FUchs.pdf).

Em outro comunicado Prestes é mais explícito. Ele solicita aos soviéticos um treinamento em "atividades clandestinas" para um camarada de nome "Marcelo Santos". A solicitação foi aceita pelo Partido, que definiu o treinamento como "curso especial de treinamento em atividades clandestinas e fraude" (Cf. Doc. 929. Original russo: http://www.bukovsky-archives.net/pdfs/terr-wd/ct137-78.pdf - Tradução em inglês: http://www.bukovsky-archives.net/pdfs/terr-wd/0929_ct137-78-Eng-gskl.pdf).

Estas são algumas amostras dos documentos recolhidos por Bukovsky, que estão sendo traduzidos gradativamente do russo - os resultados podem ser acessados no site "Soviet Archives" [http://www.bukovsky-archives.net/]. O material disponível, somado a outras fontes de pesquisa, revelam que as atividades do Partido Comunista soviético no Brasil – e em países sul-americanos, como Argentina, Uruguai, Colômbia, Equador, Paraguai – não eram apenas delírios da imaginação de militares e conservadores. Os documentos de fonte primária desmentem a autovitimização de militantes, terroristas e "Intelectuais" engajados ou simpatizantes, que querem fazer da sua versão a História oficial de um país. Aceitar a narrativa deles é apagar da linha do tempo a tentativa de implantação de um regime comunista no Brasil - é suprimir as investidas armadas, os treinamentos em atividades clandestinas e em fraudes; é esquecer os atentados terroristas que vitimaram vários civis inocentes e os "tribunais revolucionários" que sentenciavam a penas capitais, sem direito de defesa, até os próprios "camaradas". Um público que se vangloria com uma história mutilada e a chama de "Verdade" já não sabe mais o que quer dizer, o que significa, "Verdade".

 

(*) Nota sobre a seriedade e lisura da "Comissão da Verdade".

O senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) é o relator, na Comissão de Constituição e Justiça, do projeto de lei que cria a "Comissão da Verdade" [http://www.em.com.br/app/noticia/politica/2011/10/10/interna_politica,255234/aloysio-e-confirmado-relator-da-comissao-da-verdade.shtml]. No entanto, Aloysio Nunes fora um terrorista da "Ação Libertadora Nacional" (ALN) nos tempos do regime militar. Utilizava os codinomes "Beto" e "Mateus". Entre as suas ações estão os assaltos ao trem pagador na ferrovia Santos-Jundiaí e ao carro-pagador Massey-Fergusson, em Pinheiros, São Paulo – ambos em 1968.

Caso seja aprovada a instauração da "Comissão", depois de percorrer o processo legislativo necessário, os seus membros serão indicados por "Estela", quer dizer, "Luiza", ou melhor, "Patrícia", isto é, "Wanda" – enfim, por Dilma Rousseff, a Presidente da República, que em suas atividades clandestinas no POLOP (Política Operária), no COLINA (Comando de Libertação Nacional) e na VAR-Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária Palmares), atendia pelos codinomes citados.

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