Bruno Braga.
Não
é belo que nós estamos tão pertos da bem-aventurança política ideal sem
sofrermos vertigens? Que sejamos livres e iguais sem Robespierre e sem os “sans
culotte”? Que veneremos uma herança antiga e pacífica onde outros mancham as
inovações judiciosas com os horrores da revolução?... É um fato singular que o
que na França resulta agora novo e paradoxal seja para nós uma antiga ortodoxia
política (apud SAFRANSKY, 1991, p. 38).
A
transcrição acima é o testemunho de um leitor do “Hamburgische Correspondent”,
um dos melhores periódicos da Alemanha na época da Revolução Francesa. O
depoimento expressa a desilusão com os desdobramentos do movimento
revolucionário, que contrastavam com as promessas e expectativas iniciais de
seus idealizadores e membros, com o entusiasmo que inspirou a composição de
odes, encômios, hinos e, diz a lenda, fez o pontual Immanuel Kant atrasar a sua
caminhada, uma referência para os relógios dos moradores de Königsberg. Por
outro lado, o mesmo testemunho expõe um sentimento de orgulho referente a
Hamburgo, na Alemanha. A cidade havia sido contagiada pelas esperanças
revolucionárias; mas, ao constatar as realizações da fase jacobina – marcada
pelo terror, por perseguições e mortes –, se afastou do movimento, já que possuía
a liberdade prometida pela revolução sem a necessidade de uma guilhotina que a
garantisse.
Hamburgo,
cidade hanseática – isto é, membro de uma confederação de cidades que conservam
independência e autonomia para desempenhar o livre comércio –, era conduzida por
dirigentes que se orgulhavam da constituição local, garantidora dos direitos de
liberdade pessoal nos moldes da ata inglesa do “Habeas Corpus”. “A chave era a
liberdade”. Para assegurá-la a carta estabelecia uma articulação bem particular:
sem ser totalmente aristocrática, nem completamente democrática e
representativa, era as três ao mesmo tempo - uma fórmula que assegurava a
tranqüilidade, a seguridade e a liberdade [1].
A
cidade alemã, no entanto, não se afastou totalmente da França revolucionária: conservou
com ela as relações comerciais. Ao mesmo tempo em que os negócios eram prósperos,
a cidade acolhia os franceses fugitivos. Elegantes e cheios de requinte, os
emigrantes seduziam a população local, e, conseqüentemente, exerciam influência
sobre os seus costumes - não apenas com a culinária sofisticada, com a
cafeteria, mas também promovendo um aumento considerável de festas, jogatinas e
do consumo de bebida. A prostituição cresceu, e com ela se espalhou o rumor de
que o “mal venéreo” francês se propagava.
O
contraste entre a França revolucionária e Hamburgo é pontual. Porém, ele abre a
possibilidade para uma questão maior depois de inúmeras experiências
históricas: quais foram, efetivamente, as realizações dos movimentos
revolucionários radicais em comparação com as suas promessas? Nenhuma realização
supera a degradação intelectual, a moral, e o banho de sangue. Em todos os
esforços de concentração de poder não se viu mais que o estímulo dos sentimentos
mais baixos e vis. Foram como a reivindicação do “Anjo Decaído” em John Milton:
Poderemos aqui reinar seguros.
Reinar é o alvo da ambição mais nobre,
Inda que seja no profundo inferno;
Reinar no inferno preferir nos cumpre
À
vileza de ser no céu escravo” [2].
Os
desdobramentos dos movimentos revolucionários foram semelhantes às consequências
da ambição satânica: obscuridade, inversão, falsificação, ignorância, corrupção
e morte. Hoje, em plena atividade, a revolução é mais do que a reivindicação de
poder político: é a revolta contra qualquer dimensão superior que dê ciência
das limitações e fraquezas da natureza humana – é o esforço para entronar o
próprio revolucionário, que na autoglorificação de Che Guevara é “o escalão mais
alto da humanidade”.
Referências.
[1].
SAFRANSKY, 1991, p. 37.
[2].
MILTON, 1949, p. 14.
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