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Thursday, September 15, 2011

O artifício de negar "a" Verdade para afirmar as "suas próprias" verdades.

Bruno Braga.


 

Refletir sobre a Verdade é um exercício atormentador. E pode ser ainda mais pavoroso ter que enfrentá-la. Por isso, tão logo surge o problema, um artifício muito comum é invocado para fugir dele: "será que a verdade existe ou cada um tem a sua?"

Em geral a Verdade é constrangedora. Ela arruína de uma só vez as certezas individuais mais estimadas; isto, automaticamente, provoca certo desconforto, desperta o temor, a insegurança, asco, repulsa. Neste sentido, o recurso ao argumento das verdades particulares, além de afastar a discussão objetiva, a investigação da matéria propriamente dita, é um artifício para fugir do constrangimento promovido pela Verdade – seja numa espécie de auto-engano, para livrar-se do descontentamento consigo mesmo e resguardar a auto-estima; ou para salvaguardar a sua reputação diante do olhar público, encontrando nele abrigo, conforto e segurança. No entanto, este estratagema, esta manobra astuciosa, não é a proteção das "suas" verdades – é, sim, a defesa das suas ilusões. Acontece que este artifício se disseminou de tal maneira na cultura popular que grande parte das pessoas ou o vêem com indiferença ou o aceitam como válido.

Invocar as "suas verdades" poderia ser adequado para as questões de foro íntimo, guardadas no próprio interior, e nas quais o indivíduo especula sobre o sentido da vida, o significado do mundo, ou elabora suas teorias a respeito dos fatos e eventos da sua existência ordinária – com a ressalva de que estas "verdades" são apenas um emaranhado de impressões, de idéias e conceitos vagos misturados a sentimentos e expectativas confusas. Por isso não é permitido ampliar o espectro deste emaranhado de sentimentos e impressões para que ele seja o fator definitivo na descrição dos fatos objetivos. Porque, ainda que seja um elemento que concorre para a produção das formulações do sujeito que conhece, ele não é o único: é necessário o assento da realidade objetiva – ela que, em uma investigação séria, regula e arranja as idéias. Em outras palavras, é preciso que haja uma correspondência efetiva entre a hipótese imaginada pelo sujeito e os dados da realidade. Do contrário, se a experiência efetiva, o mundo objetivo, desmente a hipótese, a conseqüência natural será o abandono dela, a renúncia das idéias e concepções que antes eram aparentemente razoáveis. Porém, este não é o expediente daquele que defende as "verdades subjetivas".

A grande dificuldade de quem recorre ao argumento das "suas" verdades é abandonar as suas "crenças". Se a realidade, ou algum outro meio inequívoco de prova, o contradiz, ele imediatamente tem a resposta: "cada um tem a sua verdade". É assim que se aferra ainda mais às suas ilusórias concepções. Quer evitar, a qualquer custo, a náusea, a vertigem, a censura da consciência, a crítica pública – ele não suporta a perda do apoio e do conforto de suas ilusões, ou o tormento diante do abismo aberto pela Verdade. Um comportamento que encontra abrigo, e é até estimulado, por outras idéias confusas e vagas cultivadas na esfera pública: por exemplo, a "liberdade de opinião", que confere ao indivíduo a certeza de não ter que responder, na carne, pelos próprios pensamentos (GUITON, 1951, p. 21) – e por isso ele se escandaliza quando as suas posições são contestadas; e o "direito de falar", que se assemelha ao comportamento dos franceses, nos quais grande parte da intelectualidade brasileira se inspirou, "estar sempre falando, não importa se sabem ou não algo sobre o assunto" (apud JOHNSON, 1990, p. 272).

Porém, o artifício das "suas" verdades apresenta dois problemas. Um deles é insuflar no sujeito que conhece – o mais apropriado seria chamá-lo de "sujeito que crê" – uma falsa convicção de que a partir da sua cabeça, única e exclusivamente, ele é capaz de deduzir todo o mundo e conhecê-lo. É o convencimento de que as próprias idéias, concepções, de que a própria imaginação é suficiente para descrever qualquer situação ou fato, dispensando a realidade diante dos próprios olhos, ou sem a necessidade do esforço da busca pelo conhecimento, isto é, da dedicação aos estudos, da seriedade e honestidade nas investigações. Porque se um dado da realidade, um documento, uma evidência, o desmente, pior para eles, pior para o mundo, pois "cada um tem a sua verdade" – uma sentença que confere atributos divinos ao indivíduo que a profere: onisciência e onissapiência. O outro problema é detectado com a persistência em recorrer ao argumento das verdades subjetivas, às "suas" verdades, depois que o artifício da sua utilização foi revelado: é o sintoma de uma covardia intelectual fora do comum.

Friday, September 09, 2011

As dimensões do debate intelectual: Dialética e Erística.

Bruno Braga.


 


 

Esta (a verdade) não encontra partidários.

Schopenhauer, MVR, 2005, p. 28.


 


 

O debate intelectual sério e honesto envolve um complexo de elementos. No entanto, ele poderia ser resumido a uma disputa na qual os participantes defendem as suas concepções. Neste confronto os debatedores aplicam todas as suas habilidades na construção de argumentos precisos e fundamentados, de modo a torná-los capazes de, não apenas sustentar as suas posições, mas de desmantelar todo o arsenal argumentativo do seu adversário.

Acontece que, embora o debate intelectual esteja estruturado na forma do embate, do conflito, o seu horizonte é a Verdade, quer dizer, uma descrição coerente nos seus termos e articulada com o fato da realidade empírica objeto da disputa. Por isso, é pressuposto que os adversários tenham sinceridade na exposição dos argumentos – por mais constrangedores e desagradáveis que eles possam ser - e honestidade intelectual para cederem a sua posição quando o seu argumento for derrubado. Somente assim é possível passar para um patamar mais elevado da descrição dos fatos, com maior coerência e articulação. Uma aproximação lenta e demorada da Verdade.

Porém, se os adversários abandonam estes pressupostos, não seria nenhuma extravagância suspeitar da condução do debate, e prever para ele conseqüências funestas. A principal delas é quando as partes passam a se ver simplesmente como pólos diametralmente opostos; então o único objetivo da disputa será "vencer" o debate. É assim que se perde o horizonte da Verdade e, sobretudo, a dimensão da compreensão. Este desvio é o que marca e distingue o debate intelectual sério da mera disputa, a dialética da erística.

Quando os debatedores objetivam apenas a defesa de suas concepções particulares - ou as do grupo ao qual pertencem – em um esforço contínuo e intenso para fazê-las prevalecer sobre as concepções de seus adversários, está em jogo a sua reputação, ou a de seus partidários, ou até mesmo uma posição social. A derrota no debate, então, seria vergonhosa: orgulho agredido e rebaixado, a vaidade arranhada aos olhos do público - pois foi vencido em uma das maiores ambições do homem, a do conhecimento; perda da credibilidade para desempenhar determinado papel social. Antecipar a derrota no imaginário, partindo do pressuposto de que o objetivo do debate é apenas a vitória, dá uma amostra do asco, da náusea, da repugnância que causaria uma eventual derrota: um mal-estar que precisa, a qualquer custo, ser evitado na disputa efetiva. Para isso os debatedores se dedicam, concentram todos os seus esforços, para alcançarem a vitória, mesmo que seja necessário utilizar subterfúgios, ardis - estratagemas que, se não têm força na discussão objetiva, quer dizer, na elucidação do mérito da questão, por outro lado podem ser extremamente eficazes para atingir o único fim almejado no domínio da disputa, a derrubada do oponente.

A estruturação do debate nestes termos é resultado de uma visão unidimensional dos envolvidos. Basta que um, apenas um, deles enxergue com este óculos, quer dizer, que se comprometa com a mera disputa, para que a tensão esteja instaurada. Então o outro passa a ser visto como um inimigo, alguém que ameaça não apenas as suas teses, mas o seu orgulho, a sua reputação, e o seu papel social. Contudo, esta é uma perspectiva reduzida e fechada do debate intelectual. Se o seu horizonte primordial é perdido – a pretensão da Verdade – é necessário assumir um ponto de vista superior: em um ângulo que foque o debate, não a partir do conflito horizontal, mas da compreensão elevada.

Comprometer-se com um debate superior não é uma simples opção formal. Envolve também uma renúncia individual, a negação do próprio orgulho, da própria vaidade, em um esforço contínuo para conservar o seu único horizonte, a Verdade - a compreensão, que acima de qualquer outro interesse envolve o nobre elemento ambicionado pelo homem, o conhecimento.

Manter-se na "senda reta" é uma dificuldade para todo e qualquer ser humano – pois é preciso superar o amor-próprio e a presunção que preenchem o coração. No entanto, além destes obstáculos subjetivos, acrescentam-se outros que, no Brasil, atingiram níveis epidêmicos. Os mais populares são: o "politicamente correto" – que exige valores equivalentes para posições contrárias que pretendem descrever o mesmo fato; e a "politização" de todas as discussões, que transforma automaticamente os debatedores em "direitistas" e "esquerdistas". O equívoco do primeiro seria o mesmo do de um Juiz que, na sentença que profere para dirimir um conflito, dá ganho de causa para as duas partes. E o do segundo é não pressupor a "neutralidade", que é possível, sim, e até necessária para uma eventual tomada de posição.

Na dimensão superior do debate o estado tensional produzido por concepções contrárias não é eliminado. No entanto, em vez da ambição horizontal da vitória, os adversários intencionam a dimensão superior da Verdade. Eles abandonam a condição de partidários, militantes, para assumir a essencial e nobre atividade humana, a do conhecimento. Nesta dimensão mesmo o derrotado sai vitorioso, porque compreende algo mais sobre o mundo e sobre si mesmo. A satisfação obtida através deste conhecimento é superior à que se alcança por meio da vitória na mera disputa. Enquanto esta é uma satisfação transitória e passageira, relativizada no olhar e na consideração do público, o entusiasmo produzido pelo conhecimento é absoluto, porque se efetiva no interior da consciência individual.

