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Monday, May 14, 2012

Habilidade de leitura - Exercício prático e uma consideração sobre Estado e Religião.


Bruno Braga.


Em outro momento disponibilizei aqui algumas diretrizes sobre a habilidade da leitura – regras extraídas do livro de Mortimer Adler, “How to read a book” [1]. Desta vez, apresento a aplicação destas regras em um artigo publicado no portal “Barbacena Online”. Que este exercício pessoal contribua para o treinamento da habilidade de leitura e seja uma oportunidade para a reflexão de um assunto pertinente.

***

Hobbes, laicidade, bem-estar social e o Brasil, Francisco Fernandes Ladeira [http://www.barbacenaonline.com.br/noticias.php?c=8505&inf=11].


I. Primeira leitura – Leitura analítica.

(a). Tipo de artigo.

De (1) Conhecimento e de (1.a) Informação.

(b). Tema/Assunto.

Reivindicação da aplicação dos princípios da laicidade e do bem-estar social consagrados na Carta Constitucional de 1988 – princípios cuja importância foi ressaltada por Thomas Hobbes na obra “Leviatã”.

(c). Divisão do artigo.

1. Thomas Hobbes, “Leviatã”. A concentração do poder nas mãos do Estado, a instância superior que regula as relações entre os homens e evita a violência generalizada, a guerra de todos contra todos do estado de natureza. Para compensar a concentração de poder o Estado se torna “laico” e também um garantidor do “bem-estar social”.
2. Estado laico.
3. Estado do bem-estar social.
4. A deficiência da aplicação dos princípios da “laicidade” e do “bem-estar social” no Brasil.

(d). O problema que o autor pretende solucionar.

Demonstrar a importância dos princípios da “laicidade” e do “bem-estar social”, e apontar as falhas na aplicação deles no Brasil.   


II. Segunda leitura – Leitura Interpretativa ou Analítica.

(a) Palavras-chave e expressões importantes.
. Contrato social > “O homem é o lobo do homem”.
. Absolutismo monárquico > O Estado e as leis como instância reguladora das relações entre os homens.
. Estado laico > Separação entre Igreja e Estado.
. Estado do bem-estar social > Serviços públicos e assistência social.
. Constituição Federal de 1988, princípios da “laicidade” e do “bem-estar social” – deficiência na aplicação destes princípios.
. Saúde e Educação > “Mercantilização”, comportamento neoliberal.

(b) Argumentos.

1. Recurso à teoria hobbesiana do contrato social para justificar a necessidade de um poder soberano que funcione como instituição reguladora das relações entre os homens – no entanto, em vez do poder monárquico, o soberano é o Estado moderno.
2. Para compensar a concentração de poder, o Estado tornar-se-á laico, garantindo a separação entre o poder político e a Igreja, e assegurará um mínimo de bem-estar social ao cidadão.
3. Analogia entre a tese hobbesiana e a Constituição Federal brasileira. A carta constitucional é um documento “contratual” que consagra princípios garantidores de uma organização social, como os da “laicidade” e do “bem-estar social”. O Estado brasileiro deve aplicar estes princípios, embora, na ótica do articulista, falhe na prática ordinária.

(c). Os problemas solucionados pelo autor.

O articulista acredita ter demonstrado a importância dos princípios da “laicidade” e do “bem-estar social” recorrendo às teses hobbesianas. Além disso, julga, citando alguns exemplos, que o Estado brasileiro falha na aplicação daqueles princípios.


III. Terceira leitura – Leitura crítica ou Analítica.

(a) Em quais pontos o autor está desinformado / (b) Onde o autor está equivocado / (c) Onde o autor é sem lógica.

O articulista ao recorrer às teses hobbesianas, e estabelecer uma analogia entre elas e a Constituição Federal de 1988, está automaticamente reivindicando para o Estado brasileiro o poder absoluto e soberano que o filósofo inglês pretendia legitimar. O que atenua a concessão do poder absoluto ao Estado – seguindo a dedução argumentativa do articulista – é a realização dos princípios da “laicidade” e o do “bem-estar social”.

