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Tuesday, May 31, 2011

Comentário.

Bruno Braga.


 

O texto abaixo, gravado em itálico, é um breve comentário sobre o artigo de Dimas E. Soares Ferreira, "Uma estrada para o futuro", publicado no portal "Barbacena Online" em 28 de Maio de 2011 [http://www.barbacenaonline.com.br/noticias.php?c=6264&inf=30]. Comentário este enviado para o mesmo sítio em 31 de Maio de 2011.


 

Peço permissão para intrometer-me na conversa, já que raramente se tem a oportunidade de contar com a participação do autor do texto no espaço destinado aos comentários. E a palavra de Dimas Ferreira aqui é fundamental para esclarecer alguns pontos do seu artigo e de seu comentário subseqüente (Cf. 29.05.2011) - embora, mesmo como professor, ele diga "detestar" comentar as postagens, precisamos das luzes de Dimas para livrar-nos das nuvens obscuras da ignorância! Mas não são necessários esclarecimentos sobre as disposições gráficas, as estatísticas, os números, porque sabiamente disse Sertillanges: "as matemáticas isoladas falseiam o julgamento do habitual em um rigor que não comporta nenhuma outra ciência e menos ainda a vida real" (1934, p. 127). É preciso explicar justamente este elemento da "vida real" afirmado pelo pensador francês, subjacente aos quadros e gráficos, e que lhes dão unidade, organização e estrutura.

Depois de um esforço hercúleo para compreender e articular as considerações presentes no texto principal com o comentário que se segue, e até mesmo com os artigos anteriormente publicados pelo autor, eu proponho uma hipótese para elucidar as considerações de Dimas Soares – exposta à correção do próprio, caso se disponha. Aponto primeiro as dificuldades e depois apresento a minha hipótese.

Dimas diz que um dos entraves para que haja investimentos em infra-estrutura é "a resistência "ideológica" em aceitar a participação da iniciativa privada no setor". No entanto, quando comenta as considerações dos leitores fala de "cantinela (sic) neoliberal" (suponho que sua intenção tenha sido dizer "cantilena", isto é, uma "cantiga suave" ou uma "ladainha"), de "burguesia" - além de aparentemente criticar uma obra apenas com o "argumentum ad hominem", apontando a origem do autor, um "norte-americano", sem indicar o equívoco de suas teses. Ora, um discurso construído nestes termos é, para utilizar a tipologia de Dimas Soares, também "ideológico". Então, qual "ideologia oculta" está denunciando o ilustre articulista? A "ideologia" burguesa, neoliberal, ou a sua mesma? Ou será que esta "ideologia" não passa de um simples estereótipo, isto é, uma "projeção" para justificar a sua nobre batalha quixotesca contra o Moinho de Vento burguês-neoliberal?

Esta confusão causa um embaraço insolúvel. Pois, se Dimas está certo de que a "burguesia nacional" não tem "interesse" em investir na infra-estrutura do país, como seria possível para esta "classe", então, cometer o "pecado" da "usura" e o da "exploração da classe trabalhadora" sem as condições que permitem o estabelecimento do "tenebroso" Capitalismo? [Recorro aqui aos "pecados mortais", denunciados pelos opositores do capital "neoliberal", como se arroga o próprio Dimas em seu comentário].

A passagem anterior apresenta outra dificuldade: se a "burguesia nacional" não tem "interesse", nem "capacidade", como afirma Dimas Ferreira, a quem caberia o investimento em infra-estrutura? Mas e o seleto grupo de empresas nacionais privadas arroladas pelo autor do artigo? Seus proprietários não são "burgueses"? Talvez Dimas pense que "estes" são "burgueses", sim, mas são nobres e virtuosos. Ocorre que eles continuam sendo burgueses "nacionais", e, segundo o próprio Dimas, são "desinteressados" e "incapazes". Para resolver o problema do país, então, restaria apenas "burguesia internacional", porque o articulista afirma que o Estado não tem condição de bancar todos os investimentos. Opa, um momento, um momento! Há um sério obstáculo para esta solução: Dimas não gosta muito da "burguesia", do "neoliberalismo"... Para a colaboração de Estados estrangeiros Dimas também impõe algumas restrições: por exemplo, para os americanos, pelo simples fato de serem americanos - mesmo que os Estados Unidos seja apontado, pelo próprio articulista, como um bom exemplo no domínio da "logística".

Mas não há motivo para desespero, porque se os Estados Unidos são "excomungados" por Dimas Ferreira, é permitido seguir outras "tendências" internacionais: afinal, o Brasil não pode ser um país "démodé", e investir no "Trem-bala" seria um belo adorno para a nova temporada "Fashion Week", ou melhor, "Fashion Millennium".

Acontece que, neste desfile, certos trajes parecem não cair muito bem para as concepções de Dimas Soares. Antes ele vestia a coleção "Eco-articulista" (Cf. o artigo do mesmo autor, "De quem é a culpa?" [http://www.barbacenaonline.com.br/noticias.php?c=5346&inf=4]), mas agora ressurge como um "Avatar desertor" para criticar as "licenças ambientais" que atrasam os investimentos no país. Afinal de contas, qual a prioridade para Dimas Ferreira, o "Meio ambiente" ou o "desenvolvimento econômico" nacional? Será que Dimas reformulou suas posições? Para responder arrisco, então, a minha hipótese: não – ele apenas veste o que é adequado à "estação", isto é, à "conveniência".