Thursday, September 01, 2011

Culto a "El Chancho".


Bruno Braga.






Com a simples pronúncia da palavra "revolução" é possível estimular, na maioria das pessoas, sentimentos de entusiasmo e euforia. Palavra poderosa, que revigora o espírito, que injeta nele ânimo e inspiração – que aviva e excita. Invocando a "revolução", inocula-se na mente de muitos que a ouvem ou lêem, a idéia e expectativa de que é possível transformar, "recriar" completamente, o mundo. Cada um destes "espíritos reavivados" se sente o agente transformador, o Demiurgo que destruirá a tradição, quer dizer, o "velho", o "arcaico", o "ultrapassado", e dará forma ao "novo mundo", ao "novo homem" – obra feita, obviamente, a partir dos seus caprichos e para suprir as suas carências. Este é o poder sedutor da "revolução": alimentar o imaginário com a sensação de poder. 


A "revolução" não é algo que encanta apenas a juventude. Embora seja uma válvula para que os mais novos invistam sua energia intensa, cega e inconseqüente - e por isso a juventude é um terreno fértil para a captação de militantes – a "revolução" é um instrumento nas mãos de homens experientes, como o foi para Lênin, Stálin, Mao Zedong. Portanto, a "revolução" é um abrigo, independentemente da faixa etária: para os jovens é um canal para descarregarem os seus excessos, confusões, ansiedades, e excitações; para os homens experientes a "revolução" é um meio para se auto-proclamarem "Construtores de mundos". É verdade que estas disposições e motivações podem se misturar em jovens e homens experientes – mas o que ambos têm em comum é que, através da "revolução", reivindicam uma concentração de poder sob a promessa de realizarem um futuro que ainda não vislumbram, mas supõem ser maravilhoso.

Nestes termos, a força excitante da "revolução" não está baseada em doutrinas, em uma teoria coerente. Sua justificação não está fundada em modelos econômicos, estruturas administrativas estatais, em tipos de organização da sociedade. O elemento principal da "revolução" é a concentração do poder – independentemente das elaborações doutrinárias e teóricas, dos princípios e modelos utilizados para este objetivo. A concentração de poder é o elemento que seduz e embriaga; é ele que, por provocar este estado de alucinação, permite que os tipos mais repugnantes sejam transformados em "heróis", em figuras idolatradas, glorificadas, pelo simples fato de terem sido "revolucionários". Este é o caso de Ernesto Guevara.


Cultuado em todos os cantos do mundo, Che Guevara sabia conquistar com as palavras. Além de encantar com discursos em prol da "liberdade", da "igualdade", e contra os "inimigos do povo", afirmou certa vez que o revolucionário é "o escalão mais alto da humanidade". Com esta auto-glorificação arrebanhou militantes para o seu ambicioso projeto de transformação radical do mundo, introduzindo em cada um dos seus "companheiros" e admiradores a ilusão de serem superiores - intelectual e moralmente - a todo o restante da raça humana. Assim iludidos, alçados a um status de quase divindades, os "revolucionários" julgaram-se autorizados, valendo-se de qualquer meio, a transformar radicalmente o homem e o mundo. 


Mas é necessário quebrar o encanto das palavras e observar o que está por trás do "mito". É preciso atravessar o desvario revolucionário que bloqueia a consciência moral. Que impede que se reconheça, no mesmo "herói" que discursa em favor da "liberdade", da "igualdade", aquele que elogia o "ódio eficaz que faz do homem uma eficaz, violenta, seletiva e fria máquina de matar". O mesmo que de maneira inexorável diz: "não posso ser amigo de alguém que não compartilha com minhas idéias" (in COURTOIS, 1998, pp. 730-731). O dono destas palavras foi quem fuzilou impiedosamente, e sem qualquer direito de defesa, um jovem de sua coluna por ter ele roubado um pouco de comida. Foi o próprio Che Guevara. Para Régis Debray, seu companheiro na Bolívia, Che foi "um partidário do autoritarismo a qualquer preço" ("Loués soient nos seigneurs", Gallimard, 1996, p. 184).



Nem mesmo a morte comovia o "revolucionário" argentino. O cárcere de "La Cabaña", de onde Che oficiava, foi local de inúmeras execuções, principalmente de antigos companheiros de armas que se declaravam "democratas".



Nas atividades burocráticas, além de "fiscal", Che Guevara ocupou o ministério da Indústria e foi diretor do Banco Central de Cuba. Foi Ministro da Economia, embora não dominasse sequer as noções elementares da função que desempenhava – conseqüência inevitável: destruiu o Banco Central cubano. Che foi um verdadeiro fracasso nas questões econômicas; mas nos assuntos "disciplinares" estava "perfeitamente habilitado": "Foi ele e não Fidel quem inventou em 1960, na península de Guanaha, o primeiro campo de trabalho corretivo (o que nós chamaríamos trabalhos forçados)" [...], conta Régis Debray (Op. Cit. p. 185).


Enfim, Che Guevara foi um indivíduo intolerante e frio. Um desastrado Ministro da Economia. Um assassino sanguinário e covarde. Em Cuba foi um dos artífices do recrutamento da juventude, sacrificada ao culto do "novo homem" (COURTOIS,     1998, p. 731). Restaria, pois, algo que justificasse ainda o culto idolátrico do "revolucionário"? Uma bela e inspiradora foto de Alberto Korda, de 1960, intitulada "Guerrillero heroico", talvez; ou o poder encantador e inebriante da palavra "revolução" – aquela mesma que produz um discurso auto-glorificante, que estimula os seus líderes e seduz os militantes com a falsa idéia de serem "o escalão mais alto da humanidade". Mas, se o "encanto" é desfeito, e o véu do mito é retirado, se revela o que o "herói" de fato foi, o que ele fez. Então, persistir na idolatria é promover, literalmente, um culto a "El Chancho" – ao "Porco", como era chamado Che Guevara na infância.

 

 

 

Tuesday, August 23, 2011

Família do "Novo Milênio"?

Bruno Braga.





O contraexemplo é um expediente útil para demonstrar a inaplicabilidade de determinada hipótese. Torna-se ainda mais precioso quando esta hipótese equivocada é publicamente disseminada com contornos de legitimidade e retidão. Neste sentido, esta breve exposição servirá como argumento contrário a algumas das teses presentes no artigo "A família contemporânea e seus limites na transmissão de valores", redigido por Pedro Arruda e Sirlene Cristina Aliane [Publicado no portal "Barbacena Online" em 20 de Agosto de 2011 e acessível no link: http://www.barbacenaonline.com.br/noticias.php?c=6861&inf=6 – para uma compreensão adequada desta exposição seria indicada a leitura prévia do artigo] – sobretudo a que aceita a união homoafetiva como "entidade familiar".

Acontece que a análise do artigo de Pedro e Sirlene é, desde o princípio, amarrada, encontra um obstáculo imediato. Segundo os autores a decisão do Supremo Tribunal Federal [STF], que reconhece a união homoafetiva como "entidade familiar", joga por terra os argumentos "fundamentalistas" e "preconceituosos" contrários à equiparação do relacionamento homossexual à família tradicional (Cf. Parágrafo 7 do texto de referência). Mas é preciso esclarecer que, colocar a matéria nestes termos dá, tanto à decisão do Supremo Tribunal Federal, quanto ao próprio artigo, uma proteção sutil: porque se parte do princípio de que, toda e qualquer oposição a eles, toda e qualquer crítica, será "fundamentalista" e "preconceituosa". Em outras palavras, os autores concedem à decisão do STF, e ao seu próprio texto, uma imunidade a críticas.

Porém, esta "imunidade" é frágil. Ela se sustenta em um "argumento de autoridade". Para Pedro e Sirlene, porque foi uma decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, então é uma decisão corretíssima, sem máculas, inequívoca e infalível. Os articulistas não se atentam para o fato de que o "argumento de autoridade" não aborda a matéria propriamente dita, quer dizer, a possibilidade e realidade de uma "entidade familiar gay"; e nem permite que os fundamentos dados pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal sejam discutidos. Dito de outra forma, endossam uma "ordem régia": se Rei ordenou, é porque está sob a inspiração divina da infalibilidade, e por isso a ordem deve ser aceita e obedecida, sem hesitação.

Analisar uma questão estruturada nestes termos é arriscado. Porque as críticas poderão ser taxadas automaticamente como "fundamentalistas" e "preconceituosas", estando ameaçadas de censura - e o seu autor exposto à terrível punição por contestar a "ordem do Rei" e os "súditos" que a transmitem. No entanto, independentemente dos riscos, é necessário prosseguir, apontar os equívocos da decisão "superior", e do discurso dos que a disseminam.

Para que a exposição fique mais clara, a questão da "família gay" será discutida em tópicos distintos, intitulados: "Problemas de ordem teórica" (I); "Problemas de ordem prática" (II) – sem afastar a possibilidade de estabelecer alguma conexão entre os dois tópicos, já que estão intimamente associados; e uma Conclusão final (III).

I. Problemas de ordem teórica.

Pedro e Sirlene apontam a mudança "conceitual" promovida no termo "família". Esta reformulação foi um dos fundamentos da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal [STF] em 05 de Maio de 2011, motivada pelas "Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental" (ADPF nº 132/RJ) e "Ação Direta de Inconstitucionalidade" (ADI nº 4277). No entanto, é indispensável verificar os termos desta modificação conceitual, e se ela, de fato, é permitida – tanto no âmbito constitucional quanto no campo semântico.

A Constituição Federal define "entidade familiar" assim: [...] "Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar [...] (grifo meu) [Art. 226, §3]. No parágrafo seguinte, do mesmo texto, há a previsão da "família monoparental": "Entende-se também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes" (grifo meu) [Art. 226, §4].

Os Constituintes brasileiros tiveram a preocupação de definir literalmente o conceito de "família" para que não fosse permitido ao Judiciário legislar sobre o tema. Sobre esta "intenção" dos Constituintes, o testemunho de Ives Gandra Martins é precioso e esclarecedor [http://www.fecomercio.com.br/?option=com_institucional&view=interna&Itemid=20&id=3892].

