Um Contra-exemplo e uma Controvérsia.
Episódio II.
Bruno Braga.
Este é o segundo episódio da controvérsia envolvendo o texto no qual examino algumas teses de um artigo de Dimas E. Soares Ferreira, "Ocupemos Wall Street".
O formato é o mesmo que foi adotado para a apresentação do primeiro: as considerações de Dimas Enéas (I), e em seguida a minha resposta (II).
A saga continua com pelo menos mais um episódio, o terceiro.
I. Dimas Enéas Soares Ferreira, 30 de Outubro de 2011.
Sr Bruno Braga,
Como é fácil verificar, o seu blog não é muito visitado (zero comentários e 121 consultas ao seu perfil desde 2006). Talvez porque ninguém está a fim de perder tempo com sua ladainha conservadora e liberal e, as vezes, até fascista mesmo.
Na verdade, eu não pretendia responde-lo novamente, mas diante de sua afirmação no último e-mail a mim enviado
"De qualquer maneira, não vou insistir nesta questão, porque o seu diagnóstico é um argumentum ad hominem – quer dizer, um ataque dos traços do caráter da pessoa, e não uma contestação dos argumentos expostos por ela. Este é um artifício retórico para evitar a discussão objetiva. Bom, os meus textos contêm uma série de referências, bibliografia, artigos, vídeos, documentos, estruturados em uma descrição dos fatos que desmente as suas concepções. Conteste-a, é assim que se procede em uma discussão séria. Porém, em vez de apresentar outras referências, apontar erros e equívocos na minha dissertação, você, Dimas, como um psicoterapeuta revolucionário, diagnostica: "é coisa de doente"
– ou, como um militante inveterado e furioso, brada: "é ridículo!"", achei por bem lhe en viar um texto escrito por alguém que talvez também considere ser um "psicoterapeuta revolucionário" e "militante inveterado e furioso" que também "brada":
Certamente não é (ainda) o fim do capitalismo a ser anunciado por esse formidável movimento de indignação diante do sofrimento imposto pela falta de controles do sistema financeiro nos Estados Unidos e na Europa. A natureza dessas manifestações talvez possa ser condensada em duas queixas entoadas, respectivamente, em Lisboa: "Essa dívida não é nossa", e em Nova York: "Nós fomos vendidos, os bancos foram resgatados". O grito "Ocupem Wall Street", antes de ser um protesto contra a economia de mercado, exprime o profundo sentimento de injustiça social derivado da incapacidade dos governos que permitiram a destruição do emprego e do patrimônio de milhões de honestos cidadãos assaltados, de forma imoral, por um sistema financeiro desinibido com suas inovações. São os trabalhadores desempregados as grandes vítimas do contágio desse mal social. O homem, ao construir o mundo com o seu trabalho, exerce uma press ão seletiva no sentido de aumentar a sua liberdade de expressão. Há uma evolução civilizatória e quase biológica que amplia o altruísmo e a solidariedade social, exatamente porque a cooperação é mais produtiva e libera mais tempo para a expressão criativa do homem. Uma das construções mais impressionantes de Marx é a sua leitura do papel do trabalho nos Manuscritos de 1844, antes de ele ter sido seduzido pela leitura de David Ricardo. O trabalho é o processo pelo qual o homem se produz e projeta fora dele as condições de sua existência e a sua capacidade de transformar o mundo. Com as políticas sociais, o Estado do Bem-Estar Social transformou (transitoriamente!) o sistema salarial alienante de Marx no símbolo da segurança do trabalho. Ele dá a garantia para o funcionamento das instituições, particularmente os mercados e a propriedade privada. Os economistas precisam incorporar, como dizia o etnólogo Marcel Mauss (Sociologie et Anthropologie, 1950), que o trabalho é o "fato global". O desemprego involuntário é o impedimento insuperável do cidadão de se incorporar à sociedade. Por motivos que independem de sua vontade, ele não pode sustentar honestamente a si e à sua família. O desemprego involuntário é o "mal social global"! Não importam filosofia ou ideologia. No estágio evolutivo da organização social que o homem continua procurando, para fazer florescer plenamente a sua humanidade, são a natureza e a qualidade do seu trabalho que o colocam na sua posição social e econômica, afetam sua situação física e emocional e determinam o nível do seu bem-estar. É com esse sentido do papel do trabalho, com o qual o homem se constrói e produz um mundo onde tenta se acomodar em uma estrutura social conveniente que devemos entender os protestos dos enragées, que se intensificam na Europa e nos EUA. Não se trata de excluídos sociais (talvez alguns deles o sejam), mas de cidadãos honestos, educad os, que até há bem pouco tempo tinham a oportunidade de ganhar o sustento de sua família, educar seus filhos, comprar sua casa, enfim, viver a vida dignamente com o fruto de seu trabalho. É verdade que nos EUA alguns deles já estão na terceira geração vivendo à custa dos outros, graças à miopia e inércia de