Porque o capital privado que merece a crítica e oposição do articulista é apenas aquele que não tem acordo fechado com o seu "Partido". No entanto, se for, por exemplo, as notas de Eike Batista (citado no texto principal), que pretende financiar a criação do "Instituto Lula", o "pecado do Capitalismo" é imediatamente absolvido (Cf. http://www1.folha.uol.com.br/poder/877517-cabral-oferece-palacete-no-rio-para-abrigar-instituto-de-lula.shtml). O mesmo se faz com um seleto grupo de empresários, que se inserem em uma estratégia dupla: enquanto lucram com as benevolências do "Partido" que ocupa o poder, fortalecem, política e financeiramente, os seus benfeitores.

Portanto, o artigo em tela é mais uma peça panfletária que, utilizando dados estatísticos, gráficos e números, faz parte de um longo trabalho de militância de seu autor, na defesa e justificativa do seu "Partido" e de seus correligionários.

(*) Observação final: já que o assunto é "economia", adianto um esclarecimento para evitar o desperdício de espaço e caracteres em um possível debate: não tenho nenhuma ambição eleitoral; não sou filiado a nenhum partido, nem me proponho a defender qualquer "ideologia" – preocupa-me apenas a descrição dos fatos.

Cordialmente,

Bruno Braga.

Belo Horizonte, 31 de Maio de 2011.

Wednesday, April 27, 2011

Novo comentário.

Bruno Braga.


 

Logo abaixo, em itálico, dou publicidade ao comentário referente ao texto "Ande como um egípcio", da autoria de Dimas E. Soares Ferreira, postado no site "Barbacena Online" [http://www.barbacenaonline.com.br/noticias.php?c=5949&inf=8]. O comentário foi enviado para o site em 18 de Abril; porém, não foi publicado no espaço apropriado. Ao Conselho Editorial do site, através de contato feito em 21 de Abril, foi solicitada a fundamentação para a não publicação do comentário – no entanto, não houve resposta por parte dos responsáveis. Sendo assim, neste espaço, torno publico o referido comentário.

Cordialmente,

Bruno Braga.

Belo Horizonte, 27 de Abril de 2011.

***

Caro Dimas,

No início do seu texto você pretende contar um pouco da História. Porém, a sua narração suprime elementos fundamentais para a compreensão dos fatos, além falsificar vários outros.

Por que você não menciona que o Sindicalismo, junto com o Movimento Estudantil e o Movimento Camponês – e a luta armada - foi um dos braços da Revolução Comunista que se pretendia desencadear no Brasil? E que as Forças Armadas reagiram a esta tentativa de se instaurar no país a "Ditadura do Proletariado"?

Por que você suprime da sua narração o "milagre econômico brasileiro" ocorrido durante o regime militar? Aliás, período sobre o qual Lula diz o seguinte: "Se houvesse eleições, o Médici ganhava. [...] A popularidade do Médici no meio da classe trabalhadora era muito grande. Ora, por quê? Porque era uma época de pleno emprego. Era um tempo em que a gente trocava de emprego na hora que a gente queria. Tinha empresa que colocava perua para roubar empregado de outra empresa" (in "Memória Viva do Regime Militar". Record, 1999).

Você afirma que "A hegemonia de classe, como já dizia Marx, é o primeiro passo para o fascismo e o totalitarismo". Mas o que seria a hegemonia do poder de tendência marxista-leninista instaurado hoje no Brasil? Lembro a você que o Comunismo-Socialismo também é uma forma de Totalitarismo.

A sua interpretação dos acontecimentos nos Estados Unidos demonstra um completo desconhecimento dos fatos. Ao contrário do que você afirma, é o movimento conservador – que tem como um de seus representantes o "Tea Party" – uma reação ao domínio dos "liberais", que lá são os esquerdistas. Reação esta que tem amplo apoio da população norte-americana. Aliás, pintar os Republicanos ou Conservadores como "radicais" e "insanos" é simplesmente reproduzir os estereótipos da mídia esquerdista norte-americana, que representa apenas metade, repito, metade dos americanos.

Inúmeros pontos da sua narração histórica, Dimas, poderiam ser contestados. A dúvida que fica é se você a constrói enquanto Cientista Político – procurando contar, como diz von Ranke, os fatos como eles realmente acontecerem – ou como militante, enquanto "intelectual orgânico" e agente de influência do "Partido". Se você decidir pelo primeiro caminho, há muitos pontos no texto que precisam ser corrigidos – no entanto, se escolhe a segunda via, a sua narrativa atende, com o recurso do artifício, perfeitamente os seus propósitos.

Grande abraço.

Bruno Braga.

Belo Horizonte, 18 de Abril de 2011.

Saturday, April 02, 2011

Reescrevendo a História.

Bruno Braga.

 

 
A memória de uma comunidade é preservada quando os seus membros transmitem, para as novas gerações, as experiências vividas por eles no passado. Assim se constitui uma tradição, repassada por meio da oralidade, dos testemunhos, das lições dos mestres, dos registros escritos, dos documentos e livros. Aos mais jovens é recontada a trajetória de sua família – e a de seu povo - despertando neles uma consciência ainda adormecida, a consciência histórica. Ocorre que neste processo que se refaz através do tempo, o elo se rompe quando alguém decide reescrever o passado, e contar a história da sua maneira – quer dizer, transmitir uma versão particular dos fatos, e não aquela que envolve toda a comunidade. Pois é deste modo que um grupo está narrando, há algum tempo, parte das experiências do Brasil: ele conta a sua versão da história e a transforma na memória de todo um país – o faz em um coro quase uníssono, que sussurra com voz melíflua um discurso romântico, capaz de entorpecer uma geração quase inteira e prestes a reconstruir totalmente a consciência histórica da futura.
 