Isto não quer dizer que o texto constitucional é imutável. Porém, para reformulá-lo – por exemplo, incluir no artigo 226 e seus parágrafos uma "família gay" - seria necessário utilizar o mecanismo adequado, previsto na própria Carta Magna: a Emenda Constitucional. Portanto, a decisão dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, de considerar a união homoafetiva como "família", não apenas trai o "espírito originário" da Constituinte, mas representa o descumprimento de sua própria atribuição, que é proteger a Carta Constitucional – além de usurpar um poder que não é o seu, o de legislar.

Há ainda um recurso que tenta salvaguardar a desajeitada resolução do Supremo Tribunal Federal: o amparo do princípio constitucional da "isonomia" (Art. 3, IV c/c Art. 5, CF) – ou de "princípios implícitos", como quer o Ministro Carlos Ayres Britto ("Folha de São Paulo", Ed. 04 de Julho). Para evitar a "discriminação" seria preciso reinterpretar, sob a tutela de tais princípios constitucionais, o artigo 226 e seus parágrafos – aqueles que definem literalmente o conceito de "entidade familiar" –, concedendo o status da família tradicional à união homoafetiva. No entanto, seria indispensável questionar os Ministros do Supremo Tribunal, principalmente Carlos Ayres Britto: como é possível que a Constituição Federal tenha, nela mesma, um princípio que a torna "Inconstitucional"? Seria a Carta Magna, então, um documento auto-contraditório? Isto seria um atentado aos princípios da lógica elementar. (Sobre o mecanismo adequado para a reformulação de texto constitucional no caso em tela, Cf. as observações anteriores sobre a Emenda Constitucional).

Pedro e Sirlene acertam quando apontam a mudança "conceitual" de "família". Porém, eles parecem não estar conscientes do artifício – sim, artifício – utilizado para esta reformulação semântica, e dos problemas que ela pode trazer. Para aclarar um pouco a questão, o artifício foi o seguinte: conservar no texto constitucional o conceito, a palavra "família" – para tentar escapar da acusação de usurpação do poder legislativo - mas promover a sua "re-significação". Isto quer dizer que "entidade familiar" ganha um novo referente: além da (a) união entre um homem e uma mulher, e (b) qualquer dos pais e seus descendentes, agora [C] a "família gay".

Ocorre que, se este procedimento não é uma fraude explícita, é, pelo menos, um raciocínio falho. Se o "sentido", o "significado", do termo foi reformulado, então o texto é, sim, outro, embora com as mesmas palavras. E o Supremo, portanto, legislou – função que não é a sua. O raciocínio dos Ministros do STF seria assim: (a) o nome – a palavra – "José" se refere ao sujeito X; mas, (b) se além do sujeito X, fosse adicionada outra referência, o sujeito Y, conservando o mesmo nome, então, [C] José, conservaria o mesmo sentido. Este é um raciocínio claramente falho.

Porém, o equívoco é ainda mais grave. Os Ministros do Supremo Tribunal Federal, ao decidirem a questão nestes termos, precisaram fazer do conceito de "família" um "significante vazio". Em outras palavras, foi necessário fazer da palavra "família" um recipiente vazio e transparente – sem conteúdo fixo, definido - no qual tudo, tudo, que fosse lançado dentro dele se tornasse automaticamente "uma família". Mas "família" não é este recipiente vazio – é um conceito definido, que encontra a correspondência adequada na tradição reconhecida pela própria Constituição Federal: (a) união entre um homem e uma mulher, e (b) qualquer dos pais e seus descendentes.

Promover a "re-significação" do conceito de "família" tomando-o como um "significante vazio" traz conseqüências funestas. Pedro e Sirlene se entusiasmam com a "família do novo milênio" – porém, apontam apenas um único tipo: o relacionamento entre "dois" gays. Mas, seguindo o raciocínio dos Ministros do STF, que é endossado pelos articulistas, seria possível apontar outros tipos de "família moderna". Por exemplo, a do sujeito que pretenda se casar com sua própria mão, com a qual tem momentos sublimes de prazer dentro do banheiro. Se o status de "entidade familiar" for reivindicado pelo apaixonado, deverá ser concedido, sob pena de "discriminação", violação do "princípio da isonomia", ou dos "princípios implícitos" de Carlos Ayres Brito. Para quem pensa que esta hipótese é um absurdo, em Garanhuns, Pernambuco, um indivíduo já está reivindicando o direito de se casar com a sua "mão esquerda" [http://gdnews.com.br/noticia/geral/10,3316,homem-entra-na-justica-para-conseguir-casar-com-sua-mao]. E que objeção poderia ser levantada? Se for assumido o "nobre" e "inequívoco" raciocínio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, nenhuma.

Poderiam ser "famílias do Novo Milênio" também as relações de bestialismo: como o Zé da Roça que pretenda se casar com a sua doce e charmosa eguinha. Da mesma forma os gays que desejam formar uma "família poligâmica". Ora, por que eles não poderiam constituir as suas "famílias"?! Afinal, segundo os articulistas, Pedro e Sirlene, a "família moderna" deve ser um meio de concretização do afeto – então, não haveria nenhum obstáculo para a constituição destas "exóticas" famílias.

A propósito, será que a família tradicional nunca foi constituída pelo afeto? A tomar as palavras de Pedro e Sirlene, não – e é o que pensa também outro Ministro do STF, Ricardo Lewandowski [Cf. http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI4277RL.pdf]. Para eles o sentimento, o amor, o afeto é monopólio dos gays. A família tradicional – o "modelo único" e repressor - é constituído pelo pai tirano, que subjuga a sua esposa e mal-trata os seus filhos. Ora, tratar a questão nestes termos é antes fazer uma campanha publicitária gay que dar uma adequada descrição dos fatos.

É o momento de abordar a questão sob outra perspectiva.

II. Problemas de ordem prática.

A decisão do Supremo Tribunal Federal, que concede à união homoafetiva o status de família não é somente uma modificação de textos e palavras. Ela gera efeitos na vida prática. Os principais deles são a adoção de crianças por casais homossexuais, e a inclusão de materiais didáticos nas escolas que introduzem a "família gay" na educação infantil.

Mas os nobres Ministros do STF estão certos de todas as influências que "pais gays" podem exercer sobre uma criança adotada por eles? Eles se certificaram sobre todos os efeitos que podem causar o material didático gay na sexualidade de uma criança, justamente no período e idade de formação? Qual seria o efeito do "Kit gay" na educação de crianças de 11 anos [http://oglobo.globo.com/pais/mat/2011/05/26/diferentemente-do-divulgado-kits-anti-homofobia-eram-para-criancas-de-11-anos-924548005.asp]? 

Ademais, e se neste material didático fossem incluídas outras "famílias do Novo Milênio", como as citadas anteriormente? A do sujeito e sua singela, mas calejada, mão? A do Zé da Roça e sua doce eguinha, e a do "grupo" familiar gay? Afinal, se estes relacionamentos "exóticos" ganharem o status de "família" – e se reivindicado deverão receber, sob pena de ferir o "princípio da isonomia" – deverão ser inseridos nas cartilhas escolares. Se o ambiente familiar e o escolar são uma preocupação para Pedro e Sirlene, deveriam incluir em suas análises estas questões.

Agora, há um problema para o qual somente um Ministro do STF, com sua estratosférica e inequívoca sapiência, poderia solucionar. A união estável carrega implicitamente uma distinção de papéis sexuais, que inclusive definem direitos e deveres dos parceiros. Acontece que, no relacionamento homossexual como estabelecer esta diferença de papéis sexuais? Quem é ativo, quem é passivo? Então, como é possível equiparar a união entre gays à união entre homem e mulher? Portanto, seria fundamental questionar um Ministro do STF, quem sabe Carlos Ayres Britto, se fosse da sua competência resolver: "Excelentíssimo, como será decido um pedido de dissolução da união estável fundado no descumprimento das "obrigações sexuais" por uma das partes?"

III. Conclusão.

Diante do exposto, a decisão do Supremo Tribunal Federal, que concede status de "entidade familiar" à união homoafetiva não tem amparo nem teórico, nem prático. Não se sustenta sob qualquer hipótese. E um dos equívocos de Pedro e Sirlene é colocar esta decisão como uma necessidade social.

Sim, relacionamentos homossexuais sempre existiram – e não há, aqui, nenhuma pretensão de eliminá-los. Mas ao longo da história não há qualquer exemplo de "família gay". Esta idéia não teria sido concebida sequer por Sócrates e Alcebíades na Grécia Antiga. Não faria qualquer sentido no período imperial romano, e nem mesmo em Sodoma e Gomorra. Família guarda o seu sentido originário apenas na tradição – sentido este reconhecido pelo texto constitucional, antes, obviamente, da equivocada "re-interpretação" promovida pelos Ministros do STF. Isto não significa que o relacionamento homossexual está desamparado – isto é mais uma falácia, pois, em última instância o gay, como qualquer outro cidadão, tem acesso irrestrito ao próprio Poder Judiciário.

Pedro e Sirlene parecem não estar atentos para o "ativismo judicial" promovido por uma "militância gay". Um movimento político extremamente organizado, e muito bem financiado, que faz da sexualidade um instrumento para promover a carreira de seus líderes. Estes líderes se declaram porta-vozes "dos", quer dizer, de "todos", os gay – mas, efetivamente representam apenas os seus próprios interesses. Esta militância é, inclusive, criticada pelos homossexuais (Cf. o importante documentário "Não gosto dos meninos" [http://www.youtube.com/watch?v=HHA-WpPSK4s]).

Mas, além de instrumento imediato de ascensão política, a "militância gay" serve a ambições maiores, é instrumento para a promoção de "engenharia social" através do ativismo judicial. O objetivo é destruir a estrutura da sociedade ocidental, a tradição judaico-cristã. E peças como a de Pedro e Sirlene – que é apenas um exemplo, entre milhares – contribui, de maneira inconseqüente, para este propósito. Mas seria fundamental perguntar: "Qui bono?" Ou, "Quem se beneficia?" Não são os homossexuais, que serão os maiores prejudicados. Mas os três principais agentes históricos no momento: a Elite financeira; o movimento Socialista-Comunista; e, sim, o Islã. Mas este é um assunto para outra oportunidade.