um Estado do Bem-Estar distraído. Mas a renda média do americano não cresce desde 1996 e a distribuição de renda tem piorado sistematicamente. A reação do povo será medida nas eleições de novembro de 2012. O desconforto é enorme. O presidente Obama referiu-se a ele ligeira e quase temerosamente. O secretário do Tesouro, Timothy Geithner, empurrou a culpa para o sistema financeiro, que "aumentou as tarifas bancárias em resposta aos novos controles de Wall Street, ampliando a irritação popular contra ele". E o presidente do FED, Bernanke, com aquela figura de Papai Noel arrependido, limitou-se a afirmar que "as pessoas estão descontentes co m o estado da economia. Elas reprovam – e não sem razão – o setor financeiro pela situação em que nos encontramos e estão descontentes com a resposta das autoridades". Que autoridades? Obama, Geithner e Bernanke! Quando se trata de entender o verdadeiro papel do trabalho, os economistas do mainstream saem muito mal na foto: tratam-no apenas como um fator de produção, sujeito às leis da oferta e da procura. Por definição, não há desemprego involuntário. Como disse um economista que viria a ser premiado com o Nobel, o desemprego em massa é apenas uma manifestação de "vagabundagem da classe trabalhadora". Nesse tom, comovido, o velho Karl agradece o incentivo…
Delfim Netto é economista, formado pela USP e professor de Economia, foi ministro de Estado e deputado federal. (http://www.cartacapital.com.br/internacional/mal-social-globalizado)
Será que o Sr Delfim também é um equivocado intelectualmente, pois me parece que suas ideias convergem em boa medida com o que escrevi. Com certeza você também tentará desqualificá-lo (mas não o acuse de ter sido ministro dos governos militares, pois você defende ardorosamente a Ditudura Militar).
Por fim, meu caro, do alto dos meus 47 anos de vida, depois de 21 anos em sala de aula, de uma graduação, uma especialização, um mestrado e quase um doutorado e uma intensa vida acadêmica no campo das ciências sociais e política, sinto-me feliz de ainda ter a chama revolucionária e socialista dentro de mim. Sinal de que não sucumbi ao sistema, nem tampouco me acomodei diante da realidade. Triste me sentiria se acreditasse em suas "ideias."
Sou feliz na minha militância sindical, partidária, social e acadêmica e tenho tido muito mais recompensas com isso do que ataques como os seus. De toda forma, estás no seu direito de "Jus esperniandis."
Att,
Dimas Enéas Soares Ferreira
Doutorando em Ciência Política – UFMG
Mestre em Ciências Sociais – PUCMinas
Especialista em História do Brasil – PUCMinas
Revisor do eJournal of eDemocracy and Open Government
Professor - Epcar e Unipac
Diretor e 1o Tesoureiro - Sinpro Minas
Coordenador de Comunicação - Inst. 1o de Maio
Currículo Lattes: (https://wwws.cnpq.br/curriculoweb/pkg_menu.menu?f_cod=97FE97B98AB49150D9F90187ED1A6DFC).
II. Bruno Braga, 04 de Novembro de 2011.
Caro Sr. Professor, Especialista, Mestre, Doutorando, Sindicalista, Militante e Revolucionário Socialista, Dimas Enéas,
Antes de qualquer consideração, eu humildemente o agradeço pelo gesto de generosidade: descer do alto de sua luminosa e celestial sabedoria para responder o meu modesto e-mail. Espero que não tome a singela contestação que passo a apresentar como uma afronta à sua sapiência, a todos os seus títulos e ao seu nobre currículo – pois falo apenas em meu próprio nome.
Meu blog, você tem razão, Dimas, não recebe muitas visitas. Porém, o critério da "publicidade" não tem qualquer relevância para quem objetiva, única e exclusivamente, a investigação dos fatos e a descrição adequada deles. Estabelecer o número de adeptos como mecanismo de aferição do fundamento de teses e idéias é um procedimento adotado pelo garotão que quer, a todo custo, fazer sucesso com as mocinhas do colégio – pelo feirante que grita no meio da multidão a propaganda das suas frutas e verduras, ou o do militante que pretende arrebanhar sectários para a sua causa, membros para o seu grupo, ou correligionários para o seu "Partido". Como não tenho nenhuma destas pretensões, minha opção é pelo conhecimento objetivo – com toda a sua experiência acadêmica, Dimas Enéas, você tem obrigação de saber que este é um dos pressupostos de metodologia científica.
Recorrer ao critério da "publicidade" não é o único equívoco da sua argumentação. Você utiliza um sem número de estereótipos – por exemplo, "conservador", "liberal", "fascista", "saudosista da ditadura militar" – para estabelecer uma série de rotulações que não têm qualquer correspondência nos meus textos e comentários. Se você tem o objetivo de discutir seriamente o assunto, seria interessante apontar a associação entre as minhas considerações e os seus estereótipos. Caso contrário, as suas rotulações são, além de um brado de "militante inveterado e furioso", um "flatus vocis" - uma bolha de sabão que estoura no ar, ou, simplesmente, um "arroto verbal".