Neste processo os educadores seguem as lições de seus "novos" mestres – a intelectualidade. Estes, por sua vez, estão intimamente articulados com os ocupantes das altas instâncias do poder político: das alturas, confabulam uma versão do passado - a versão do grupo, ou do "Partido" - que deverá ser transformada em cartilha. Um Manual que os professores seguirão rigorosamente para formar a "consciência crítica" de seus pupilos. Deste modo os educadores da nação cumprem a sua função, transmitem a história "reescrita": são, junto com seus mestres, "intelectuais orgânicos", quer dizer, uma raiz do "Partido" que forma a consciência histórica de jovens e adolescentes nos bancos escolares e universitários, e que contribui fortemente para a construção de uma cultura. Uns o fazem como militante decidido, outros como um "idiota útil", um "Polieznyi".
 
No entanto, diante desta engrenagem intelectual-político-educacional, seria prudente interrogar: antes que ela pudesse funcionar, como mestres e políticos alcançaram o status e a autoridade para reescrever a História e ensiná-la em quase uníssono? Para além do simplesmente "contado", o que foi realmente "vivido"? Talvez um fato cotidiano possa lançar algumas pistas para elucidar esta trama.
 
Há poucos dias uma entrevista do Deputado Federal Jair Bolsonaro (PP-RJ) causou certa repercussão. Em um programa humorístico o parlamentar respondia a perguntas que lhe eram repassadas através de uma gravação em computador. Entre as questões, feitas por pessoas comuns, havia uma da cantora Preta Gil, que motivou toda a polêmica. Interrogado sobre como reagiria se seu filho se casasse com uma negra, o parlamentar não hesitou: "Não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja. Eu não corro esse risco porque meus filhos foram muito bem educados, e não viveram em ambiente como lamentavelmente é o teu". Imediatamente o Deputado – conhecido por sua oposição, não a negros e homossexuais, e sim aos movimentos políticos que se utilizam da "raça" e da "sexualidade" - foi acusado de "racista" por líderes de grupos negros e LGBT's, por artistas, intelectuais e também por políticos.
 
Para quem assiste ao vídeo [http://www.youtube.com/watch?v=HyaqwdYOzQk&feature=topvideos] é possível perceber, claramente, que a resposta de Bolsonaro não se ajusta à pergunta – indício de que, ou não compreendeu a questão ou se confundiu, supondo tratar-se de um casamento imaginário entre seu filho - não com uma "negra" - mas com um homossexual. Aliás, grande parte das questões anteriores à de Preta Gil tratavam da homossexualidade, com o objetivo explícito de fazer o parlamentar manifestar as posições que fizeram dele um deputado "polêmico".
 
No entanto, a reação dos indignados não estava fundada no que viam ou ouviam – uma resposta mal-educada, ou "politicamente incorreta", para uma questão não compreendida. Não se prestou atenção no conteúdo e na condução das perguntas - e nem mesmo na edição do programa, que acrescentou, a determinadas respostas do deputado, uma série de sons que insinuavam ironia. Ademais, ninguém deu importância para um contexto que ultrapassa a exibição do vídeo – não o contexto imediato da polêmica, mas o que se estende desde o passado, no qual estão inseridos o deputado e seus principais opositores. Nenhum destes elementos serviu para uma ponderação anterior ao julgamento – a condenação deveria ser imediata, e a sentença sumária foi dada, com fundamento nas lições aprendidas na escola e reforçadas por toda uma cultura: Bolsonaro é um "racista", "fascista"; um representante da "extrema direita" – por ser militar reformado, e defensor do regime conduzido por seus companheiros de farda no Brasil, é um "resquício" da "ditadura militar", da "repressão" e da "tortura".
 
Neste coro harmônico duas vozes se destacaram: as dos Deputados Federais Manuela D'Ávila do PC do B-RS e Jean Wyllys do PSOL-RJ. Juntamente com outros parlamentares eles assinaram uma representação contra Bolsonaro, enviada para o Presidente da Câmara.
 
Manuela e Jean são filiados a partidos fundados na doutrina marxista-leninista, partidos comunistas-socialistas. Os parlamentares empunham bandeiras de regimes que, ao longo da história, foram verdadeiras máquinas de produzir cadáveres. No século XX tombaram mais vítimas que a soma das duas guerras mundiais, das ditaduras de direita, das epidemias, dos desastres e catástrofes naturais enfrentados pela humanidade – mais que todos estes eventos juntos. Para R. J. Rummel os regimes comunistas-socialistas não praticaram o "genocídio", mas um verdadeiro "Democídio" (Cf. http://rudyrummel.blogspot.com/ - também para uma apresentação detalhada destes cálculos). Mataram mais que o regime Nazista: na contabilidade são 100 milhões de mortos contra 25 do séquito do Führer (Cf. COURTOIS, 1998, p. 29).
 
Já no contexto nacional, Manuela D'Ávila representa uma sigla que, desde 1922, ano de sua fundação, busca – seja através dos meios legais, ou da clandestinidade – a implantação da "ditadura do proletariado". Para isso contou com o financiamento da extinta União Soviética, de Cuba e da China – recebendo não apenas dinheiro, mas também treinamentos de guerrilha e armas. Para conquistar o poder os correligionários julgaram necessário empunhar armas – o que os fundadores do partido de Manuela, seus herdeiros, e outros grupos solidários aos mesmos ideais, fizeram muito antes da "Ditadura Militar" que os combateu: em um momento em que não se podia justificar o conflito com a "luta pela Democracia". Porém, para cumprirem o projeto marxista-leninista, os "revolucionários" promoveram atentados, detonaram bombas, assaltaram bancos, carros pagadores, seqüestraram, fizeram reféns – inclusive crianças. Nestas ações feriram e mataram inocentes. Convocaram "Tribunais Vermelhos" para os "justiçamentos", isto é, a condenação sumária à morte de pessoas que não tiveram qualquer direito à súplica. Sentenciaram à pena capital militares sem chance de defesa, como Alberto Mendes Júnior, e gente simples, que não está nem entre os figurantes da história contada nas salas de aula: Osmar, "Pedro Mineiro", "João Mateiro". Decidiram a morte de seus próprios companheiros, suspeitos de "vacilação em convicções ideológicas e divergências políticas" (Para todos estes relatos Cf. USTRA, "A Verdade Sufocada: A História que a esquerda não quer que o Brasil conheça", 2007).
 
