Bruno Braga.
A
chamada de uma notícia despertou imediatamente a minha curiosidade: a filha de
Che Guevara luta para preservar a imagem de revolucionário idealista do pai
[1]. Enfim, imaginava eu, a selvageria, as brutalidades e os fuzilamentos
promovidos pelo revolucionário estavam ganhando dimensão pública e, por isso, sua
filha estaria empenhada em justificar todos estes horrores.
Tão
logo bato os olhos nas primeiras linhas do texto, leio que o tormento da Srta.
Guevara não era bem esse: ela está indignada, sobretudo, com a utilização da imagem
do pai em estampas de biquines e em rótulos de garrafas de vodka. É um absurdo,
pensa ela, que a foto de Che, um abstêmio, seja um chamativo para bebida
alcoólica. Porém, a Srta. Guevara não percebe uma contradição ainda mais
radical: a utilização da imagem de um assassino covarde como símbolo da justiça,
da igualdade e da liberdade. Esta inversão, que publicamente não sofre qualquer
ameaça, é a imagem que a filha pretende conservar.
Como
filha, a Srta. Che cria um falso pretexto para lutar contra empresas de biquine
e de vodka. Como mãe, Rosa Hernández lutou verdadeiramente pela vida do filho
adolescente, condenado sumariamente ao fuzilamento no paredão. Rosa implorou
diretamente ao pai da Srta. Che, ao próprio Che Guevara, que a recebeu para uma
entrevista depois de muita insistência. Cordial e solicito, o revolucionário acomodou
Rosa Hernández. Ele ouviu atenciosamente o apelo, assistiu ao desespero daquela
mãe. Então, tomou o telefone sobre a sua mesa e proferiu a sentença com o amor
e com a compaixão que esconde a foto de Alberto Corda: “Executem o jovem
Hernández essa noite”. Aos gritos, Rosa foi arrancada do gabinete do
justiceiro revolucionário [2].
A
Srta. Guevara justifica a violência e os cadáveres produzidos pela revolução com
a própria natureza do processo: “Numa verdadeira revolução, você precisa
conseguir o que quer pela força. Um inimigo que não quer lhe dar o que você
quer? Talvez você tenha que tomar” [3]. Estas palavras ecoam o pronunciamento
do pai em 1960: “A fim de conquistar alguma coisa temos que tirá-la de alguém”
[4].
Depois
de ler a notícia, vejo que a Srta. Guevara herdou do pai não apenas o nome, mas
também a perturbação mental. E é esta perturbação que ela pretende preservar criando
um falso inimigo em estampas de biquines e em rótulos de vodka. Enquanto isso, ela
fortalece uma imagem que permanece intacta na cultura em geral, e ainda serve
como objeto de um culto macabro: o “culto a ‘El Chancho’” [5].
Referências.
[1].
Cf. Folha de São Paulo, 22 de Setembro de 2012 [http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/1157536-filha-de-che-luta-para-preservar-a-imagem-de-revolucionario-idealista-do-pai.shtml].
[2].
FONTOVA, 2009, p. 140.
[3].
Cf. Ref. [1].
[4].
FONTOVA, 2009, p. 187.
[5].
BRAGA, Bruno. “Culto a ‘El Chancho’” [http://dershatten.blogspot.com.br/2011/09/culto-el-chancho_01.html].
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