Como esclarecimento final é preciso dizer que não há qualquer pretensão, aqui, de motivar uma campanha contra os homossexuais. O objetivo foi apontar as fraudes promovidas para conceder à união gay o status de "entidade familiar" – algo que não tem amparo legal, semântico, e nem mesmo prático. Que as necessidades emanem da própria sociedade, que tem seus representantes eleitos nas Casas Legislativas – que, por mais ineficientes que sejam, são o poder encarregado de cuidar da matéria. Porque, se sob o pretexto de antecipar uma "família do novo milênio", o Supremo Tribunal Federal, endossado pelos articulistas, pisa este protocolo, está ferindo, não apenas a Constituição Federal, usurpando o poder legislativo, e ferindo a própria Democracia, já que a maioria da população é contra a união gay (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/950907-mais-da-metade-dos-brasileiros-sao-contra-uniao-gay-diz-ibope.shtml) – mas, acima de tudo, coloca em risco toda a estrutura da sociedade.

Sunday, August 14, 2011

Pai e Filho - ou o Homem consigo mesmo.


Bruno Braga.

 
Duas histórias, duas imagens poderiam simbolizar as relações entre o Pai e o Filho – a paternidade carnal, ou a espiritual – ou a intimidade do homem consigo mesmo. Diante da complexidade da existência – na ininterrupta alternância entre mal-entendidos, revoltas, rompimentos, reconciliações - histórias, imagens opostas ou complementares.

O "Anjo Decaído" de John Milton – o Satanás, que no "Paraíso Perdido" bradava:

"Poderemos aqui reinar seguros.
Reinar é o alvo da ambição mais nobre,
Inda que seja no profundo inferno;
Reinar no inferno preferir nos cumpre
À vileza de ser no céu escravo"
MILTON, John. Paraíso Perdido. Trad. Antônio José Lima Leitão, in Clássicos Jackson, Vol. XIII, W. M. Jackson Inc. Editores: Rio de Janeiro, 1949. p. 14.

O filho pródigo, que na parábola bíblica humildemente diz para aquele que abandonou:

"Pai, pequei contra o céu e perante ti, e já não sou digno de ser chamado teu filho" (Lucas 15, 21).

Que o recebe, entusiasmado junto aos servos, e depois diante do enciumado filho mais velho:

"Trazei o bezerro cevado, e matai-o; e comamos, e alegremo-nos;
Porque este meu filho estava morto, e reviveu, tinha-se perdido e foi achado. E começaram a alegrar-se" (Lucas 15, 23-24).
[...]
"Era justo alegrarmo-nos e folgarmos, porque este teu irmão estava morto, e reviveu; e tinha-se perdido, e achou-se" (Lucas 15, 32).

 
Entre o Pai e o Filho – ou o próprio homem no interior da sua autoconsciência - duas histórias, duas imagens: contrárias, complementares, a depender da existência que no simbolismo delas se espelha. Mas que, independentemente de qual for o reflexo, será sempre o da tensão do relacionamento, o da tensão da vida.

 

 

Sunday, July 24, 2011

A Intentona de Escorel.

Bruno Braga.



Na sessão "Extras" do DVD "35, O Assalto ao Poder" (2002) há uma "Entrevista com o Diretor" do filme documentário, Eduardo Escorel. Além de esclarecimentos sobre a concepção e a produção do filme, o diretor apresenta uma análise do evento histórico que se propôs a narrar através da película: o levante comunista de 1935 no Brasil. Escorel, no trecho intitulado "O Projeto Comunista no Brasil" (Tempo 07:30), constata que há uma "defasagem" entre o propósito insurrecional comunista brasileiro e a política assumida por Stálin publicamente desde a década de 20, a do "socialismo em um único país". Se o "Homem de Aço" afirmava que a revolução é uma idéia "tragicômica", então, conceber um projeto de "revolução no Brasil" apoiado por Moscou, pensa Escorel, "é no mínimo discutível" – mesmo com a presença, adverte ele, de representantes do Komintern no país.

A tese defendida por Escorel é um completo equívoco. Se não houve uma grave falha na pesquisa para a composição do documentário, o tropeço do diretor se deve à sua incapacidade de compreender o grande estrategista revolucionário, Stálin. O "Tio Josef" não tinha debaixo das mangas apenas a "tática insurrecional". Se publicamente ele restringia a revolução socialista às fronteiras do território soviético, simultaneamente, fora dos holofotes fomentava a revolução pelo mundo valendo-se de outras estratégias: instrumentalizando os movimentos "nacionalistas" ou promovendo a revolução "cultural" – esta última que tinha, entre outros canais, a Escola de Frankfurt e a ofensiva cultural no território norte-americano.

Escorel, mesmo sem conhecer, ou sem compreender, totalmente o arsenal estratégico stalinista, poderia ter livrado a sua análise histórica do equívoco caso tivesse valorizado uma fonte presente no seu próprio documentário: William Waack. O jornalista realizou uma vasta pesquisa nos Arquivos de Moscou para narrar o levante comunista de 35 no Brasil. O resultado deste trabalho foi o livro "Camaradas", publicado em 1993. Nele Waack descreve minuciosamente – apoiado em documentos de fonte primária – os fatos e eventos daquele episódio da história nacional, e também os objetivos do Komintern, que coordenava e financiava a grande operação sul-americana. Preparada desde 1933, esta operação estava sob os cuidados de uma comissão especial, a "Comissão para a América do Sul" (p. 56). Porém, a sólida fundamentação documental fornecida por Waack não fora suficiente para convencer Escorel.

Entre vários outros registros, um telegrama do EKKI – Comitê executivo da Internacional Comunista – para o Partido Comunista Brasileiro fornece uma prova definitiva sobre o envolvimento de Moscou na insurreição de 35:

Questão da ação (o levante) geral decidam vocês mesmos quando acharem necessário. Assegurem apoio à ação do Exército pelo movimento operário e camponês. Tomem todas as medidas contra prisão de Prestes. Enviamos 25 mil por telégrafo. Mantenham-nos informados do rumo dos acontecimentos. (WAACK, 1993, p. 203. Nota 26. Secretariado do EKKI para o Bureau Sul-Americano, 27/11/35, Arquivo Histórico, 495.184.54, pp. 76 e 84).

Para Waack este talvez seja o único documento escrito de uma decisão elaborada no exterior, por uma organização controlada por potência estrangeira, que orienta o desencadeamento de uma operação militar para derrubar o governo brasileiro, com o qual não estava em guerra (p. 203). Acontece que, a julgar por suas palavras, Escorel não reconhece o documento acima transcrito, pois sustenta que a idéia de uma "revolução internacional" no Brasil é "no mínimo discutível". O diretor pensa que o levante insurrecional comunista no Brasil foi super-valorizado, e serviu, posteriormente, como instrumento de manipulação para a "direita", que para manter-se no poder passou a jogar com o "terror do comunismo" e o "terror de uma revolução mundial" ("Imaginário e Terror" – Tempo 08:30). Para Escorel documentos escritos que revelam abertamente os propósitos revolucionários, inclusive assinados por autoridades soviéticas, não têm valor algum – são uma "manipulação" da "direita".

Escorel diz ainda ter sido surpreendido com um Boletim Militar de Novembro de 1995 que se referia a um comunismo "encastelado" nas altas esferas de poder. Para o diretor é inconcebível que esta idéia ainda exista na "cabeça" de certo setor do Exército ("O Comunismo encastelado – Tempo 11:10). Porém, Escourel ou desconhece, ou despreza, outra ocorrência fundamental. Desde 1990 já estava constituído o Foro de São Paulo, organização encarregada de fomentar o Socialismo-comunismo na América Latina. Um de seus fundadores já ocupava o poder em seu país, Fidel Castro em Cuba - outro foi feito Presidente da República no Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva. Hoje a cadeira do Executivo brasileiro é ocupada por uma ex-integrante da VAR-Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária Palmares), e autoridades ligadas ao Socialismo-comunismo ocupam postos estratégicos na estrutura do Poder Federal: no Ministério da Educação, Ministério dos Esportes, Ministério da Integração Nacional, na Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados – entre outros. A contar por este cenário a declaração de Stálin adquire todo o sentido: revolução, uma idéia "tragicômica". O grande estrategista revolucionário que zombaria de Escorel, pois sabia muito bem jogar, não apenas com as armas, mas também com a fraude, com a perfídia, com o engano.

Mas é preciso perguntar: Será que Escorel foi mesmo uma inocente vítima tardia do embuste stalinista? Ou será que as suas considerações equivocadas, e o próprio documentário, refletem apenas uma falha na pesquisa histórica, sem dar o devido valor ao precioso estudo de William Waack? Uma resposta para explicar o tropeço de Escorel pode ser tentada na verificação dos créditos do próprio documentário. Neles o "argumento" – o conjunto de dados históricos, políticos, sociais, econômicos e culturais que estruturam a narrativa - é assinado por Paulo Sérgio Pinheiro (Filme – Tempo 02:44), um típico "Intelectual acadêmico revolucionário". Pinheiro foi nomeado em 2010, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para compor, como "representante da sociedade civil", um grupo de seis membros incumbido de elaborar um projeto da "Comissão da Verdade" [Currículo Lattes - http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4783968Y6] – uma suspeita comissão encarregada de apurar infrações contra os Direitos Humanos, sobretudo no período do regime militar. Ele foi defensor da versão do Plano Nacional de Direitos Humanos que previa o controle da imprensa, a cassação de concessão de rádio e TV, a extinção da propriedade privada, a restrição de uso de símbolos religiosos, a descriminação do aborto [http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/tag/paulo-sergio-pinheiro/].