Jean Wyllys, por sua vez, é filiado a uma sigla que, há bem pouco tempo, tinha como presidente uma entusiasta do regime cubano – patrocinador da luta armada no Brasil. Ligado a grupos LGBT o parlamentar talvez desconheça o tratamento dedicado pelo "Comandante" aos homossexuais. O processo de "reeducação" imposto por ele seguia uma disciplina rígida: os homossexuais eram submetidos a um "julgamento" público, no qual deveriam confessar abertamente os seus "vícios" (COURTOIS, 1998, p. 735). Isto quando não eram afastados do convívio social, trancafiados em Hospitais psiquiátricos sob o diagnóstico de "comportamento desviante". Se Jean não abraçasse a bandeira comunista-socialista, mas adota-se somente a cor dela, talvez estivesse mais próximo de sua causa, simbolizando o sangue de muitos, que semelhantes a ele na sexualidade, foram executados em Cuba sob a condenação de "delito moral".
 
Manuela e Jean se auto-intitulam, respectivamente, "a nova cara da política" (www.manuela.org) e o "novo" deputado (http://jeanwyllys.com.br). No entanto, apenas colaboram com os seus correligionários que, um dia "revolucionários", alcançaram e têm agora o poder. Foram derrotados nas armas, mas habilidosamente vitoriosos em outra batalha - a da "revolução cultural". A partir dela passaram a reescrever o passado, contaram a sua versão sobre o combate travado contra os militares, e o romance que criaram se transformou na memória de um país, transmitido aos jovens, formando uma cultura – a "ditadura do proletariado" se transformou em "luta pela democracia". Assim, os "revolucionários" de outrora, membros do "Partido" agora, adquiriram o status e a autoridade para, com base nos estereótipos por eles mesmos criados, "justiçarem" os antigos inimigos: "fascista", "ditador", "direitista radical", "torturador". E Bolsonaro é um representante dos velhos rivais, e no âmbito da política, um dos últimos que restaram para contar uma História que está sendo reescrita por apenas uma das partes. Quantos já ouviram o que ele tem para dizer fora de um programa humorístico? O que ele tem para contar sobre as ações militares, e, sobretudo, a respeito da esquerda? (Cf. os discursos de Bolsonaro na Tribuna da Câmara e nas Comissões do Congresso [www.youtube.com]) Nesta história o deputado não é apenas uma figura "caricata", um político "conservador" e exaltado. Dentro da estratégia política ele seria um personagem no mínimo "inconveniente". Porque com a instauração da "Comissão da verdade" - encarregada de apurar os "crimes cometidos pela repressão", mas composta predominantemente por entidades e pessoas ligadas ao "Partido" – ele recordaria um pouco da História do Brasil que os "revolucionários" que agora ocupam as instâncias de poder pretendem reformular, reescrever: o da "Ditadura" – ou será da "Contra-revolução"? – Militar. Reescrever não em nome da nobre "Democracia", mas para estabelecer uma verdadeira "Hegemonia".
 
Diante destes fatos, coincidência, ou não, a polêmica com o Bolsonaro ocorreu nas vésperas de 31 de Março - uma das datas favoritas dos "revolucionários" para promoverem atentados de impacto durante o período da luta armada; agora, com ambição de instaurar uma "Comissão da verdade", a polêmica sugere uma oportunidade estratégica.                  

Friday, March 25, 2011

Mais três comentários.

Bruno Braga.


 

Na última postagem (15 de Março de 2011) disponibilizei dois "comentários" enviados para o site "Barbacena Online" (www.barbacenaonline.com.br) que continham observações sobre determinados textos publicados no canal. O Conselho Editorial do referido site, no entanto, encarregado de um exame prévio das manifestações dos leitores, decidiu por não dar-lhes publicidade. Aos "dois comentários" anteriores somam-se agora "mais três", que também aqui decido estampar, já que, após insistente pedido de esclarecimento sobre a fundamentação destas novas "filtragens", não houve nenhum retorno por parte dos responsáveis.

A seguir os comentários - textos em itálico, na versão original enviada para o site "Barbacena Online" - com as respectivas referências.


 

I. Bruno Braga. Comentário referente à notícia "'A cor da cultura' entra em nova etapa" [http://www.barbacenaonline.com.br/noticias.php?c=5612&inf=100].


 

Cara Maria Eneida,


 

Antes desta "formação continuada", pela qual passam professores e técnicos em educação, seria pertinente que estes profissionais se inteirassem sobre o projeto maior, do qual "A cor da cultura" é apenas um dos seus braços. Assim constatariam que propostas deste tipo trazem consigo: a elaboração de uma narrativa, reduzida e distorcida, da História; a introdução na cultura da "consciência da "raça"", que fere lições básicas de genética; a instauração da bipolaridade entre "negros" e "brancos", desprezando os "pardos" ("mestiços") – estes que são quase metade da população e assim se auto-declaram como não possuindo raça nenhuma, ou seja, não se consideram nem negros nem brancos, mas uma "mistura" [Cf. http://noticias.uol.com.br/especiais/pnad/2010/ultimas-noticias/2010/09/08/cresce-proporcao-de-pardos-e-pretos-no-pais-brancos-amarelos-e-indigenas-perdem-espaco.jhtm?action=print]; uma interpretação equivocada do "princípio de igualdade", que objetiva estabelecer a igualdade através da "diferença"; manipulações políticas e inclusive legislativas (Cf. Lei 12.288/2010 – Estatuto da Igualdade Racial – Exemplo: Considerar a pessoa que se auto-declara "parda" como parte da população negra [Art. 1, IV]).

