Bruno Braga.
Esta
não é a primeira vez que eu me debruço sobre o “Estado laico” [1]. Não é um
esforço inútil, dada a ocorrência pública da expressão: ela aparece como
referência à Carta Constitucional; está presente na bibliografia escolar e
universitária; nas lições dos professores; nas opiniões dos “Intelectuais” e
dos palpiteiros; é impressa nos panfletos dos movimentos sociais; esgoelada por
militantes de grupos e partidos; e figura como item de projetos políticos. Por
isso, “Estado laico” é um elemento que costura o imaginário das pessoas, não
apenas como um dado ou uma informação, mas como um gatilho que ativa sentimentos
e reações.
Extrair
e analisar de imediato o conteúdo de cada uma das ocorrências de “Estado laico”
– identificar o sujeito que a utiliza, as circunstâncias e o contexto em que o
faz, o seu interlocutor ou a sua audiência, etc. – seria um trabalho inesgotável.
Um método, antes de tudo, pode poupar esforços e ser útil, pois orientaria a extração
e a análise do conteúdo da ocorrência particular da expressão.
A
pessoa que afirma “Estado laico” certamente pretende se reportar a alguma coisa,
a não ser que queira apenas manchar uma folha de papel com uma expressão
sofisticada ou produzir um arroto intelectualizado. Então, primeiro é necessário
perguntar qual é a referência – ou, melhor, o que sujeito quer dizer com a
expressão “Estado laico”?
Separar
os termos e buscar para eles significados não muito controversos é o passo
inicial para esta investigação. “Estado” e “laicidade”. O primeiro termo, tal
como ordinariamente é concebido hoje, seria uma estrutura de poder que regula -
de maneira mais ou menos estável - a convivência entre as pessoas dentro dos
limites de um espaço territorial; o segundo, por sua vez, é uma qualidade que
sugere a autonomia das atividades humanas, embora expresse, sob uma perspectiva
enviesada, uma oposição ao “eclesiástico”, ou seja, a independência com relação
aos dogmas da fé.
Portanto,
para identificar o que uma pessoa quer dizer quando recorre à expressão “Estado
laico” é necessário preencher este esquema: descrever a formulação da estrutura
de poder à qual ela faz referência e determinar tudo aquilo que compõe e funda as
suas concepções do religioso para, por oposição, verificar o tipo de autonomia
ou de laicidade daquela estrutura de poder.
Apesar
de ser um esquema incompleto, e até mesmo grosseiro, ele é suficiente para reconhecer
que a expressão “Estado laico” é frequentemente enunciada sem uma referência
definida: muitas vezes ela é uma consideração confusa - uma ideia obscura, um
estereótipo carregado com sentimentos e expectativas – ou até mesmo absurda. Exemplo
disso é a atribuição de “vontade” e “intenção” a uma entidade chamada “Estado”,
quando “vontade” e “intenção” são possíveis apenas na unidade de uma
consciência, quer dizer, na consciência dos “agentes” que encarnam a estrutura
do poder estatal. No que diz respeito à religiosidade, o equívoco pode ser a projeção
dos preconceitos subjetivos, dos vícios e lacunas de compreensão, ou até mesmo da
própria ignorância, sobre o que é Religião ou sobre as entidades que a
representam: é o que ocorre quando se reduz a religião a uma doutrina, ou se censura
uma igreja por algo que ela não professa, não sustenta, ou que sequer está
empenhada em fazer – ou seja, é quando se critica uma fantasmagoria criada pela
própria imaginação.
Com
este precário esquema de referência é possível formular inúmeras questões para rastrear
o que o sujeito que utilizou a expressão “Estado laico” quis dizer com ela. Ele
promoveu uma extensa e exaustiva descrição da estrutura de poder e da
religiosidade antes de pronunciá-la? Sob a sua consideração estão pressupostos
o conhecimento dos precedentes históricos e a descrição do estado de coisas
presente relativos a estes dois fatores? Esta descrição corresponde à realidade
experienciada ou a pessoa expressa apenas o que ela “acha que é” ou o que ele “queria
que fosse” o “Estado” e a “laicidade” – ou “religiosidade” -, quer dizer, o “Estado
laico”? Este indivíduo discursa com o propósito do conhecimento ou ele atua –
através das palavras, opiniões, artigos e pareceres – como um reprodutor de
discursos prontos? Ele é um agente de transformação ou é um agente político? Neste
último caso, ele reivindica para si mesmo, ou para o seu grupo, o poder sobre a
estrutura de convivência humana que inclui a religiosidade?
Estas
questões – e outras que podem ser elaboradas a partir do esquema proposto – só
podem ser respondidas a partir da análise da ocorrência particular da expressão
“Estado laico”. De qualquer forma, o método indicado – ainda que grosseiro e precário
- é suficiente para iniciar uma investigação e rastrear os significados e
referências da expressão, os propósitos e intenções dos que a utilizam, e
facilitar a própria compreensão do tema.
Referências.
[1].
Cf. principalmente os artigos “A Cruz apeada” [http://b-braga.blogspot.com.br/2012/03/normal-0-21-false-false-false-pt-br-x_11.html] e
“Habilidade de leitura – Exercício prático e uma consideração sobre Estado e
Religião” [http://b-braga.blogspot.com.br/2012/05/habilidade-de-leitura-exercicio-pratico.html].
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