A consagração de um ateísta militante.
Bruno Braga.
Bruno Braga.
Em um debate promovido pela “Intelligence Squared”, em 2007 [1], o célebre ateísta Richard Dawkins rebateu enfaticamente um de seus oponentes, Nigel Spivey, que apontou a religiosidade como parte da natureza humana: “Fale por você mesmo! Ela não é parte de mim, e não é parte da grande maioria dos meus amigos nas Universidades da Inglaterra, dos Estados Unidos e de outros lugares”.
Dawkins reproduz uma concepção, hoje, muito comum, a de que a Universidade é o templo da razão e da sabedoria, e todos os seus sacerdotes e discípulos devem ser batizados e purificados da mácula da religião. Acontece que, se a religião não faz parte da natureza da casta de Dawkins, ela está na origem do templo dos “iluminados”, dos adoradores da “verdade científica”. Porque foi a “Idade das Trevas”, condenada pelo professor e seus asseclas, que erigiu o púlpito de onde eles mesmos agora cantam suas glórias – uma dívida composta não apenas por muros, pedras, mas uma dívida intelectual: pois os religiosos de ontem, monges e árabes, preservaram e traduziram textos da antiguidade fundamentais para a composição da estrutura do conhecimento que serve de base para a ciência contemporânea. E se o recuo no tempo for ainda mais distante, na Grécia Antiga o cultivo do pensamento racional esteve intimamente articulado com a religiosidade.
Para que os débitos dos acadêmicos não sejam anotados apenas nas contas do passado, é preciso reconhecer a produção contemporânea de um centro de estudo em especial, com o mérito do prêmio Nobel: a Pontificia Academia Scientiarum – a academia científica do Vaticano [2].
Toda esta herança, que compõe o fundamento da civilização Ocidental, é produto de um surto psicótico, de um delírio? É uma ilusão provocada pelo fanatismo? Não pode ser o resultado de uma busca sincera que, embora situada em um horizonte mais amplo, é semelhante à de um biólogo que honestamente investiga a natureza em seu projeto de pesquisa? Não – pelo menos para Dawkins, que considera o dinheiro a grande fonte de inspiração: o maior móbile dos artistas financiados pelas ordens confessionais e responsáveis pela capela do King’s College e pela Capela Sistina. Se Dawkins está aqui sendo coerente com a sua redução materialista, então a sua honestidade intelectual também é colocada sob a suspeita das multimilionárias verbas de pesquisa universitária.
Certo é que Dawkins combate apenas uma caricatura da religião, criada para que ele não precise de grandes esforços para derrubá-la e depois, com ares de superioridade, alardear a vitória. Este não é um expediente inocente, está abertamente declarado em seu best seller “Deus, um delírio” [3], onde afirma que não é necessário conhecer o pensamento dos eruditos confessionais para criticar a religião. Se Dawkins dispensa o pensamento dos sábios e doutores religiosos – e se não investiga o que é a experiência, a vida religiosa – então o seu próprio papel de debatedor é colocado em questão: ele não estaria qualificado para discutir a marca da religiosidade na natureza humana porque ele simplesmente não sabe o que é religião. No entanto, os seus colegas universitários o aplaudem, grande parte da classe supostamente letrada o louva, e os formadores de opinião o enaltecem. Eles, que ditam os termos do debate público, expressam algo sintomático e preocupante: a degradação não só do sentido de religião, mas também a do significado de conhecimento – assim, constroem um novo templo, e no altar da Universidade consagram um verdadeiro vigarista.
Referências.
[1] Intelligence Squared. “We would be better of without religion”, 2007 [http://www.intelligencesquared.com/events/wed-be-better-off-without-religion].
[2] Cf. http://www.pas.va/
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