Enfim, Eduardo Escorel talvez não seja uma pobre vítima dos truques stalinistas. Também não lhe faltou assessoria nas pesquisas históricas dos eventos que pretendia narrar. As suas considerações nos "Extras" do documentário, e a própria película dirigida por ele, refletem uma orientação maquiada: que não é a tentativa de descrição dos fatos, mas o esforço para promover uma peça panfletária construída por "Intelectuais" comprometidos com "revolução cultural" Socialista-comunista – e com apoio da Lei Audiovisual do Ministério da Cultura.

Thursday, June 30, 2011

Segunda intervenção.

Bruno Braga.


 

O texto abaixo – gravado em itálico – é minha segunda intervenção no debate sobre o artigo "Guinada à direita do Governo Dilma Rousseff", de Francisco Fernandes Ladeira. Esta discussão pode ser acompanhada no Blog "ZinneCult" [http://zinnecult.zip.net], onde é permitido também a intervenção de qualquer interessado.

Cordialmente,

Bruno Braga.

Belo Horizonte, 30 de Junho de 2011.

***

Em resposta aos últimos comentários – àqueles que têm relação com os temas lançados pelo texto principal e com as observações que fiz anteriormente - escrevo:

Caro Francisco,

Sugiro que releia atentamente o meu comentário, pois sua postagem (26.06.2011 – 01:36) contém um equívoco de compreensão. Eu não afirmei que há uma aliança entre PT e PSDB para implantar o Comunismo no Brasil. Apontei, no passado, uma aliança entre uma "elite intelectual uspiana" e o "movimento sindical" – ambos com origens no Socialismo-comunismo - que configurou o quadro atual da política brasileira. A polarização PT/PSDB é um desdobramento posterior, apenas para disputa de cargos e poder, mas que não apaga os traços principais daquela raiz comum. Esta explicação está bem clara no meu comentário (Cf. O primeiro parágrafo).

"Golpe de Estado" e "Jair Bolsonaro" são elementos estranhos ao meu texto: são acréscimos e ampliações promovidas por você mesmo, Francisco, pois em minha análise não há nada que faça menção a eles.

Nas mesmas linhas em que acrescenta palavras ao meu texto por sua própria conta, Francisco, você se expressa de maneira aparentemente irônica, assim: "Os Socialistas-comunistas estão querendo dominar o mundo [...]". Gostaria de trazer à sua memória a célebre convocação do mais nobre "Intelectual revolucionário", Karl Marx, que fecha o "Manifesto do Partido Comunista": "Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos!" (o grifo é meu) Desde a sua origem, Francisco, o projeto Socialista-comunista é internacional; e, embora não seja o único projeto que disputa o poder no mundo contemporâneo, ele é, sobretudo sob a orientação Russo-chinesa, um deles. Na Rússia a velha KGB (agora FSB) volta ao poder com Vladimir Putin (Sobre o tema recomendo o Documentário "The Putin System"); na China, por sua vez, o Partido Comunista rege o país. Não preciso dizer, Francisco, que "em pleno século XXI", estas não são potencias de segunda categoria.

Supondo que o esquema Russo-chinês possa parecer para você, Francisco, muito distante da realidade nacional – o que até mesmo um olhar displicente sobre o cenário político, econômico e cultural constataria o contrário – estude o Foro de São Paulo. Este é a entidade encarregada de fomentar o Socialismo-comunismo na América Latina sob a orientação de Lula e Fidel Castro – posteriormente foi fortalecido pela esquerda latino-americana que passou a ocupar as principais cadeiras do poder.

Mas é possível reduzir ainda mais o espectro da abordagem, e tratar propriamente do Brasil. Os Ministérios são postos estratégicos para o Governo Federal [http://www.presidencia.gov.br/ministros]. O da educação é ocupado por Fernando Haddad, que publicou livros com títulos sugestivos: "O Sistema Soviético" (1992); "Em Defesa do Socialismo e Desorganizando o Consenso" (1998); "Sindicatos, Cooperativas e Socialismo" (2003). O Ministro dos Esportes é Orlando Silva Jr., do PC do B (Partido Comunista do Brasil), que exerce papel fundamental na preparação do país para a realização dos dois maiores eventos esportivos do mundo – algo que está mobilizando recursos financeiros incalculáveis. O Ministro-chefe da Secretaria de Portos é José Leônidas Cristino, e o Ministro da Integração Nacional é Fernando Bezerra Coelho – ambos do PSB (Partido Socialista Brasileiro). Em outros poderes, como no Legislativo, por exemplo, Manuela D'Ávila, do PC do B (Partido Comunista do Brasil) ocupa a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados [http://www2.camara.gov.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/membros]. Enfim, relacionei, Francisco, apenas algumas autoridades filiadas a siglas nominalmente "Socialistas-comunistas" e que ocupam posições estratégicas, e de grande importância, na esfera do Poder Federal. Não foi preciso nem recorrer ao PT, o partido mais poderoso, para mostrar a força dos "revolucionários". Deste faço menção apenas a Maria do Rosário, Ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, que, embora filiada ao PT, iniciou sua carreira política no PC do B.

Agora, é preciso questionar: será que estas e outras autoridades utilizam as siglas Socialistas-comunista apenas como um "enfeite"? Quer dizer, elas afastam todos os seus princípios e ideais para utilizarem apenas os símbolos, as bandeiras vermelhas, que vestem bem e combinam com qualquer "modelito"?

É preciso esclarecer, particularmente sobre o PC do B, que ele é um partido de orientação maoísta. Isto quer dizer que segue os princípios de um estuprador, genocida, responsável pela morte de mais de 60 milhões de pessoas dentro do seu próprio país. Portanto, mesmo quem não pertence aos quadros do PC do B, mas tem simpatia pelo partido e por seus ideais, é cúmplice de genocídio.

Bom, Francisco, você utiliza a referência temporal, com a expressão "em pleno século XXI", para sugerir que a intervenção comunista no Brasil é uma idéia "ultrapassada". Relacionei, para você, alguns exemplos que demonstram a "atualidade" do Socialismo-comunismo em escala mundial, continental e nacional – a lista é obviamente incompleta neste último nível, pois restaria mencionar autoridades do poder estadual, municipal, as Universidades públicas, os Sindicatos, os "Intelectuais". Talvez você, Francisco, considere o "Socialismo-comunismo" ultrapassado por pensar a partir de estereótipos de almanaque, do tipo "estatização total dos meios de produção", "eliminação da propriedade privada" – este almanaque sim está "desatualizado". Porque o Socialismo-comunismo não é uma doutrina, uma teoria engessada (por isso tomou diversas formas, de acordo com o domínio em que seria implantado); mas é, fundamentalmente, uma estratégia para a concentração de poder.

Dito isto, é necessário acrescentar mais uma observação sobre a sua idéia de que o Socialismo-comunismo é algo "ultrapassado", Francisco – uma observação de ordem conceitual. Uma das características de um agente histórico é a sua continuidade no tempo. Em outras palavras, nós - eu, você – temos um tempo médio de vida, mas logo seremos tragados pela morte; os agentes históricos, ao contrário, ultrapassam o período médio de existência de um indivíduo, e perduram por gerações. São exemplos de agentes históricos, embora não tenham poderes equivalentes, a Igreja Católica, a Comunidade Judaica, a tradição islâmica, as Famílias reais, a Maçonaria, as Grandes fortunas capitalistas, etc. – são projetos perpetuados por décadas, séculos de história, e entre os quais se inclui o Socialismo-Comunismo, materializado nos partidos e movimentos revolucionários.

Bom, Francisco, você se espanta com o que eu "acho" sobre a intervenção Socialista-comunista no Brasil. No entanto, eu não "acho" nada. Isto porque, a respeito deste tema eu lhe forneci uma prova de "Fonte primária": as Atas do Foro de São Paulo. Elas são documentos, Francisco, assinados pelas próprias autoridades, assumindo compromissos de colaboração e solidariedade. Portanto, não sou eu que "acho", mas nos documentos Lula, Fidel Castro, Frei Betto "afirmam" o que vão fazer. Eu apenas reproduzi os objetivos deles. Não precisa "acreditar" no que estou dizendo, examine você mesmo os documentos. Agora, descartá-los preliminarmente é negligenciar os requisitos básicos para uma investigação séria e honesta – e um obstáculo para a compreensão do que aqueles mesmos personagens, e outros, "já estão fazendo".

A minha abordagem sobre o "Kit gay" também é objeto da sua oposição (25/06/2011 16:32). No entanto, neste assunto, como no caso do Foro de São Paulo, forneci-lhe "fontes primárias" – leis, projetos, notas taquigráficas. Portanto, sugiro que as leia.

Em tom de ironia, Francisco, você menciona o termo "subversão". Acontece que esta é uma estratégia extremamente atual, e por isso merece ser tratada com a devida seriedade. Subversão é um processo "legítimo", "público" e "aberto", através do qual se inocula no domínio "cultural" elementos que facilitem os desdobramentos da "Revolução". Em meus textos "Autovitimização de um frade dominicano" [http://dershatten.blogspot.com/2011/01/autovitimizacao-de-um-frade-dominicano.html] e "Reescrevendo a História" [http://dershatten.blogspot.com/2011/04/reescrevendo-historia.html] você pode verificar, de maneira geral, como funciona esta estratégia. Porém, para uma explicação mais detalhada e teórica, sugiro que assista à entrevista de Yuri Bezmenov, um desertor da KGB, a G. Edward Griffin ("Soviet Subversion of the Free World Press"), da qual poderá obter informações preciosas sobre a "atualidade" da estratégia subversiva.

É isso, Francisco.

Sugiro que releia meu comentário novamente e consulte as fontes, sobretudo as primárias. Isto é, não apenas um pré-requisito para a investigação, mas uma atitude prudente, de modo a evitar ser, como dizia Lênin, um "Polyeznyi".

Cordialmente,

Bruno Braga.

Belo Horizonte, 30 de Junho de 2011.

Friday, June 24, 2011

Novo comentário.

Bruno Braga.


 

Abaixo publico um comentário - redigido por mim e gravado em itálico - sobre o texto "Guinada à direita do Governo Dilma Rousseff", de Francisco Fernandes Ladeira. Texto este publicado no Blog "ZinneCult" [http://zinnecult.zip.net], onde é permitido ao leitor, além de acompanhar os debates e discussões, postar as suas próprias observações.