No entanto, a “laicidade” em Hobbes tem um sentido peculiar. Ela não significa uma ruptura, como julga o articulista, mas uma fusão entre o Estado e a Religião. O próprio título da obra do filósofo inglês destaca esta proposta: “Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil” (o grifo é meu). Além do título, a estrutura da obra aponta a articulação entre a religião e o poder político, pois Hobbes define a terceira parte dela como “Do Estado Cristão” – e a quarta, “Do reino das trevas”. Em termos gerais, reconhecida a articulação entre Religião e Estado, é preciso sondar como ela se faz na proposta de Hobbes.

O pacto, o “contrato”, tem fundamento na “vontade” dos pactuantes. Ele é determinado pela razão humana, e não fruto de uma intervenção divina. Por isso é “laico”. Porém, Hobbes não despreza o poder da Religião – ela é não só um elemento inextirpável como um fator necessário para a unidade e conservação do próprio Estado. Acontece que, esta Religião deve ser orientada pela razão e controlada pelo “Soberano”, de modo que ele não tenha nenhum poder que lhe possa fazer frente (HOBBES, 2004, pp. 385-388) – assim se justifica o título da obra de Hobbes, destacado anteriormente: “Estado Eclesiástico e Civil”.

Nestes termos, se o contrato retira o homem do estado de natureza, um estado de guerra generalizada no qual ele é o “lobo do homem” – por sua vez, na tese hobbesiana o homem se transforma no “Deus do homem”.

As ideias de Hobbes, em certo sentido, se aplicam à proposta do autor para o Brasil. Porém, é preciso identificar “como” se dá esta aplicação. Não é no radicalismo de tornar o Estado uma “encarnação” do poder eclesiástico – mas, sim, na concessão, sob o falso pretexto da “laicidade”, do poder de fiscalizar, controlar e extirpar a religião do domínio público. Porém, isto, ao contrário do que julga o articulista, não é “laicidade”, mas “ateísmo militante” [1] – é a violência de recolher, por ato ou medida administrativa, os elementos religiosos que estão enraizados na cultura brasileira, na história do país antes mesmo da promulgação da Carta Constitucional. É necessário observar que a Constituição Federal não enterrou no passado esta herança, mas a acolheu como tradição. 

Quanto aos exemplos de ineficiência da aplicação do princípio de “laicidade” mencionados pelo autor do artigo, quem, de fato, se sente constrangido, ofendido, com crucifixos em repartições públicas? É preciso ser “hipersensível” – ou “psicótico”, sobretudo quando estes símbolos nada significam para a pessoa que neles não crê. Como um crucifixo pode prejudicar o julgamento de um Magistrado? Como ele obstrui o trabalho em uma repartição pública? Isto não faz o menor sentido, principalmente em um país cuja população é massiçamente cristã. Ademais, por que a maioria cristã – e em um país pretensamente democrático – tem que se submeter aos caprichos, à “hipersensibilidade” de uma minoria?

A propósito, o Parlamento é, por definição, espelho dos interesses da população. Se esta população é cristã, é natural que ela esteja representada no Parlamento. Nestes termos, a condenação da “grande influência de parlamentares evangélicos e católicos nas principais decisões governamentais”, proferida pelo articulista, não procede. Além disso, em temas polêmicos, os parlamentares católicos e evangélicos não recorreram a hinos de louvor ou cantos de glorificação para fundamentar os seus argumentos. Pelo contrário, nos debates sobre “casamento gay”, “aborto de fetos anencéfalos”, eles estavam assentados na razão que os adversários que os acusam de “fundamentalistas” fingem possuir com exclusividade.

