Bruno Braga.
A
tragédia Coéforas oferece uma amostra
da complexidade da consciência moral. Nela Ésquilo conta o retorno de Orestes a
Argos para vingar a morte do pai: o poderoso rei Agamêmnon, chefe da expedição
grega contra Tróia, que fora assassinado covarde e brutalmente pela esposa Clitemnestra
e por seu amante, Egisto.
Orestes, para realizar a ordem de justiça proferida pelo oráculo, disfarçou-se de estrangeiro junto com seu amigo Pílades. O plano era se passarem por mensageiros e, com isso, serem acolhidos no palácio dos Atridas, a residência de suas vítimas. Anunciar a morte do filho a Clitemnestra era parte da farsa.
A
Ama que cuidou de Orestes na infância, porém, soube da notícia trazida pelos
estrangeiros antes de seus senhores, e imaginou que eles, Clitemnestra e Egisto,
comemorariam a morte de Orestes, já que,
com isso, os brutais e impiedosos assassinos de Agamêmnon poderiam gozar
da magnificência régia sem qualquer perigo de censura ou vingança:
[...] Clitemnestra
quer dar a impressão de estar
preocupada;
seus olhos, todavia, ocultam um
sorriso,
pois tudo para ela se encaminha bem;
[959-962, p. 125]
[...] Certamente Egisto
irá ficar com o coração cheio de
júbilo
quando escutar as novidades que lhe trazem
[965-967, p. 125].
[...]
ele (Egisto) receberá feliz as más notícias [998].
No
entanto, Clitemnestra e Egisto reagem de maneira diversa da imaginada pela ama.
Depois de receber a funesta notícia, Clitemnestra lamentou:
Como é difícil, Maldição deste palácio,
a luta contra ti!
[...] Assim me privas de todas as
criaturas
a quem dedico o meu amor! Ai! Ai de
mim!
Agora foi Orestes, que teve o bom
senso
de se afastar deste sangrento lamaçal
- a última esperança que eu ainda
tinha
de sentir nesta vida uma alegria pura,
capaz
de curar para sempre este palácio! [893-905, p. 123].
Egisto,
por sua vez, não escondeu os seus sentimentos depois de receber a mensagem
funérea:
Será terrível para nós mais este
golpe,
quando o palácio ainda sangre sob o
peso
de
uma primeira morte [1075-1077].
As
reações de Clitemnestra e Egisto quebram as expectativas da Ama, presa a uma consciência
moral engessada. A imaginação e o julgamento fundados em tipos e modelos, que
afastam as possibilidades, as contradições e as ambiguidades da própria vida
humana. Uma sutileza da consciência moral que o raciocínio estereotipado, amarrado
a termos vazios, ideias e doutrinas previamente concebidas é incapaz de
apreender.
Algo
que acometeu o próprio Orestes, cantado como justo pelo Coro depois do
impiedoso matricídio:
[...] o duplo assassinato; o
desterrado
Anunciado pela pitonisa
Levou a termo o seu cometimento
Guiado pelos conselhos de um deus
Em sua decisão impetuosa.
Gritai manifestando o justo júbilo,
pois finalmente a casa de Agamêmnon
foi libertada de tantas desditas
e do casal impuro e insaciável
que para dissipar suas riquezas
enveredou pela rota da morte.
Chegou o herói que, lutando na sombra,
soube aplicar o castigo devido.
Guiou-lhe os passos a filha de Zeus
que nós, mortais, costumamos chamar
pelo nome que lhe convém – Justiça;
sobre seus inimigos ela insufla
vingança e morte até aniquilá-los” [1203-1220].
Referências.
ÉSQUILO.
Coéforas in Orestia. Trad. Mário da
Gama Kury. Jorge Zahar: Rio de Janeiro, 2003.
Sugestão de leitura.
BRAGA,
Bruno. Dois sacrifícios [http://b-braga.blogspot.com.br/2012/04/dois-sacrificios.html].
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