Agora, uma observação importante, criticar projetos deste tipo não significa adotar a posição contrária, a do Racismo. Pelo contrário, pretendo indicar que, para amparar os mais necessitados não é preciso recorrer à diferença da "cor da pele", nem à ancestralidade: basta considerar que eles são simplesmente seres humanos.

Grande abraço.

Bruno Braga.

Barbacena, 14 de Março de 2011.

***

II. Bruno Braga. Comentário a respeito do texto de Geraldo Trindade intitulado "O que está acontecendo no mundo?" [http://www.barbacenaonline.com.br/noticias.php?c=5733&inf=100].

Caro Geraldo Trindade,

Em sua dissertação você simplifica os eventos ocorridos no mundo árabe. Isto é um equívoco na medida em que se coloca ocorrências que têm motivações distintas em um mesmo plano – como você faz com os eventos da Líbia e do Egito. Este equívoco metodológico – ou por desconhecimento de causa – tem conseqüências desastrosas, sendo uma delas a afirmação de que os manifestantes "não pertencem nem defendem as tradições nacionalistas, de um estado árabe e teocrático". Ora, no caso específico do Egito quem articula protestos, manifestações, e age como protagonista da oposição política é a Irmandade Muçulmana – uma entidade de origem obscura, que já esteve associada com o Nazismo, que está intimamente ligada a organizações terroristas (Hamas) [Cf. Jim Mars e Peter Levanda], e tem compromisso radical com a instauração do "Califado Universal". Neste caso não é o "povo", ou a "grande massa", que protesta e realiza manifestações – trata-se de certo número de pessoas que funciona como "grupo de pressão" em favor dos interesses de uma entidade muito bem organizada.

Além disso, apresentar os árabes como povo "explorado" e "dócil" a governos ditatoriais é reduzir uma história – repleta de conflitos religiosos, batalhas contra ocupações estrangeiras, lutas de independência, movimentos libertários, guerras de invasão, ocupação e dominação na Ásia, África e Europa, e até exploração do trabalho escravo (Cf. MAGNOLI, p. 196) – para criar estereótipos panfletários ou idealizações políticas.

Grande abraço.

Bruno Braga.

http://dershatten.blogspot.com/


 

Belo Horizonte, 20 de Março de 2011.

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III. Bruno Braga. Comentário sobre o texto de Dimas E. Soares Ferreira, "Ensaio crítico sobre a corrupção: teoria, percepção e realidade" [http://www.barbacenaonline.com.br/noticias.php?c=5740&inf=100].

Caro Dimas,

Em seu texto você aponta o responsável pelos "desvios éticos": as ambições e a ganância das sociedades humanas. No entanto, as "sociedades" não são ambiciosas ou gananciosas, pois as "sociedades" não têm realidade efetiva, mas somente os "indivíduos" que a compõem – estes sim são ambiciosos, gananciosos, e responsáveis por "desvios éticos". É assim porque "sociedade" é uma abstração, é um "universal" que não tem existência própria senão na "substância primeira" que a corporifica, ou seja, em cada um dos homens que dela faz parte – o indivíduo concreto, portador de sentimentos e paixões, e capaz de agir. Ademais, falta à "sociedade" a unidade de intenções e autoconsciência – pré-requisito necessário para a ação e, conseqüentemente, para a culpabilidade, isto é, para ser responsabilizado por "desvios éticos".

Sobre o levantamento histórico e teórico que você estabelece ao longo do texto poder-se-ia fazer algumas observações – selecionei duas.

A primeira diz respeito à consideração da política e do pensamento grego. Você utiliza uma chave interpretativa que não se aplica, de maneira nenhuma, àquele período – a da velha e conhecida "luta de classes", recorrendo ao vocabulário, "oligarquia", "povo", etc.. É pertinente apontar o equívoco de se aplicar esta chave interpretativa porque ela contamina a sua utilização do termo "democracia" – que no mundo grego tinha um significado bem peculiar, muito diferente das suas pretensões. Por exemplo, a democracia grega não atingia os "escravos", que eram, em Atenas, 3/5 da população e não tinham qualquer direito político (DURANT, 2000, p. 31). Nestes termos, a sua consideração, feita sob a luta entre "oligarquia" e "povo" não se sustenta.

A segunda observação se refere à incapacidade dos liberais, alegada por você, de explicar "os índices altíssimos de corrupção registrados na Rússia logo após sua opção pelo modelo liberal quando se deu um intenso processo de privatizações e desregulamentações". Para explicar o fato – sem vincular-me a nenhuma corrente teórica ou política – basta recorrer às considerações feitas anteriormente: não são os modelos políticos os culpados, os responsáveis pela "corrupção", mas os "indivíduos concretos", efetivos, que se utilizam deles enquanto "instrumento" para a realização de suas "ambições" pessoais, ou as do seu grupo – formando, por sua vez, por indivíduos concretos que compartilham os mesmos interesses. Nestes termos, quais são, em sua maior parte, os indivíduos que permaneceram após a derrocada do socialismo soviético? A própria elite burocrática do modelo de Estado antigo. Ou você pensa que, abandonado o socialismo soviético, toda a elite burocrática, membros do partido, comandantes militares, e agentes da KGB, voltaram para suas casas, para cuidar da família e do cachorro? Não. E cito apenas um exemplo de que estes mesmos permanecem no poder: Vladmir Putin, filho de um ex-agente da NKVD (antiga KGB [Sobre o orçamento e as atividades da KGB, Cf. COURTOIS, 1998; "Conversation with Yuri Bezmenov" – Video]). A questão está, então, explicada.