Sobre os trechos bíblicos utilizados para justificar a separação entre a Igreja e o Estado – “O meu reino não é deste mundo” e “Dai a César o que é de César” – é necessário dizer o seguinte. Eles não estabelecem uma ruptura na personalidade do cristão, uma cisão que de um lado coloca o cidadão, quando ele atua na esfera pública, e, de outro, o religioso, que deve ficar enclausurado na vida privada. Não há esta cisão – o cristão é um, é um indivíduo. E ele está livre para professar a sua fé no domínio público, inclusive na esfera política: a ele é vedado, sim, utilizar o Estado para impor a sua crença. Mas, não há nada, hoje, que indique esta conduta. Nem mesmo o Ensino religioso nas escolas, condenado pelo articulista, que é disciplina de matrícula facultativa.

É necessário, ainda, complementar o trecho da Bíblia citado pelo articulista: “Dai a César o que é de César”, E A DEUS O QUE É DE DEUS (Mt. 21, 21; Mc. 12, 17; e Lc. 20, 25). Este complemento é indispensável, porque ele se opõe à “divinização” do Estado – isto é, à proposta hobbesiana e à do articulista que se escora nela. Porque se o cristão não pode utilizar o Estado para impor a sua fé, o Estado não pode invadir a consciência individual do cristão – e de nenhum cidadão - para romper a sua personalidade e estabelecer arbitrariamente onde ele está autorizado a professar a sua fé, e onde ele deve negar o seu Deus. Contra isso lutaram vários santos e mártires.

Enfim, a proposta de laicidade levantada pelo articulista, nos desdobramentos apresentados, é uma proposta “absolutista” - no sentido mesmo da concepção de Hobbes, que pretende eliminar a existência de qualquer poder que possa ser adversário do Rei. Reivindicar isto para o “Estado brasileiro” é, senão perverso, pelo menos um disparate. Porque algo como o “Estado brasileiro” não existe - é uma abstração. Somente pessoas de carne e osso podem exercer o poder. Nestes termos, por trás da máscara de “Estado laico” está aquela minoria que pretende concentrar o poder em suas mãos, sem que haja qualquer força que possa fazer-lhe frente - como a de um cristão. Esta minoria “iluminada” de “revolucionários” quer fazer do homem o “deus do homem”, em outras palavras, querem se tornar as novas divindades do Panteão, em um delírio nítido de autoglorificação.


Referências.

[1]. BRAGA, Bruno. Orientação para o exercício da leitura [http://dershatten.blogspot.com.br/2012/03/normal-0-21-false-false-false-pt-br-x_05.html]; Orientação para o exercício da leitura – Complemento [http://dershatten.blogspot.com.br/2012/03/orientacao-para-o-exercicio-da-leitura.html].

3 comments:

Anonymous said...

Bruno Braga,
de fato, as convicções políticas, culturais e sociais que seu blog apresenta são assustadoras. Você gostaria de enxergar a si mesmo como um objetivista, defensor dos "fatos" e da "verdade" (belas palavras, não?), mas não se preocupa em analisar os pressupostos mais enraízados de suas opções teóricas e políticas. Todas as suas pseudoanálises pressupõem, no mínimo, a crença ingênua de que há um ponto de vista teórico neutro (também sob esse aspecto, você é um autêntico positivista) a partir do qual a "verdade" poderia vir à tona, ponto este que você -- ingenuamente -- acredita ocupar.
O ressentimento que todas as suas pseudoanálises deixam transparecer pode ser uma boa explicação para o seu temperamento político e teórico, mas não pretendo aqui fazer divagações psicológicas. Só diria uma coisa: se você pretende ser um homem teórico, faça o esforço mínimo de uma severa autocrítica. O pior e mais violento ódio é aquele que se mascara por trás de uma suposta "objetividade", "racionalidade", "clareza" e "nitidez", sem confessar as suas próprias intenções.

Anonymous said...