Com o andar cambaleante, Dimas Enéas, você acaba tropeçando novamente: utiliza de forma pura o argumento de autoridade. Chama Delfim Netto em seu socorro - pretende valer-se do currículo de um economista, formado na USP, professor de economia, ex-ministro de Estado, Deputado Federal, como amparo e muleta. Acontece que, se o seu propósito é descrever adequadamente os fatos, então é necessário que você fundamente as suas considerações em dados objetivos - não em diplomas, títulos, e exercício de papéis sociais. Porque este é um tipo de comportamento infantil, como o de uma criança mimada que briga com seus amiguinhos e, teimosa, berra aos prantos: "meu papai disse, então tá certo!". Não pode ser este o procedimento daquele que assina um artigo sério de análise política – bom, a não ser que o seu autor seja um revolucionário juvenil inimigo de "patricinhas e mauricinhos".
Embora você tenha se esforçado para expressar todo o seu poder profético, Dimas, não considero o Delfim Netto um "equivocado intelectualmente" (a expressão é sua) porque ele foi Ministro dos Governos Militares. Desqualificá-lo assim, previamente, seria tão equivocado quanto desqualificar você mesmo, Dimas Enéas, por ser professor da EPCAR (Escola Preparatória de Cadetes do Ar) – seria uma argumentação desonesta com você e com os próprios militares, embora você se valha dela para bradar os seus estereótipos: "Conservador! Liberal! Fascista! Defensor da Ditadura Militar!" Não, não – para a sua decepção, nobre articulista, púbere e oracular Dimas, esta não é a minha conduta. É preciso investigar seriamente os fatos. Tendo este propósito, e considerando o objeto da discussão – o protesto "Ocupe Wall Street" – digo o seguinte.
No meu artigo "O risco de freqüentar a posição de contra-exemplo é tornar-se um mau-exemplo", §3 [Cf. http://dershatten.blogspot.com/2011/10/o-risco-de-frequentar-posicao-de-contra.html], indiquei a origem da crise americana. Embora algumas instituições financeiras não estejam isentas de culpa, ela foi desencadeada, sobretudo, por medidas administrativas, como as referentes aos créditos "subprime" do "liberal" – nos Estados Unidos, "esquerdista" – Bill Clinton. Além disso, apontei, na voz do seu próprio autor, o articulador do manifesto "Ocupe Wall Street", que é um aliado do presidente americano Barack Obama. Este, por sua vez, executava a parte pública do que lhe cabia: discursar contra os "ricos" e "abastados". Fecha-se, então, uma estratégia articulada: a "pressão de cima" – a dos ocupantes do poder – e a "pressão de baixo" – movimentos sociais e sindicais. Estratégia reforçada por "capitalistas aliados" do presidente Obama, como George Soros.
Dito isto, Dimas Enéas, é necessário pontuar. O manifesto "Ocupe Wall Street" é baseado em uma falsa justificativa – o da origem da crise. O protesto não é um movimento popular espontâneo: é estrategicamente articulado por instâncias do poder e elementos do próprio capital financeiro. Ademais, a maioria dos manifestantes está empregada [1] e as estrelas da mídia que os apóiam são, ou multimilionárias, ou garotas-propaganda dos próprios capitalistas [2] – não se esqueça do suporte de vigaristas como Michael Moore. Portanto, caro Dimas, o protesto "Ocupe Wall Street" é um teatro meticulosamente armado e patrocinado por uma minoria que objetiva a concentração de poder, que se justifica com falsos pretextos, e astuciosamente discursa como se representasse os americanos que sofrem, de fato, as conseqüências da crise financeira [3].
Nestes termos, Dimas Enéas, o trecho do artigo de Delfim Netto, citado por você, se cotejado com os dados objetivos apresentados, contem muitos pontos (sobretudo os que se referem ao protesto "Ocupe Wall Street") que são mais a expressão do sentimento do autor - isto é, "o que ele pensa que é", "o que ele quer que seja", ou "o que ele espera ser" - que propriamente uma descrição adequada dos fatos. Algo semelhante ao que você faz, ao afirmar a sua "felicidade" na "militância sindical, partidária, social e acadêmica". Porém, a atividade do conhecimento não tem como horizonte o reconforto - não é a busca por consolação, mas sim a busca da verdade, isto é, a descrição das coisas como elas de fato são, por mais cruel e brutal que seja a realidade que se apresenta diante dos olhos. Isto não se faz com títulos e diplomas, ou pelo exercício de um papel social. Não é uma conseqüência do tempo – nem mesmo dos seus 47 anos de vida e 21 anos em sala de aula: fosse assim, a idade e a experiência teriam convertido genocidas que avançaram no tempo, como Stálin, Pol Pot e Mao Tsé-tung.
Caro Dimas, o conhecimento sério e honesto depende de algo muito simples, mas que demanda esforço: a sinceridade.
Cordialmente,
Bruno Braga.
Barbacena, 04 de Novembro de 2011.
Referências.
[3] Uma falsificação semelhante às promovidas por Marx, citado por Delfim Netto com entusiasmo. Cf. BRAGA, Bruno. "Entre o Mestre e o 'Intelectual´" [http://dershatten.blogspot.com/2011/06/entre-o-mestre-e-o-intelectual.html].
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