Cordialmente,

Bruno Braga.

Belo Horizonte, 24 de Junho de 2011.

***

Caro Francisco,

O governo Dilma Rousseff não é um desvio de sentido ou de direção das políticas adotadas por seus antecessores imediatos – seja a de seu padrinho e guru Lula, ou a de Fernando Henrique Cardoso. Sim, Fernando Henrique Cardoso. Porque a configuração da política nacional de hoje foi construída no passado, a partir da aliança entre uma elite "intelectual" uspiana – da qual fazia parte o tucano – e os movimentos sindicais – sendo Lula o seu principal líder. Ambos têm raízes no Socialismo e no Comunismo - portanto, são de "esquerda". Os desdobramentos posteriores da disputa eleitoral, incluindo a polarização PT/PSDB, são apenas disputas por cargos e poder, já que os projetos e a ideologia são "quase" idênticos. Digo "quase" porque há apenas uma divergência quanto ao aparelhamento do Estado, que é privilegiado pela esquerda petista. Nos outros domínios não existem divergências substanciais, seja no plano econômico, social, ou nas questões culturais. Sendo assim, não há, entre as principais siglas que disputam o poder no tabuleiro da política nacional, nenhuma de "direita". O termo, "direita", se tornou apenas uma projeção estereotipada – de caráter acusatório e estratégico - promovida pela própria "esquerda" socialista-comunista para denunciar uma "força obscura", indefinida, quando algo obstaculiza as suas ambições.

A estratégia do socialismo-comunismo é a seguinte: avançar de acordo com a recepção pública de seus projetos. Se há uma reação significativa contrária a estes projetos ele recua, apenas adiando suas pretensões; mas se não há oposição, na maioria das vezes por causa da ocultação e da fraude, ele avança. Esta foi a estratégia para o referendo sobre as armas: a população deu a sua resposta, mas, insatisfeitos, os oportunistas não demoraram para explorar a tragédia de Realengo para retomá-lo. Da mesma forma aconteceu com as posições abortistas dos dois principais candidatos na campanha eleitoral para a Presidência da República, e agora se passa o mesmo com o "Kit gay".

Quanto a este último, é um equívoco reduzir o veto da Presidente como resultado exclusivo do "lobby religioso" – para muitos, "fundamentalismo" religioso. Embora protestantes, católicos, tenham realizados manifestações incisivas, houve também uma reação negativa por parte da população quando da publicidade parcial do conteúdo do material didático que seria distribuído nas escolas (Cf. Manifestações em Blogs, Redes sociais, etc.). Aliás, por que o Governo Federal não exibe em cadeia nacional os vídeos incluídos no "Kit" para que os pais decidam sobre a exibição deles para os seus filhos? Qual seria a posição da maioria dos pais? Esta proposta de avaliação pública não agrada muito a Jean Wyllys, deputado LGBT filiado a um partido Socialista (PSOL-RJ), que acredita que o povo brasileiro é "ignorante" para decidir sobre as causas gays (http://www.youtube.com/watch?v=ixm4R63vKt8) – não é preciso observar que o Deputado exerce um mandato público concedido por aqueles mesmos que ele despreza por serem "ignorantes".

A discussão gerada em torno do "Kit gay" ofusca uma questão grave. O Brasil tem um péssimo sistema educacional, comprovado por avaliações nacionais e exames internacionais – nestes o país sempre ocupa as últimas colocações. No entanto, em vez de promover uma campanha publicitária de amplitude nacional para a valorização da alta-cultura, para a melhoria do ambiente escolar, para a formação honesta e sincera dos professores, para investimentos em pesquisa - não, o maior problema da educação brasileira, de acordo com a imensa campanha promovida pela mídia, por jornais, televisão, "Intelectuais", é o ensino da causa gay.

Esta história de "combate à homofobia" é uma falsificação absurda. "Homofobia" é um distúrbio psiquiátrico em que a pessoa apresenta aversão e ojeriza contra homossexuais no grau extremo de desejar matá-los. Agora, quando este mal foi um problema de escala nacional? Nunca. Sim, existe preconceito e discriminação – mas, diante de uma eventual ocorrência, ínfima dentro do senso das proporções, a discrição, o bom senso, o cuidado e o respeito por parte do professor e da escola são suficientes. Acontece que o "Kit gay" não tem nenhuma relação com políticas educacionais; ele é, sim, uma propaganda publicitária do homossexualismo, que seria exibida, Francisco, não para o Ensino Médio, como você afirma, mas já para crianças do Ensino Fundamental [Cf. http://oglobo.globo.com/pais/mat/2011/05/26/diferentemente-do-divulgado-kits-anti-homofobia-eram-para-criancas-de-11-anos-924548005.asp]. E não adianta o Ministério da Educação recuar "estrategicamente" (Cf. exposição acima) ou alegar desconhecimento sobre o conteúdo do projeto e dos vídeos, pois está tudo documentado nas notas taquigráficas da Audiência Pública "Escola sem Homofobia", realizada na Câmara dos Deputados em 23 de Novembro de 2011. Lá consta o público alvo do trabalho, crianças do 6° ao 9° ano (p. 28), além de uma revelação surpreendente do então Secretário de Educação continuada, André Lázaro, de que ele e sua equipe passaram três meses discutindo se deveriam incluir nos vídeos um beijo de língua entre lésbicas (p. 38). Enfim, aberrações como estas demonstram o propósito deste "material didático": vencer o grande desafio do sistema educacional brasileiro, que é, para dizer em termos polidos, ensinar a pederastia, a sodomia. Bom, este é o projeto para a criançada; mas existem propostas para todas as faixas etárias, como a de uma "Bolsa Gay" e o programa, de nome no mínimo estranho, contra a "Homofobia ambiental" (Cf. Promoção da Cidadania e dos Direitos Humanos de LGBT [http://portal.mj.gov.br/sedh/homofobia/planolgbt.pdf], respectivamente Itens 1.2.33 e 1.4.10).

A Presidente Dilma Rousseff vetou o "Kit gay" por causa das reações contrárias ao material didático que seria distribuído nas escolas. No entanto, a proposta foi apenas adiada – ela retornará, de acordo com a "estratégia" socialista-comunista, reajustada ou maquiada. Talvez não precise esperar tanto, pois grupos de Universidades públicas – domínio predominantemente "revolucionário" - já estão desenvolvendo atividades com conteúdo semelhante ao do "Kit gay" nas escolas (Cf. Programa "Globo Educação", http://redeglobo.globo.com/videos/globoeducacao/#/Edições/20110604).

O projeto de lei que criminaliza a homofobia (PL 122/06) é outra aberração. Um de seus artigos (20, §5) adverte que os homossexuais não podem sofrer nenhum constrangimento "filosófico". Ora, o que é um constrangimento "filosófico"? Explico: é todo e qualquer constrangimento; porque seja ele qual for será passível de ser enquadrado neste amplo conceito, "filosófico". Em outras palavras, todas as pessoas podem ser criticadas por causa de seu comportamento – eu, o "João", o "Zé", a Presidente da República, o Padre, o Pastor, o professor, e até Deus; porém, o único que terá imunidade e salvo conduto será o GAY. Se alguém for chamado a opinar sobre a "Parada Gay" deverá se calar ou considerá-la um evento de alta-cultura, uma manifestação artística sublime, ou uma reunião sacro-santa – porque críticas e oposições serão combatidas com o rigor da lei.

É preciso fazer um esclarecimento importante, antes que surja alguma acusação de preconceito ou de "Homofobia" pelo que foi dito. Existe uma diferença entre o Homossexual e a "Ideologia Gay". Ao primeiro o respeito e o cuidado dedicados a toda e qualquer pessoa. Agora, as críticas anteriores são direcionadas à "Ideologia Gay", pois se trata de um grupo de pessoas que diz representar OS -     quer dizer, TODOS – Homossexuais, transformando a sexualidade em instrumento para reivindicar privilégios e construir a carreira política de seus líderes. Um movimento criticado, inclusive, pelos próprios Homossexuais (Cf. Documentário "Não gosto dos meninos" [http://www.youtube.com/watch?v=HHA-WpPSK4s]).

Para concluir sobre o tema da "Ideologia Gay". É parte da estratégia socialista-comunista reduzir a oposição, neste domínio temático, ao "fundamentalismo religioso". Porque um dos seus "Intelectuais" mais ilustres, Georg Lukács, prega que, para a revolução socialista prosperar, é necessário destruir, além do direito romano, da filosofia grega, também a moral judaico-cristã. A grande ironia é comparar o acolhimento dos homossexuais pela religião judaico-cristã com o tratamento dedicado a eles pelos regimes socialistas e comunistas. Casos excepcionais de preconceito e de discriminação são insignificantes perto das práticas de "reeducação", dos "julgamentos públicos", e encarceramentos em hospitais psiquiátricos, promovidos, por exemplo, pelo regime cubano (Cf. Bruno Braga, "Reescrevendo a História" – http://dershatten.blogspot.com).

Os socialistas-comunistas não fazem política apenas com a "Ideologia gayzista". Utilizam também o "Feminismo" e os "Movimentos raciais". Daí a publicidade panfletária: "a primeira mulher Presidente", "o primeiro negro Presidente dos Estados Unidos" [Obs. Não sei se você, Francisco, é pessoalmente socialista-comunista, mas o vocabulário que utiliza é próprio destas correntes de pensamento]. Agora não importa mais o que as pessoas carregam no coração, mas sim a cor com a qual é pintada a sua pele ou o que têm no meio das pernas. Talvez não seja tão profético dizer que, nas futuras eleições, um bom slogan para os pretendentes ao posto mais alto do Executivo seja "o primeiro, ou primeira, Presidente Gay". A julgar o caráter dos candidatos apenas por estes critérios, o poder continuará nas mãos de bandidos, terroristas, sociopatas e fraudes, como Barack Obama – um "liberal" ("esquerdismo" nos Estados Unidos) apoiado por uma elite financeira (que não representa os interesses da população americana, e inclusive sustenta Socialistas-comunistas), cuja verdadeira identidade ninguém sabe qual é.