É isso, Dimas. Outros pontos do seu texto poderiam ser discutidos – mas, estes me pareceram os mais pertinentes para uma primeira consideração.

Cordialmente,

Bruno Braga.

http://dershatten.blogspot.com/


 

Belo Horizonte, 20 de Março de 2011.


 

Tuesday, March 15, 2011

Dois comentários.

Bruno Braga.


 

Dou publicidade a dois "comentários" enviados para o site "Barbacena Online" [www.barbacenaonline.com.br] – ambos destinados ao espaço aberto para a manifestação dos leitores dos textos publicados pelo canal. Disponibilizo aqui os comentários porque o Conselho Editorial do site supra citado, responsável por uma análise prévia das considerações dos leitores, não o fez no domínio e no contexto apropriados. A seguir, os comentários (caracteres em itálico) acompanhados das respectivas referências.

I. Bruno Braga – Comentário sobre o texto de Dimas Soares Ferreira, "Barbacena e sua encruzilhada" [http://www.barbacenaonline.com.br/noticias.php?c=5451&inf=100].

A título de esclarecimento, seria importante repassar alguns comentários postados recentemente – os de Marco Aurélio Lima (14.02.2011) e os de Alcides Brenan (14.02.2011).

Caro Marco Aurélio, argumentos não são desmontados com "votos", mas sim com outros argumentos, quer dizer, com o esclarecimento fundamentado exposto na análise e no exame pretendido dos primeiros – é assim porque a discussão séria se orienta, não por um critério "quantitativo"; pelo contrário, está em jogo o elemento "qualitativo", ou seja, o conteúdo das idéias articuladas. Além disso, Marco Aurélio, você se utiliza de outro estranho parâmetro de julgamento ao indicar que "posicionamentos" são medidos pela publicidade: se são "ultrapassados" e "antigos", isto já seria suficiente para descartá-los – como se fundamentados fossem as "posições" que aparecem na revista "Caras", ou os que desfilam nos discursos das modelos do "São Paulo Fashion Week", enfim, os "posicionamentos" que estão "na moda". Sugiro o seguinte, Marco Aurélio: conteste "o que" eu disse, o conteúdo "objetivo" dos meus comentários; porque, embora você tenha dito que eu "nunca consigo" desmontar os argumentos de Dimas Ferreira, você mesmo não apresentou nenhuma justificação, nenhuma análise, nenhum exame, esclarecimento ou explicação das concepções expostas na minha postagem.

Agora, não tenho nenhuma filiação partidária, nenhuma pretensão política, e, por isso mesmo, qualquer intenção de obter "ressonância" – meu interesse é a "compreensão": neste domínio são débeis os critérios da "publicidade", da "audiência". De qualquer maneira você pode consultar o que escrevo no meu Blog particular [http://dershatten.blogspot.com], no Blog "Zinnecult" [http://zinnecult.zip.net/], ou conferir os artigos publicados no próprio Barbacena On line ("Um teólogo militante sob suspeita" [http://www.barbacenaonline.com.br/noticias.php?c=4736&inf=4] e no "Barbacena Cultural" ("Uma reflexão ética" [http://barbacenacultural.wordpress.com/2010/07/01/barbacena-cultural-nasce-tertulia/]. Em todos estes canais você pode postar os seus comentários e criticar o meu modesto esforço, porque a discussão intelectual não é nenhum ato "preconceituoso".

Passo a comentar a postagem de Alcides Brenan (14.02.2011). Não conheço a Tabata Costa, não tenho procuração para defendê-la, e nenhuma pretensão de fazê-lo, nem mesmo pelos elogios que ela, com relação à minha postagem, teceu. No entanto, Alcides, não é vergonha nenhuma mudar de posição, porque não é vergonha pensar. Um célebre filósofo francês disse certa vez: "Não me envergonho de mudar de opinião porque não me envergonho de pensar" (Blaise Pascal). Afinal, aqui não está em jogo a "fidelidade" – porque, manter-se fiel a argumentos abatidos em seus alicerces (não faço referência à minha análise do texto de Dimas Ferreira) poderia ser um sintoma da "espiral do silêncio", quer dizer, manter-se ao lado do grupo por medo de ficar sozinho; ou mesmo conservar sua posição por temor de acusações de "traição" ou de "desvio de ideologia", o que era uma prática recorrente nos tribunais socialistas comunistas (Cf. COURTOUS, 1997). Aliás, por falar em "acusação", Alcides, não "acuso" Dimas Ferreira de "marxista radical" ou "petista inveterado" – porque abraçar ideologias e tomar posições políticas não é crime, é algo permitido a qualquer pessoa; porém, isto não significa que estas mesmas opiniões estejam imunes a análises e críticas.

Você se espanta, Alcides, porque eu aponto o PT como um partido de "esquerda social-comunista". Acontece que, este escândalo talvez seja devido ao desconhecimento da estratégia adotada por partidos que têm esta tendência. Estes jogam em duas frentes: uma ala mais moderada, e a outra mais radical, que articulam suas propostas conforme a recepção pública delas. É assim dentro dos quadros do próprio partido, como também na relação com os seus aliados - porque, embora se oponham em algum momento, no final estão juntos, sob a bandeira de uma só cor (que agora é também "verde").

