Bruno Braga.
A
imutabilidade do tempo é uma das compreensões mais banais que o ser humano pode
extrair da sua consciência. Qualquer pessoa que se submeta a este autoexame
interior é capaz de recolher a evidencia de que o passado está sepultado, ele não
pode ser objeto de reformulação; e o futuro, por sua vez, aparece turvo, obscuro
e incerto. Esta é a experiência de uma mente ordinária. Não é, contudo, a
estrutura de uma mente revolucionária.
Em
vez de uma pessoa comum, que cuida dos problemas triviais da existência, o revolucionário
se autoproclama um “agente histórico”. Este status confere a ele,
imediatamente, a posição de guia e condutor, e o posto de juiz e árbitro, do próprio
processo histórico. Assim, o revolucionário acredita estar dotado do poder de
modelar o tempo: para reformular o passado em termos que justifiquem a sua
conduta e a sua atual posição; e determinar o futuro “maravilhoso”, garantido
por um projeto previamente traçado.
Porque
é guia e árbitro da História, o revolucionário se autoimuniza. Ele não pode ser
responsabilizado e, consequentemente, não pode ser julgado, já que não há
nenhuma instância de poder superior a ele mesmo. Quando Fidel Castro proclamou
em sua autodefesa “La historia me absolverá”, não estava deixando a avaliação
das suas ações para as pessoas comuns. Não – ele estava proferindo uma sentença
de autoabsolvição. Porque, enquanto revolucionário, o “Comandante” estava certo
de ser não só o condutor, mas o árbitro da própria História.
O
revolucionário ergue os seus próprios “tribunais”. É necessário expurgar o
“mal”. Foi assim que recorreu à guilhotina e ao fuzilamento. Não importa o
meio, desde que o horizonte rumo à Terra dos Hiperbóreos esteja aberto: o sítio
paradisíaco, onde para os gregos antigos se fazia a colheita duas vezes por ano;
o lugar onde as pessoas tinham uma existência longa, feliz, e morriam
voluntariamente, jogando-se dos penhascos com a cabeça coroada de flores.
A
“Comissão da Verdade” é um “Tribunal Revolucionário”. Ainda que ela não recorra
à guilhotina, ao fuzilamento, e não tenha o poder de punir criminalmente – algo
que um de seus integrantes já cogita rever –, a difamação, a desmoralização, a
execração pública são penas que satisfazem os seus carrascos, os revolucionários
de ontem que hoje lutam para preservar o poder político que têm nas mãos.
Não
é apenas por uma circunstância política, mas também pela estrutura interna, que
a “Comissão da Verdade” se faz um “Tribunal Revolucionário”. Os que criaram as
condições para instalá-la, os que a apoiam e suportam, e pelo menos alguns de
seus integrantes, estão certos de que são “agentes históricos”. Com a autoproclamação
que os transformam em guias e árbitros do tempo, eles pretendem reformular o
passado para legitimar a sua existência, conduta e posição, mesmo que seja
necessário falsificar a própria história [1]. Os revolucionários acreditam na
legitimidade de uma moral invertida, que os autoriza a forjar uma “Verdade” para
que o país, enfim, esteja pronto para o “Paraíso terrestre” ou para a Terra dos
Hiperbóreos.
Porém,
qual pessoa, em sã consciência, julgaria possuir o poder de interferir no
tempo? Manipular o passado e fixar o porvir? Ninguém, na posse mínima de suas
faculdades mentais, pensa que pode orientar o futuro da humanidade – ou de um
país -, porque sabe que não tem nas mãos o seu próprio futuro. Nenhuma pessoa
razoável se arroga a autoridade para fraudar a história ou fuzilar – ou mesmo
difamar e desmoralizar - para que daí nasça a virtude e a nobreza. Este
contraste denuncia que o revolucionário não é um hipócrita, ou alguém que tenha
ambições políticas ou financeiras desmedidas. O revolucionário de fato é aquele
que padece em um estado agudo e grave do delírio de onipotência.
Referências.
[1].
Afirmar que a luta armada dos revolucionários no Brasil foi uma reação a um
regime político autoritário é mentira, porque os revolucionários iniciaram a guerrilha
antes de 1964. Também é falsa a afirmação de que eles lutavam pela “democracia”,
quando pretendiam, de fato, a implantação do Socialismo-Comunismo no país.
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