No que tange às posições do governo brasileiro contra Irã, elas foram muito modestas. A presidente Dilma Rousseff apenas criticou a condenação da iraniana Sakineh Ashtiani à morte por apedrejamento – uma critica mais em defesa do seu sexo do que contra o governo iraniano. No Conselho de Direitos Humanos da ONU o Brasil votou a favor de uma investigação independente sobre os direitos individuais no Irã [http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110325/not_imp696976,0.php]. Isto é praticamente nada. A Presidente Dilma Rousseff e o corpo diplomático brasileiro subordinado a ela deveriam condenar aberta e explicitamente o governo iraniano por violação dos direitos humanos, patrocínio de grupos terroristas, e por desenvolvimento de armas de destruição em massa (Cf. Documentários "Iranium", "Obsession" e "Third Jihad"). Eles não fazem isto porque o Governo brasileiro, com Dilma Rousseff, não se afastou do Irã, Francisco – tanto que ele não pretende desagradar o seu aliado: para não causar constrangimentos a Presidente não se dispôs a receber a advogada iraniana Shirin Ebadi, ganhadora do Prêmio Nobel da Paz, e crítica do Regime de Teerã [http://www1.folha.uol.com.br/mundo/929973-nobel-acusa-ira-por-repressao-aos-sirios-veja-entrevista.shtml].

Sobre o PT, não é possível classificá-lo sequer como "partido" - simplesmente porque ele não obedece às regras do jogo político (Obs. Peço encarecidamente que outras siglas não sejam trazidas para um eventual debate, porque o texto principal versa, especificamente, sobre o "Partido dos Trabalhadores"). O PT se utiliza de instrumentos que estão à margem do processo eleitoral, e que violam, inclusive o Código Penal – isto está comprovado nas atas do "Foro de São Paulo", onde o seu presidente de honra estabelece compromissos de apoio e solidariedade a movimentos guerrilheiros, a narcotraficantes e regimes ditatoriais, como o cubano. A título de esclarecimento o "Foro de São Paulo" é a entidade encarregada de promover o Socialismo-comunismo na America Latina.

Ademais, o PT nunca foi "um partido comprometido com os anseios do povo", Francisco. Esta idealização de "partido do povo" foi uma criação promovida através das esferas culturais e também fomentada pela publicidade oficial na medida em que o Partido adquiriu poder. O PT, nos seus primórdios, tinha na classe média letrada o seu principal eleitorado – foi preciso, antes, uma "revolução cultural" para que pudesse alcançar a ascensão política. Sobre o eleitorado "classe média letrada" do PT, consultar o livro "Esquerda e Direita no eleitorado brasileiro", de André Singer.

A respeito dos elogios da mídia "conservadora" - que não é conservadora de maneira alguma, o que pode ser verificado pelo conteúdo de sua programação e publicações. Não é possível associar uma atmosfera pós-eleitoral com concordâncias de linhas de governo, no caso da menção que faz, Francisco, da Revista Veja (se é que a sua referência é a Edição extra da revista, publicada após a eleição presidencial – ou números imediatamente subseqüentes). Agora, sobre os "elogios" da Rede Globo, se possível gostaria da indicação específica da fonte para consulta, para verificar se neste elogio há a assinatura e o carimbo do responsável pela emissora.

Você menciona também, Francisco, os "elogios" da Senadora Kátia Abreu à Presidente Dilma Rousseff em entrevista à Rede TV. Não sei se esta é especificamente a sua referência, pois você não citou a fonte, mas consultei a entrevista dada pela Senadora ao repórter Kennedy Alencar [http://www.redetv.com.br/Video.aspx?113,24,194508,jornalismo,e-noticia,kennedy-alencar-entrevista-katia-abreu-bloco-3 – se a referência for outra, favor indicar]. Nela os "elogios" de Kátia Abreu são feitos, uns, em termos gerais – ela menciona vagamente o "comércio internacional", a questão dos "direitos humanos das crianças, adolescentes e idosos". Outros de maneira equivocada, como o afastamento do Brasil de "governos ditatoriais" - algo que não aconteceu. A Senadora também demonstra indecisão e receio de se comprometer ao tratar da "Comissão da verdade". O único elogio veemente feito por Kátia Abreu foi este: "precisamos, de fato, de uma gestora, e acho que ela pode ser esta gestora". Acontece, Francisco, que o elogio indica, sim, uma "aproximação", mas na ordem inversa da que você indicou: não é a Presidente Dilma que se arrasta para a "direita", mas a Kátia Abreu que passa a apoiar a Presidente da República. Isto fica claro com a fundação do PSD (Partido Social Democrático) – partido para o qual migrou a Senadora, e que nasce negociando apoio ao Governo Federal (Cf. http://www.agora.uol.com.br/brasil/ult10102u902445.shtml). Também sobre isto, confira a entrevista dada por Demóstenes Torres (DEM-GO) à Revista Veja (Edição de 08 de Junho de 2011), da qual transcrevo o seguinte trecho: "Esse novo partido prejudicou muito o DEM. Perdemos políticos expressivos, como a senadora Kátia Abreu, que será uma grande adversária à medida que o PSD se alinhar ao governo. Mas não adianta ficarmos com lamúrias. Por que tentar segurar quem não quer permanecer? Quem quiser ir que vá embora. A maior traição que se pode cometer com o eleitor é ser eleito para integrar a oposição e migrar para a base governista. Vivemos um momento em que muitos políticos se intimidam diante da maioria e se tornam travestis políticos" (os grifos são meus).

Enfim, Francisco, "a guinada à direita do Governo Dilma", como você afirma, não aconteceu, ela "não é fato". De acordo com as considerações anteriores, a Presidente da República continua, sem arrastar o pé, o trabalho do seu padrinho e guru; segue, disciplinadamente, a cartilha dos seus correligionários e dos "Intelectuais revolucionários": a longa marcha Socialista-comunista.

Cordialmente,

Bruno Braga.

Belo Horizonte, 24 de Junho de 2011.

Wednesday, June 15, 2011

Entre o Mestre e o "Intelectual".


Bruno Braga.


É célebre a asserção que abre a "Metafísica" de Aristóteles: "Todos os homens por natureza tendem ao saber" (980 a 21). No entanto, aceitar a afirmação do estagirita não implica dizer que todos os homens têm o mesmo grau de devoção ao conhecimento, nem que utilizam o seu aparato cognitivo da mesma forma. Alguns o aplicam para facilitar as tarefas ordinárias e atividades cotidianas, enquanto outros vão além, e o empregam em investigações abstratas ou na construção de instrumentos, mecanismos e obras arquitetônicas altamente complexas. Há ainda aqueles que se esforçam pela honestidade intelectual, por mais terrível que possa ser a verdade – porém, existem tantos outros que se servem do conhecimento para a elaboração do embuste, a disseminação da fraude, para a orientação e práticas perniciosas. Mas, independentemente do nível de consagração de cada indivíduo, ou do domínio no qual a aplica, o homem se apóia sobre a faculdade que o distingue de todas as outras espécies.

O conhecimento se faz através do primitivo processo de "tentativa e erro" – é assim na cruel batalha pela sobrevivência, no esforço contínuo para suprir as necessidades elementares da existência; e do mesmo modo na incansável busca pela elucidação dos mistérios do mundo e da vida, seja no âmbito da especulação abstrata ou no sofisticado domínio das ciências. Assim muito se conquista e muito se esclarece; mas, ao mesmo tempo, várias são também as confusões, os erros, e as perdas. O conhecimento tem esta dupla face porque a via sobre a qual ele se desdobra está constantemente sob a sombra da incerteza, já que não há no mundo homem dotado de clarividência absoluta - o que faz da cognição humana um processo precário e modesto: embora ela seja o fundamento da glória do homem, é também parte do seu drama.

Muito conhecimento foi produzido ao longo da História. Um material acumulado que pode ser de grande valia para o neófito que toma consciência dos desafios de seu próprio trajeto. De posse dele pode esquivar-se dos erros cometidos pelos antepassados, evitar o desgaste desnecessário com problemas já superados. Para isso o principiante precisa escolher com cuidado os seus Mestres, aqueles que serão a sua companhia no árduo e lento processo de aprendizado para enfrentar as batalhas da vida.

As lições e experiências do Mestre são fundamentais para a formação do discípulo. No entanto, são elas ainda insignificantes se comparadas com o imenso quadro de possibilidades da experiência humana, do qual a fatalidade pode retirar uma ocorrência surpreendente para o pupilo. Assim, neste drama existencial, Mestre e discípulo são os protagonistas de uma história de conquistas e perdas, de "tentativas e erros". Eles são reféns, não apenas da fatalidade, mas também de suas próprias fraquezas e debilidades na busca pela compreensão do homem e de si mesmos, do outro, do mundo e da vida. Diante de desafios complexos e delicados é preciso, então, ser zeloso na escolha da companhia, na escolha dos Mestres – como aprendeu em lição o jovem Meister, de Goethe: "Aprenda a conhecer os homens nos quais se pode confiar!"

Acontece que, mesmo tendo um horizonte repleto de problemas e dificuldades, alguns se arrogaram a capacidade de encurtar o longo e penoso caminho, oferecendo uma solução definitiva para o drama existencial dos homens: diziam ter um projeto para toda a humanidade. Estes, os "Intelectuais revolucionários" substituíram a instável "tentativa e erro" pela "certeza" de um "futuro promissor". Contudo, para a realização do ambicioso projeto reivindicam o poder para guiar a humanidade através do necessário processo de transição - que em princípio exigiria medidas drásticas e violentas, mas imprescindíveis para a concretização do "mundo melhor".