Caro Alcides, você fala em "ódio", em "rancor". No entanto, leio no seu, isto, no SEU comentário, que determinadas pessoas deveriam tirar suas "máscaras" – pessoas que você, Alcides, de maneira impressionante, fantástica, mágica, dotado de um poder premonitório "estratosférico", aponta como defensores do "status quo", das "desigualdades sociais", que "odeiam" a "classe trabalhadora" e "sonham com um mundo de riquinhos burgueses cheirando lavanda"; pessoas, Alcides, que você diz, "não passa de GENTE ciumenta e invejosa". Quanta amabilidade, Alcides. É para ficar comovido com tanta benevolência, ainda mais quando se identifica que estas doces palavras foram redigidas a partir de um conhecido estereótipo, o da "luta", ou melhor, o da "luta de classes" – afinal, é preciso que aconteça a "derrubada VIOLENTA da burguesia", porque a existência dela "não é mais compatível com a sociedade" (MARX, "Manifesto do Partido Comunista", 2002, pp. 56-57), não é Alcides? Quanta ternura... Sua postagem me faz lembrar uma máxima do Lênin, "acuse-os daquilo que você faz" – porém, não sei se ela é pertinente, Alcides, porque do alto da sua nobreza, depois de ter dito tudo isto, você se compadece, sente "pena" daqueles "monstros horríveis" que você, sem qualquer conhecimento, simplesmente rotula de "burgueses". Quanta benevolência e virtude...

Sobre a sua indignação a respeito do que postei sobre as "minorias" pergunto o seguinte: você já se questionou quem indica as "minorias"? Você já investigou quem as classifica, quem as isola, reivindica um "gueto" para elas? Quais critérios são utilizados? Os critérios que você apontou são de uma amplitude imensa – aplicados a Barbacena, como é a proposta de Dimas Ferreira, não têm qualquer efeito. Por exemplo, o critério "lingüístico", que você menciona: qual a diversidade lingüística na circunscrição da cidade? Há alguma característica fundamental, própria, natural, essencial, para estabelecer "distinções"? Porque não são as generalizações que você indicou, mas as particularidades que definem cada grupo, cada estereótipo - estes sim são "forjados" e "construídos", porque exigem uma narrativa histórica, freqüentemente artificial, para identificar os tipos associados a eles. Uma identidade não apenas supérflua, mas que fere o "princípio da igualdade", pois os tipos não são "diferenciados" por nenhum critério exterior, mas iguais por serem humanos. Resta lembrar que, medidas deste tipo violentam da mesma forma a liberdade individual, isto é a possibilidade de traçar, projetar seu futuro independente de qualquer "ancestralidade", vínculo ou laço que o identifique ou classifique em determinado grupo. Agora, quanto às conseqüências políticas deste "pseudo-multiculturalismo", elas estão delineadas no meu último comentário.

No que diz respeito à "imparcialidade" do texto de Dimas Ferreira, da minha parte não reivindiquei nenhuma. Sugiro, Alcides, que releia atentamente a introdução da minha postagem anterior, na qual esclareço que as minhas observações seriam baseadas "não apenas no texto de Dimas E. Ferreira, mas também nos comentários subseqüentes". Nestes últimos – nos "comentários subseqüentes" - algumas pessoas apontaram a "imparcialidade" do texto. A minha proposta foi mostrar que este diagnóstico está equivocado. Quanto às posições de Dimas Ferreira, mais uma vez ressalto: sustentá-las é um direito que a ele é garantido, embora sejam passíveis de crítica.

Por último, apenas uma correção. O homem é, sim, um "zoon politikon" (Aristóteles). No entanto, reconhecer este traço essencial do homem é completamente diferente de conceber a sociedade com uma realidade, uma concretude, e efetividade independente e acima dos homens concretos que dela fazem parte – nos termos em que você colocou, Alcides, o "homem" e as "ideologias" fazem "PARTE da sociedade". No entanto, "sociedade" é um "universal", uma abstração, quer dizer, é uma entidade que não existe em si mesma, mas somente nos entes que a corporifica, ou seja, nos homens mesmos. A "substância primeira" é o homem, o indivíduo concreto, vivente, com a capacidade de agir, repleto de sentimentos e paixões. Acontece que o seu discurso apresenta uma inversão fantástica: em um passe de mágica a "sociedade" foi promovida a substância primeira, real, concreta, agente, enquanto o indivíduo se tornou uma mera abstração. Interessante que, esta inversão é própria também de tendências socialistas-comunistas, cujos simpatizantes, ou partidários, discursam a partir de uma "abstração" – quer dizer, do alto de sua nobreza e virtude falam em nome da "sociedade", em nome do "povo". Porém, simpatizantes, militantes, partidários, candidatos, intelectuais, ou simplesmente "Polieznyi", talvez não tenham consciência da sua posição neste esquema, enquanto "indivíduos". Por isso, inebriados pelas alturas, pensam que não podem ser criticados, pois estão justificados a fazer qualquer coisa para realizar seus "elevados" projetos – por isso, sem autoconsciência, apontam nos outros, o que eles mesmos fazem.

Sem mais observações.

Bruno Braga.

http://dershatten.blogspot.com

Barbacena, 17 de Fevereiro de 2011.

***

II. Bruno Braga – Comentário sobre o texto de Dimas Soares Ferreira, "Uma revolução no rumo da democracia" [http://www.barbacenaonline.com.br/noticias.php?c=5598&inf=100].


