Bruno Braga.
Publico,
logo abaixo, a tradução de trechos de um opúsculo de Schopenhauer. O objetivo é
estimular a reflexão iniciada com o artigo “A exortação de Ajaz” [aqui] –
e que passa pela sugestão de leitura de “Liberdade para escolher o próprio
caráter?” [aqui] e
de “A lucidez dos momentos traumáticos” [aqui].
Observo
que a utilização do texto schopenhaueriano não tem o propósito de fundamentar
uma posição recorrendo a um argumento de autoridade. Isto porque, estes trechos
pressupõem uma estrutura teórica que, embora não apareça aqui, é, como qualquer
outra, passível de contestação. De qualquer maneira, os fragmentos são um
contributo valioso para a reflexão proposta a partir do itinerário apresentado.
SCHOPENHAUER,
Arthur. Parerga y Paralipomena I:
Aforismos sobre la sabiduría de la vida. Trad. Antonio Zozaya. Editora Ágora:
España [s.d]. Tradução livre para o português, Bruno Braga.
p.
144.
“O
viajante, somente quando alcança uma elevação, abarca com um olhar e reconhece
todo o caminho percorrido, com seus desvios e suas curvas; do mesmo modo, só ao
término de um período de nossa existência, às vezes da vida inteira,
reconhecemos a verdadeira conexão de nossos atos, de nossas produções e de
nossas obras, seu enlace preciso, seu encadeamento e seu valor. Com efeito,
enquanto estamos abismados em nossa atividade, não agimos senão seguindo as
propriedades de nosso caráter, sob a influência dos motivos e na medida de
nossas faculdades, quer dizer, por uma necessidade absoluta; não fazemos em
dado momento senão o que neste momento nos parece justo e conveniente. Apenas o
tempo nos permite apreciar o resultado, e o olhar para o passado nos mostra o
como e o porquê. Assim, no momento que realizamos as grandes ações, em que
criamos obras imortais, não temos consciência de sua verdadeira natureza; só
nos parece o mais apropriado ao nosso atual objetivo e o mais adequado às
nossas intenções; não temos outra impressão que a de haver feito o que no
instante era preciso fazer; somente mais tarde, do conjunto e do seu
encadeamento, nosso caráter e nossas faculdades são expostas à luz do dia;
através dos detalhes, vemos então como seguimos o único caminho verdadeiro,
entre tantos caminhos tortuosos, como por inspiração e guiados por nosso gênio.
Tudo quanto acabamos de dizer é verdadeiro em teoria e na prática, e se aplica
aos fatos inversos, quer dizer, ao mal e ao falso”.
p.
209.
“Há
em nós algo mais circunspecto que a cabeça. Agimos, com efeito, nas grandes
situações, nas mais importantes da vida, menos por um conhecimento exato do que
convém fazer que por um impulso interior; pode-se dizer que por um impulso
proveniente do mais profundo do nosso ser, e logo criticamos nossa conduta em
virtude de noções precisas, mas às vezes mesquinhas, imitadas, e até mesmo
emprestadas, segundo regras gerais, ou segundo o exemplo do que outros fizeram,
e assim sucessivamente, sem pensar bastante que ‘uma coisa não convém a todos’;
desta maneira nos fazemos facilmente injustos para com nós mesmos. Mas o fim
demonstra quem tinha razão, e somente uma velhice que se espera sem
constrangimento autoriza a julgar a questão tanto em relação ao mundo exterior
como em relação a si mesmo”.
p.
210.
“Agir
em virtude de princípios abstratos é
difícil, e não se consegue senão depois de um longo aprendizado e, mesmo assim,
nem sempre; às vezes, também, estes princípios são insuficientes. Ao contrário,
cada qual possui certos princípios inatos
e concretos, em seu sangue e em sua carne, porque são o resultado de todo
seu pensar, do seu sentir e de seu querer. Na maior parte do tempo eles não são
conhecidos in abstracto, e somente
fixando o seu olhar sobre a sua vida passada nota que obedeceu sem cessar e foi
guiado por estes princípios como por um fio invisível. Segundo sua qualidade o
guiaram à sua felicidade ou ao seu infortúnio”.
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