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Friday, September 09, 2011

As dimensões do debate intelectual: Dialética e Erística.

Bruno Braga.


 


 

Esta (a verdade) não encontra partidários.

Schopenhauer, MVR, 2005, p. 28.


 


 

O debate intelectual sério e honesto envolve um complexo de elementos. No entanto, ele poderia ser resumido a uma disputa na qual os participantes defendem as suas concepções. Neste confronto os debatedores aplicam todas as suas habilidades na construção de argumentos precisos e fundamentados, de modo a torná-los capazes de, não apenas sustentar as suas posições, mas de desmantelar todo o arsenal argumentativo do seu adversário.

Acontece que, embora o debate intelectual esteja estruturado na forma do embate, do conflito, o seu horizonte é a Verdade, quer dizer, uma descrição coerente nos seus termos e articulada com o fato da realidade empírica objeto da disputa. Por isso, é pressuposto que os adversários tenham sinceridade na exposição dos argumentos – por mais constrangedores e desagradáveis que eles possam ser - e honestidade intelectual para cederem a sua posição quando o seu argumento for derrubado. Somente assim é possível passar para um patamar mais elevado da descrição dos fatos, com maior coerência e articulação. Uma aproximação lenta e demorada da Verdade.

Porém, se os adversários abandonam estes pressupostos, não seria nenhuma extravagância suspeitar da condução do debate, e prever para ele conseqüências funestas. A principal delas é quando as partes passam a se ver simplesmente como pólos diametralmente opostos; então o único objetivo da disputa será "vencer" o debate. É assim que se perde o horizonte da Verdade e, sobretudo, a dimensão da compreensão. Este desvio é o que marca e distingue o debate intelectual sério da mera disputa, a dialética da erística.

Quando os debatedores objetivam apenas a defesa de suas concepções particulares - ou as do grupo ao qual pertencem – em um esforço contínuo e intenso para fazê-las prevalecer sobre as concepções de seus adversários, está em jogo a sua reputação, ou a de seus partidários, ou até mesmo uma posição social. A derrota no debate, então, seria vergonhosa: orgulho agredido e rebaixado, a vaidade arranhada aos olhos do público - pois foi vencido em uma das maiores ambições do homem, a do conhecimento; perda da credibilidade para desempenhar determinado papel social. Antecipar a derrota no imaginário, partindo do pressuposto de que o objetivo do debate é apenas a vitória, dá uma amostra do asco, da náusea, da repugnância que causaria uma eventual derrota: um mal-estar que precisa, a qualquer custo, ser evitado na disputa efetiva. Para isso os debatedores se dedicam, concentram todos os seus esforços, para alcançarem a vitória, mesmo que seja necessário utilizar subterfúgios, ardis - estratagemas que, se não têm força na discussão objetiva, quer dizer, na elucidação do mérito da questão, por outro lado podem ser extremamente eficazes para atingir o único fim almejado no domínio da disputa, a derrubada do oponente.

A estruturação do debate nestes termos é resultado de uma visão unidimensional dos envolvidos. Basta que um, apenas um, deles enxergue com este óculos, quer dizer, que se comprometa com a mera disputa, para que a tensão esteja instaurada. Então o outro passa a ser visto como um inimigo, alguém que ameaça não apenas as suas teses, mas o seu orgulho, a sua reputação, e o seu papel social. Contudo, esta é uma perspectiva reduzida e fechada do debate intelectual. Se o seu horizonte primordial é perdido – a pretensão da Verdade – é necessário assumir um ponto de vista superior: em um ângulo que foque o debate, não a partir do conflito horizontal, mas da compreensão elevada.

Comprometer-se com um debate superior não é uma simples opção formal. Envolve também uma renúncia individual, a negação do próprio orgulho, da própria vaidade, em um esforço contínuo para conservar o seu único horizonte, a Verdade - a compreensão, que acima de qualquer outro interesse envolve o nobre elemento ambicionado pelo homem, o conhecimento.

Manter-se na "senda reta" é uma dificuldade para todo e qualquer ser humano – pois é preciso superar o amor-próprio e a presunção que preenchem o coração. No entanto, além destes obstáculos subjetivos, acrescentam-se outros que, no Brasil, atingiram níveis epidêmicos. Os mais populares são: o "politicamente correto" – que exige valores equivalentes para posições contrárias que pretendem descrever o mesmo fato; e a "politização" de todas as discussões, que transforma automaticamente os debatedores em "direitistas" e "esquerdistas". O equívoco do primeiro seria o mesmo do de um Juiz que, na sentença que profere para dirimir um conflito, dá ganho de causa para as duas partes. E o do segundo é não pressupor a "neutralidade", que é possível, sim, e até necessária para uma eventual tomada de posição.

Na dimensão superior do debate o estado tensional produzido por concepções contrárias não é eliminado. No entanto, em vez da ambição horizontal da vitória, os adversários intencionam a dimensão superior da Verdade. Eles abandonam a condição de partidários, militantes, para assumir a essencial e nobre atividade humana, a do conhecimento. Nesta dimensão mesmo o derrotado sai vitorioso, porque compreende algo mais sobre o mundo e sobre si mesmo. A satisfação obtida através deste conhecimento é superior à que se alcança por meio da vitória na mera disputa. Enquanto esta é uma satisfação transitória e passageira, relativizada no olhar e na consideração do público, o entusiasmo produzido pelo conhecimento é absoluto, porque se efetiva no interior da consciência individual.

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