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Wednesday, June 20, 2012

As sutilezas da consciência moral.


Bruno Braga.



A tragédia Coéforas oferece uma amostra da complexidade da consciência moral. Nela Ésquilo conta o retorno de Orestes a Argos para vingar a morte do pai: o poderoso rei Agamêmnon, chefe da expedição grega contra Tróia, que fora assassinado covarde e brutalmente pela esposa Clitemnestra e por seu amante, Egisto.

Orestes, para realizar a ordem de justiça proferida pelo oráculo, disfarçou-se de estrangeiro junto com seu amigo Pílades. O plano era se passarem por mensageiros e, com isso, serem acolhidos no palácio dos Atridas, a residência de suas vítimas. Anunciar a morte do filho a Clitemnestra era parte da farsa.
A Ama que cuidou de Orestes na infância, porém, soube da notícia trazida pelos estrangeiros antes de seus senhores, e imaginou que eles, Clitemnestra e Egisto, comemorariam a morte de Orestes, já que,  com isso, os brutais e impiedosos assassinos de Agamêmnon poderiam gozar da magnificência régia sem qualquer perigo de censura ou vingança:   

[...] Clitemnestra
quer dar a impressão de estar preocupada;
seus olhos, todavia, ocultam um sorriso,
pois tudo para ela se encaminha bem; [959-962, p. 125]
[...] Certamente Egisto
irá ficar com o coração cheio de júbilo
quando escutar as novidades que lhe trazem [965-967, p. 125].
[...] ele (Egisto) receberá feliz as más notícias [998].

No entanto, Clitemnestra e Egisto reagem de maneira diversa da imaginada pela ama. Depois de receber a funesta notícia, Clitemnestra lamentou:

Como é difícil, Maldição deste palácio,
a luta contra ti!
[...] Assim me privas de todas as criaturas
a quem dedico o meu amor! Ai! Ai de mim!
Agora foi Orestes, que teve o bom senso
de se afastar deste sangrento lamaçal
- a última esperança que eu ainda tinha
de sentir nesta vida uma alegria pura,
capaz de curar para sempre este palácio! [893-905, p. 123].

Egisto, por sua vez, não escondeu os seus sentimentos depois de receber a mensagem funérea:

Será terrível para nós mais este golpe,
quando o palácio ainda sangre sob o peso
de uma primeira morte [1075-1077].

As reações de Clitemnestra e Egisto quebram as expectativas da Ama, presa a uma consciência moral engessada. A imaginação e o julgamento fundados em tipos e modelos, que afastam as possibilidades, as contradições e as ambiguidades da própria vida humana. Uma sutileza da consciência moral que o raciocínio estereotipado, amarrado a termos vazios, ideias e doutrinas previamente concebidas é incapaz de apreender.
Algo que acometeu o próprio Orestes, cantado como justo pelo Coro depois do impiedoso matricídio:

[...] o duplo assassinato; o desterrado
Anunciado pela pitonisa
Levou a termo o seu cometimento
Guiado pelos conselhos de um deus
Em sua decisão impetuosa.
Gritai manifestando o justo júbilo,
pois finalmente a casa de Agamêmnon
foi libertada de tantas desditas
e do casal impuro e insaciável
que para dissipar suas riquezas
enveredou pela rota da morte.
Chegou o herói que, lutando na sombra,
soube aplicar o castigo devido.
Guiou-lhe os passos a filha de Zeus
que nós, mortais, costumamos chamar
pelo nome que lhe convém – Justiça;
sobre seus inimigos ela insufla
vingança e morte até aniquilá-los” [1203-1220].



Referências.

ÉSQUILO. Coéforas in Orestia. Trad. Mário da Gama Kury. Jorge Zahar: Rio de Janeiro, 2003.

Sugestão de leitura.


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