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Wednesday, April 25, 2012

Dois sacrifícios.


Bruno Braga.



Pela voz do ancião, Ésquilo narra uma das versões da história de Ifigênia, sacrificada pelo próprio pai, Agamêmnon. Com a horrível imolação, o poderoso rei de Argos pretendia apaziguar a deusa Ártemis, que ventos fortes soprava impedindo a partida da expedição chefiada por ele contra Tróia:

Pois Agamêmnon não se atreveria
ao holocausto de Ifigênia, sua filha,
a fim de que pudessem ir as naus
de mar afora resgatar Helena bela?
As súplicas da vítima, seus gritos
pungentes pelo pai, a idade virginal
em nada comoveram os guerreiros
ansiosos por saciar a sede de combates.
Depois da invocação aos deuses todos,
mandou o pai que subjugassem sua filha;
usando as vestes para proteger-se,
tentava a virgem frágil resistir lutando
desesperadamente, mas em vão:
como se fosse um débil cordeiro indefeso,
puseram-na no altar do sacrifício;
brutal mordaça comprimia rudemente
seus lindos lábios trêmulos de medo
e sufocava imprecações; quando caíram
por terra as vestes de formosas cores,
a cada um de seus verdugos impassíveis
volveu os eloquentes olhos súplices
- tão expressivos como se pintura fossem –
Desesperada por falar mas muda,
Ela, que tantas vezes nas festivas salas
do senhoril palácio de Agamêmnon
cantava com a voz doce de donzela tímida
os hinos em louvor ao pai amado!
O que depois aconteceu não pude ver
E mesmo que pudesse não diria. [1]


No livro de Gênesis, Deus põe a fé e a obediência de Abraão a prova:

Toma Isaac teu filho único, a quem tu tanto amas, e vai à terra da Visão, e oferecer-mo-ás em holocausto sobre um dos montes, que eu te mostrarei (Gen. 22, 7).

Abraão chama o filho amado para a celebração de um holocausto, sem que a criança soubesse que a lenha que carregava sobre as costas formaria o altar do seu próprio sacrifício, a ser consumado pelo cutelo que o pai trazia nas mãos:

Meu pai? Respondeu Abraão: Que queres, meu filho? Aqui vai o fogo, e o cutelo, disse Isaac; onde está a vítima para o holocausto? (Gen. 22, 7).

Depois de longa caminhada até o local determinado por Deus, Abraão levanta o altar – cobre-o com a lenha, mas nele amarra o filho. Quando Abrão ergue o cutelo para imolar a vítima, um brado vindo do céu o interrompe:

Não estendas a tua mão sobre o menino, e não lhe faças mal algum. Agora conheci que temes a Deus, pois que, por me obedeceres, não perdoaste a teu filho único (Gen. 22, 12).



Então, em vez do filho, Abraão sacrifica um carneiro.


Agamêmnon e Abraão – dois sacrifícios, dois destinos. O primeiro, ao retornar da batalha em Tróia, é assassinado pela esposa Clitemnestra – que vingava, assim, a morte da filha, mas também perpetuava a história de sangue envolvendo os Atridas. Abraão, por sua fidelidade, fora abençoado com a promessa de que sua raça seria multiplicada como as estrelas do céu e a areia das praias; que seus descendentes possuiriam as portas de seus inimigos; e que todas as pessoas da terra seriam benditas na sua posteridade, por ter sido ele obediente à voz do Senhor (Gen. 22, 15-19). Agamêmnon e Abraão, e seus filhos Ifigênia e Isaac - duas histórias, dois destinos, duas heranças: mas um complexo, o da existência humana, da sua consciência moral e sua relação com o divino.
 


Referências.

[1]. ÉSQUILO, Agamêmnon in Oréstia. Trad. Mário da Gama Kury. Jorge Zahar: Rio de Janeiro, 2003. [268-296].     


Imagens.

[a]. Ifigênia. Séc. I, Carnuntum. Klagenfurt Landesmuseum.

[b]. Abraão e Isaac. Rembrandt, 1634.

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