Bruno Braga,
de fato, as convicções políticas, culturais e sociais que seu blog apresenta são assustadoras. Você gostaria de enxergar a si mesmo como um objetivista, defensor dos "fatos" e da "verdade" (belas palavras, não?), mas não se preocupa em analisar os pressupostos mais enraízados de suas opções teóricas e políticas. Todas as suas pseudoanálises pressupõem, no mínimo, a crença ingênua de que há um ponto de vista teórico neutro (também sob esse aspecto, você é um autêntico positivista) a partir do qual a "verdade" poderia vir à tona, ponto este que você -- ingenuamente -- acredita ocupar.
O ressentimento que todas as suas pseudoanálises deixam transparecer pode ser uma boa explicação para o seu temperamento político e teórico, mas não pretendo aqui fazer divagações psicológicas. Só diria uma coisa: se você pretende ser um homem teórico, faça o esforço mínimo de uma severa autocrítica. O pior e mais violento ódio é aquele que se mascara por trás de uma suposta "objetividade", "racionalidade", "clareza" e "nitidez", sem confessar as suas próprias intenções.

Bruno Braga. said...

Caro “Anônimo”,

É no mínimo curioso que você ensaie fazer uma “análise psicológica” da minha personalidade sem assinar o próprio nome. O anonimato, aqui, é, por um lado, o refúgio de quem quer evitar o compromisso da própria pessoa com as considerações que profere; e, por outro, a tentativa de poupar-se da responsabilidade advinda das suas palavras. Este autoexame elementar não faltou a mim – Bruno Braga – para emitir qualquer consideração, mas está ausente em você mesmo – caro, “Anônimo” – para esboçar uma “análise psicológica”.

A fraqueza que o impede de assinar o próprio nome é a mesma que o estimula a projetar um modelo de máxima “objetividade”, “racionalidade”, “nitidez” e de “clareza” – que você acredita piamente ser a imagem que faço de mim mesmo. Sem se dar conta, está imediatamente se rebaixando na medida em que, em vez de argumentos contra o que considera “pseudocríticas”, recorre apenas à simples sugestão de que meus textos escondem o “ressentimento” e o “ódio”.

Não - caro “Anônimo” – estes, provavelmente, são os sentimentos de quem se intimida com sombras projetadas. Eu, que assino “Bruno Braga”, estou no mesmo plano que você, esforçando-me para compreender alguma coisa. Por isso, não tenha nenhum constrangimento: se as minhas “convicções políticas, culturais e sociais” – que você foi incapaz de determinar – o escandalizam tanto, apresente alguma consideração contrária que não os sentimentos de alguém que preliminarmente se inferioriza diante de uma sombra projetada.

Para aproveitar a sua tentativa de análise psicológica, sugiro um esforço imaginativo. Suponha – caro Anônimo - que eu seja o “ser” que você projetou: a presunção da Suma Sabedoria, carregado de ódio e ressentimento no coração. Imaginou? Pronto – eliminamos esta discussão secundária. Agora determine o que você chamou de “os pressupostos mais enraizados das minhas opções políticas e teóricas”; descreva as minhas “intenções” – depois estabeleça as críticas.

Acho que depois disso estará pronto para explicar também a elegante consideração que fez: o “mais violento ódio é aquele que se mascara por trás de uma suposta "objetividade", "racionalidade", "clareza" e "nitidez", sem confessar as suas próprias intenções”. Porque, supondo que você tenha partido da “racionalidade humana” para emitir “objetivamente” as suas “divagações psicológicas”, fico pensando quais são os sentimentos que você mesmo oculta por trás delas.

Não se esqueça do autoexame inicial: comprometer a própria pessoa com as considerações que proferir; e assumir a responsabilidade das próprias palavras – um indício disso é a assinatura do próprio nome abaixo das suas declarações.

Bruno Braga.
http://dershatten.blogspot.com

Belo Horizonte, 20 de Maio de 2012.