Bruno Braga.
“Havia alguma coisa
seriamente errada com Che Guevara”.
Roberto Martín-Pérez [1].
Sobre
a minha mesa, de um lado a “Apologia de Sócrates” escrita por Platão, do outro
o livro de Humberto Fontova a respeito de Che Guevara. O primeiro escrito, um
elogio ao filósofo ateniense; já o segundo, a desconstrução de um dos maiores
ídolos da cultura contemporânea. Independentemente do caráter e do estilo dos
textos, existe entre eles outro contraste, que é o mais radical: o estado de
consciência dos seus protagonistas.
Platão,
na medida em que reproduz a defesa do mestre no tribunal ateniense, expõe o
drama vivido por Sócrates, que não é ofuscado nem diminuído pela forma literária
ou pelos floreios e adornos da narrativa: a busca do filósofo grego para
compreender a sentença oracular que o apontou como o homem mais sábio de
Atenas. Sócrates abordou todos os que tinham publicamente a reputação de sábios
- o político, o poeta e o artesão -; depois de interrogá-los ele concluiu que, de
fato, tinha um conhecimento a mais do que aqueles que acreditam saber e nada
sabiam: Sócrates sabia que nada sabia. E ele convocava não apenas estes, mas
todos os seus interlocutores a um estado de consciência no qual compareciam
como testemunhas da própria ignorância: suas perguntas e questões, através do
diálogo, desfaziam os simulacros de conhecimento, os preconceitos e
estereótipos sustentados com inocente convicção.
Che
Guevara, no entanto, foi uma espécie de antípoda de Sócrates. Em vez da dúvida,
a certeza imediata. Enquanto revolucionário Che acreditava pertencer ao mais
alto escalão da humanidade. Estava seguro de sua alta capacidade como
guerrilheiro, embora fosse um completo covarde, com pouca habilidade para manusear
uma arma e sem nenhuma competência para comandar uma coluna de combatentes. Assumiu
a condução de uma economia bem sucedida no período pré-revolucionário e a
destruiu por completo. Che estava convicto de sua luta contra a injustiça e
contra a opressão, ao mesmo tempo em que se deleitava com o sangue dos
fuzilamentos que ele indiscriminadamente conduzia. O mesmo paladino da
liberdade era o que proclamava a onipotência da sua vontade:
“O
que quer que me dê na telha é uma ordem, entendeu, porra?”
Martín-Perez
não precisou recorrer a um instrumento técnico – um diagnóstico de Psicopatia
ou a descrição de um delírio de onipotência -; ele reconheceu aquilo que está
ao alcance dos olhos da carne: havia alguma coisa seriamente errada com Che
Guevara. O contraste entre o revolucionário e Sócrates não está na ocupação – a
Filosofia não impediu que Bertrand Russell louvasse um bandido sanguinário, e nem
que Sartre o considerasse “o nosso homem mais perfeito”. O elemento distintivo
estava no apelo à consciência, no testemunho interior em que o indivíduo
comparece diante de si mesmo e que Sócrates obedientemente perseguiu como uma
ordem divina: “conhece-te a ti mesmo”.
Referências.
[1].
Martín-Pérez foi amigo de infância de Aleida March, viúva de Che Guevara, e
ficou preso durante vinte anos em La Cabaña, onde o revolucionário comandava
fuzilamentos.
Bibliografia.
FONTOVA,
Humberto. O Verdadeiro Che Guevara: e
os idiotas úteis que o idolatram. Editora É Realizações: São Paulo, 2009.
PLATÃO.
Apologia de Sócrates. Editora Nova
Cultural: São Paulo, 2000. Coleção “Os Pensadores”.
Leitura sugerida.
BRAGA,
Bruno. “Culto a ‘El Chancho’” [http://b-braga.blogspot.com.br/2011/09/culto-el-chancho_01.html].
Filmografia.
“Che,
Anatomia de um Mito” [http://b-braga.blogspot.com.br/2012/06/filmografia-che-anatomia-de-um-mito.html].
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