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Thursday, April 05, 2012

Verdade mutilada - Primeira parte.


Verdade mutilada.
Primeira parte.

Bruno Braga.


Responda sempre que foi torturado.


Em 2006, Jarbas Passarinho revelou um episódio curioso sobre o falecido Mário Lago [1]. Durante o Regime Militar, o ator e outros militantes foram presos no Rio de Janeiro. Eles logo foram libertados – e, na execução da soltura, o chefe de patrulha perguntou a um dos revolucionários se ele havia sido torturado. A resposta foi sincera e honesta: não. Mário Lago teria, então, repreendido o “companheiro”: “Nunca diga isso. Responda sempre que foi torturado”.

Não seria surpresa se a confiabilidade do relato de Jarbas Passarinho fosse contestada com o argumento leviano de que se trata de ex-ministro de governos militares – porque o termo “militar”, no domínio da cultura, foi imantado com uma carga negativa por um grupo de interessados, de modo que qualquer coisa que a ele seja associado automaticamente se contamina. No entanto, uma investigação séria está comprometida com a descrição dos fatos, e não com a construção ardilosa do imaginário popular. Nestes termos, o recente depoimento da jornalista Miriam Macedo pode ser esclarecedor:

“Eu menti descaradamente durante quase 40 anos!” [...] “Repeti e escrevi a mentira de que eu tinha tomado choques elétricos (por pudor, limitei-me a dizer que foram poucos, é verdade), que me deram socos e empurrões, interrogaram-me com luzes fortes, que me ameaçaram de estupro quando voltava à noite dos interrogatórios no DOI-CODI para o PIC e que eu passava noites ouvindo ‘gritos assombrosos’ de outros presos sendo torturados (aconteceu uma única vez, por pouquíssimos segundos: ouvi gritos e alguém me disse que era minha irmã sendo torturada. Os gritos cessaram – achei, depois, que fosse gravação – e minha irmã, que também tinha sido presa, não teve um único fio de cabelo tocado)” [...] [2].    

O caso de Miriam Macedo não é uma exceção. Em 1985, a atriz Bete Mendes acusou o Coronel Carlos Brilhante Ustra de tê-la torturado nas dependências do DOI-CODI, em São Paulo. Ela disse, ainda, que havia visto corpos de pessoas inocentes como ela; e que o corpo de um amigo, morto a pancadas, foi-lhe exibido, um cadáver estendido em uma maca para desestabilizá-la emocionalmente. Porém, no próprio interrogatório de 1971, Bete Mendes, que estava acompanhada de dois advogados, declarou nunca ter sofrido qualquer tipo de tortura física ou psicológica [3] – além disso, passadas algumas décadas, ela nunca esclareceu quantos corpos de inocentes havia visto, o dia, o local, e nem revelou a identidade do amigo que, segundo ela, fora assassinado a pancadas pelos militares.

A história que Bete Mendes não contou foi a de que o próprio Brilhante Ustra depôs no processo que ela então respondia. Ustra afirmou a inocência dela e de outros jovens, esclarecendo que eles haviam sido aliciados; e justificou a opção de libertá-los, já que, assim, os jovens poderiam retornar para a família e retomar a rotina de trabalho e de estudos [4].  

Dito isto, é mais do que pertinente questionar: quantos revolucionários se valeram da mentira e da farsa, como o fizeram Mário Lago, Miriam Macedo e Bete Mendes? Quantos deles recebem hoje altas indenizações pagas com dinheiro público? A “Comissão da Verdade”, encarregada de apurar os crimes durante o Regime Militar, investigará casos como estes? A última pergunta é possível responder: não. Simplesmente porque o compromisso da Comissão não é com a “Verdade”. O propósito dela é produzir uma “Verdade mutilada” – que é uma mentira –, atendendo aos interesses de um grupo que ambiciona a concentração do poder. Então, “mártires”, “heróis” e “ídolos” serão forjados para encantar o imaginário popular, enquanto, simultaneamente, se legitima a ocupação de postos de influência e de poder. Assim se desmoraliza qualquer força que possa ameaçar a sua hegemonia. Mas, um revolucionário não conta, ou constrói, uma “Verdade” apenas pela política – o que já seria um tropeço metodológico. Ele não se limita à farsa, à mentira – por si só condenáveis. Ele acredita que são justos também os métodos utilizados contra os militares da reserva, que sem qualquer investigação, foram julgados no final de março, assim, na porta do Clube Militar: 





Referências.


[2]. “A verdade: eu menti”, Miriam Macedo [http://blogdemirianmacedo.blogspot.com.br/2011/06/verdade-eu-menti_05.html].

[3]. A transcrição e a cópia do documento estão no livro “Rompendo o silêncio”, do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que pode ser acessado gratuitamente no endereço: [http://www.averdadesufocada.com/index.php?option=com_content&task=view&id=28&Itemid=30].

[4]. USTRA, pp. 160-161.

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