Os "Intelectuais revolucionários" substituíram os antigos Mestres. A ambição dos primeiros ultrapassa o domínio modesto do individual, ou de pequenos grupos, para tomar uma proporção social e mundial. Julgam-se capazes de "reeducar" a humanidade; e mais, de transformar a sua natureza com a "conversão do olhar" de cada mortal, de modo a fazê-lo ver, em tudo, inclusive nas maiores barbaridades, uma necessidade para a realização do "futuro maravilhoso". Assim estabilizariam a complexidade do humano e de suas relações, superariam as limitações e a precariedade do instrumental cognitivo, além de remediarem a instabilidade dos sentimentos e dos afetos.

Os antigos Mestres estavam conscientes das suas limitações e da sua própria miséria, embora não medissem esforços para se manterem na "senda reta". Grandes gênios e honrados santos não afirmavam a sua genialidade ou a sua santidade. No plano cognitivo Sócrates duvidou da sentença do Oráculo de Delfos, que o proclamava o homem mais sábio de Atenas – a sua certeza era a de que nada sabia. E no plano religioso, Santo Agostinho era atormentado pelas fraquezas da carne. Por isso, uma obscuridade eventual na dimensão da vida pessoal dos antigos Mestres pouco representava para refutar as suas concepções, porque eles assumiam o drama existencial, a ameaça do erro e do "pecado" na busca da "Sabedoria" ou na sua devoção à "Verdade".

Mas e quanto aos "Intelectuais revolucionários"? Qual a relevância da vida particular deles para o julgamento adequado de seus projetos? É necessário exigir-lhes honestidade intelectual e autoridade moral para transformar a humanidade, ou estariam absolvidos e perdoados por causa do seu generoso projeto de um "futuro promissor"? Uma tese revolucionária lançou uma crítica aos filósofos, acusando-os de até então terem se limitado a "interpretar" o mundo: eles precisavam agora transformá-lo. Assim, os filósofos passariam a "Intelectuais revolucionários", obedientes a uma nova hierarquia de valores, que tem no seu ápice a "ação", a "práxis". No entanto, seria prudente verificar a aplicação da tese dos "Intelectuais revolucionários" sobre eles mesmos e sondar o que "fizeram", como "agiram", e se "comportaram", de modo a que a humanidade e o mundo, caso neles confiem, não corram o risco de serem modelados à imagem e semelhança de uma obscuridade interior.

Karl Marx é um dos pilares da "intelectualidade revolucionária". Afirmando-se defensor da massa trabalhadora explorada, ele proclama a necessidade de uma revolução da classe proletária contra a minoria usurpadora, a burguesia. Neste processo revolucionário os "Intelectuais" têm um papel fundamental: eles são a elite, os generais; enquanto os trabalhadores são os soldados de infantaria. Para o pensador alemão o privilégio concedido aos "Intelectuais" (comunistas) nesta espécie de "hierarquia militar" se deve ao fato de terem a vantagem da compreensão do andamento e dos resultados do movimento proletariado. Os "Intelectuais", então, seriam os "mestres", profetas e guias, da classe trabalhadora. Mas é preciso perguntar seguindo as sugestões anteriores: qual o grau de devoção ao conhecimento, quer dizer, o nível de honestidade intelectual de Karl Marx? Qual a sua autoridade moral para configurar radicalmente as estruturas da sociedade?

Em certo sentido Marx foi um erudito. Além da vasta leitura, ele passou anos coletando dados em bibliotecas, informações de jornais, revistas, e de documentos oficiais do parlamento inglês. Contudo, não se pode dizer que Marx foi propriamente um investigador, isto é, alguém que estivesse comprometido com a adequada descrição dos fatos, com a busca da verdade. A partir de uma estrutura deturpada do processo cognitivo, Marx já possuía "uma verdade", fazendo de sua pesquisa apenas uma seleção de dados que servissem para confirmar sua proposta. Além disso, mutilava o que era coletado, e freqüentemente o distorcia de modo a que se adequasse às suas teses preconcebidas.

"O Capital", publicado em 1867, é um exemplo concreto das fraudes promovidas pelo seu próprio autor. Quando aborda as condições de trabalho no capitalismo, Marx remete o leitor à obra de Engels, "A situação da classe operária na Inglaterra", de 1845. Este texto, a única fonte do pensador alemão sobre o tema, havia, de fato, sido concebido pelo filho de um industrial bem sucedido, mas que, na verdade, pouco contato teve com o ambiente de trabalho do operariado. Quanto à obra em si, ela, como referência para Marx, poderia ser considerada ultrapassada, se para este julgamento fossem adotados como critérios as constantes modificações do domínio que pretendia descrever e as datas de publicação: entre a obra de Engels e "O Capital" de Marx havia um hiato de mais de duas décadas. Acontece que o problema era ainda mais grave. Em 1958, W. O. Henderson e W. H. Challoner analisaram o texto de Engels e concluíram que ele não possuía qualquer valor histórico ou científico: tratava-se de uma obra panfletária, de propaganda política. Engels já utilizava informações desatualizadas, a partir das quais promovia interpretações distorcidas, quando não maquiava os próprios dados. Marx, por sua vez, não só acobertou as deturpações do amigo e parceiro – muitas delas denunciadas em seu tempo – como ainda ocultou a melhoria das condições de trabalho advinda da execução de exigências legais, como as "Leis Fabris", adotadas desde o início do século XIX. Esta fraude não é uma ocorrência isolada entre os procedimentos intelectuais de Marx.

Em 1863 W. E. Gladstone, então Ministro da Fazenda inglês, em um discurso sobre gastos orçamentários disse o seguinte: "Eu deveria encarar quase com apreensão e com pesar esse aumento inebriante da riqueza e do poder se achasse que tal aumento se limitou à classe que está em condições favoráveis" [...] – e acrescenta: "a situação geral dos trabalhadores britânicos, como temos a felicidade de saber, melhorou ao longo dos últimos vinte anos num grau que, como sabemos, é extraordinário, e que quase devemos declarar como sendo sem paralelo na história de qualquer país em qualquer época" (grifo meu). Em declaração para a Associação Internacional de Trabalhadores – reproduzida em "O Capital" – Marx atribui o seguinte discurso a Gladstone: "Esse aumento inebriante de riqueza e poder se limita inteiramente às classes proprietárias" (grifo meu). Com a manipulação do discurso de Gladstone, Marx estabelecia e estimulava o seu principal objetivo: a "luta de classes" .

Defensor obstinado dos trabalhadores – generosidade que parecia justificar a falsificação, o ocultamento, a manipulação, enfim, a desonestidade intelectual – Marx acabou virando as costas para um de seus protegidos: uma "trabalhadora" que nunca recebeu um tostão sequer, e que estava dentro da sua própria casa. Helen Demuth, ou simplesmente "Lenchen", prestava serviços para a família Marx: cozinhava, passava, além de ser responsável pela administração do orçamento da casa. Ocorre que entre 1849 e 1850 Lenchen se torna amante de Marx, e fica grávida. O pensador alemão se esforça para ocultar de sua mulher, e de seus companheiros revolucionários, o "estado interessante" de Lenchen. Mas Jenny Marx, também grávida, descobre a condição de sua funcionária. Marx não assumiu a sua responsabilidade, e negou ser o pai da criança – registrada com o nome Henry Frederick Demuth, mas chamada simplesmente de "Freddy". O menino foi oferecido para adoção a uma família de operários. Ele tinha permissão para visitar a família Marx, com algumas restrições: não poderia utilizar a porta da frente da casa; e era obrigado a ver a mãe apenas na cozinha. Marx temia que a verdade sobre Freddy fosse descoberta e manchasse a sua reputação enquanto "general", membro da "elite intelectual" da revolução. Engels foi convencido a assumir a paternidade – porém, debilitado por um câncer no esôfago, escreveu em uma lousa o segredo que não deveria ser tragado pela terra junto com o seu corpo: "Freddy é filho de Marx [...]" .

Perfeição e santidade não são atributos que se deva exigir do ser humano, um ser corrompido por natureza. São virtudes relacionadas sempre ao divino. No entanto, se um tipo como o "Revolucionário", que acredita sobrelevar-se como "o escalão mais alto da humanidade" - autoproclamação de Che Guevara - portando um projeto que diz ser "científico" e reivindicando poder para transformar a humanidade e o mundo, então é, no mínimo, prudente checar as suas credenciais. Porque elas são o fundamento de seu próprio discurso. Acontece que, no caso dos revolucionários, como ilustra o exemplo de Marx, há, entre as suas teses, a sua "práxis", e a sua generosa promessa, um conflito insolúvel. Agora, é imprescindível esclarecer: não se trata, aqui, de disputar a defesa da moral para este ou aquele segmento teórico-ideológico ou grupo político-partidário. Nem mesmo fomentar a resignação ou renúncia da vida prática. Mas ponderar sobre ambições aparentemente mais modestas, fundamentais para que ninguém se precipite a querer transformar os outros e o mundo conforme suas trevas interiores – suspeitar como o Julien Sorel de Stendhal: "o homem que quer expulsar a ignorância e o crime da Terra deve passar como a tempestade e semear o mal como ao acaso?" Assim talvez fique claro que o fim é o próprio percurso – o longo, interminável, repleto de transtornos e tropeços sobre o qual havia ensinado o antigo Mestre – e não o projeto pronto e acabado do "Intelectual revolucionário", que para a realização do sempre adiado "futuro maravilhoso", rendeu à humanidade não apenas um aviltamento intelectual como também uma carnificina jamais vista ao longo da História.

 

Bibliografia.

ARISTÓTELES. Metafísica. Comentários de Giovanni Reale. São Paulo: Edições Loyola, 2002.
______. Política. Editora Nova Cultural: São Paulo, 2000. Coleção Os Pensadores.

GOETHE, Johann Wolfgang. Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister. Editora 34: São Paulo, 2006.

JOHNSON, Paul. Os Intelectuais. Imago Editora: Rio de Janeiro, 1990.

MARX, Karl. Le Capital. Critique de l'economie politique. Livre premier. Le développement de la producion capitaliste. Editions Socieales: Paris, 1977.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Editora Martin Claret: São Paulo, 2002.

STENDHAL. O Vermelho e o Negro. Editora Nova Cultural: São Paulo, 2002.