 

Caro Dimas,

É preciso observar que não há "Revolução popular", "levante em massa", nem no Egito nem em qualquer outro lugar. Isto pelo simples fato de que o cidadão comum não decide espontaneamente sair da sua casa para ocupar a praça pública e protestar contra o que quer que seja. Para realizar este tipo de manifestação é necessário uma "organização" mínima, como por exemplo: data; horário; local; definição dos pontos de crítica e das reivindicações; destino da marcha; etc. A "organização" é articulada por um "grupo", ou, por um "partido". Portanto, a "revolução" é resultado da ação de um grupo extremamente organizado. Esta é uma orientação básica em qualquer estratégia subversiva, sobretudo naqueles de orientação marxista-leninista (Cf. Yuri Bezmenov, embaixador da extinta União Soviética na Índia, sobre os mecanismos de atuação da KGB – "Conversation with G. Edward Griffin").

No Egito a mesma estratégia descrita foi utilizada. É possível verificá-la através de um simples exemplo: um folheto distribuído para o público intitulado "Como protestar de formar inteligente" (Cf. http://colunas.epoca.globo.com/ofiltro/2011/01/28/o-manual-dos-manifestantes-do-egito/). Este folheto certamente não foi elaborado, impresso, e distribuído de maneira espontânea por um "João", quer dizer, por um "Mohamed", qualquer. Talvez não tenha sido a autora deste "manual", mas a protagonista das manifestações no Egito é a "Irmandade Muçulmana". Ocorre que esta organização não só tem uma origem obscura (Cf. Jim Marrs; Peter Levenda, que menciona até uma colaboração com o Nazismo) e um histórico de ações violentas, como mantém ligações estreitas com grupos terroristas, inclusive com o Hamas (citado no texto como se estivesse absolutamente dissociado daquela organização). Sendo assim, se Irmandade Muçulmana apresenta ao público a sua face "higienizada", é impossível estabelecer, recorrendo ao seu histórico, às suas ações e articulações recentes, que seja a única, como indica a dissertação.

Agora, no que diz respeito à "democracia" – uma imaginária democracia "como os povos árabes a pensam" – e a expectativa de um "estado laico", "separando de uma vez por todas a política da religião" (citações do texto), é algo completamente disparatado dentro do Islamismo. Porque nele política e religião estão articulados já na sua raiz - no Corão – e sob uma orientação fundamental, a instauração do "Califado Universal". Nestes termos, por trás da aparente "democracia" de alguns países orientados pelo islã, o governo está subordinado à autoridade religiosa – exemplo disso é o que acontece no Irã, onde uma "aparente" democracia no processo eleitoral oculta a subordinação do poder civil e político à autoridade religiosa: basta verificar a relação entre Marmud Ahmadinejad e Ali Khamenei.

Em um país fundado no Islã, o Corão é a lei – não há distinção entre "lei civil" e "lei religiosa". Obviamente o Corão não contém todas as diretrizes; então, cabe à comunidade dos teólogos ("Umma") a interpretação do livro e o estabelecimento das orientações. Agora, Dimas, que espécie de Democracia é esta? Que Estado laico poderia ser constituído sobre estes fundamentos? Como é possível estabelecer uma separação entre política e religião se na própria raiz do poder islâmico elas são indissociáveis?

Enfim, falar em "revolução popular", "mundo mais fraterno, humano, socialmente justo", "democracia", "estado laico" – e, além disso, na "emancipação da mulher do jugo machista" – neste caso específico, é analisar os fatos e eventos, ou sob intenções panfletárias e propagandísticas, ou simplesmente examiná-los com palavras imantadas, quer dizer, fundadas apenas no "sentimento", na "paixão". O perigo de uma opção que "não passa necessariamente pela razão" é adotar a as paixões como único critério de verdade de suas crenças, e então ser estimulado a transformar o mundo na imagem e semelhança de uma obscuridade interior.

Grande abraço.

Bruno Braga.

Barbacena 28 de Fevereiro de 2011.


 

Thursday, February 10, 2011

Nos bastidores da realidade efetiva.


Bruno Braga.

 
"É porque então eu era louco que hoje sou sensato. Oh filósofo, que não vês nada além do instantâneo, como é estreita tua visão! Teu olho não está feito para seguir o trabalho subterrâneo das paixões", Goethe, 848. In STHENDAL, 2002, "O Vermelho e o Negro", p. 237.

 
Os esquemas que permitem a compreensão da realidade estão em camadas abaixo – ou detrás – à dos eventos, dos fatos concretos. Para que estes esquemas sejam trazidos para o primeiro plano é necessário desvelar, escavar, os eventos organizados, orientados e arquitetados por eles: trabalho que é da máxima importância, porque são estes mesmos esquemas os fornecedores do sentido, do significado, dos eventos do mundo concreto, tornando-os inteligíveis, compreensíveis, em um plano unificado. Nestes termos, qualquer tentativa de entender a realidade, quer dizer, um fato, um evento – e até um comportamento, uma ação - baseada apenas no exame superficial da ocorrência, é sem conteúdo, fundada apenas na aparência, no belo discurso, na retórica. Acontece que este método tem sido amplamente utilizado para explicar, não apenas o comportamento, as idéias e os sentimentos individuais, mas também manifestações políticas e sociais. No que diz respeito a estes últimos, os analistas de tais eventos, quando não têm a intenção de fraudar, por ingenuidade se fixam apenas no que aparece diante dos seus olhos, sem se atentarem para o que ocorre nos "bastidores", ou no "subterrâneo". Porém, é destas instâncias que emana o combustível que mobiliza as camadas visíveis da realidade. É na obscuridade onde são tomadas as decisões, onde é planejado e ensaiado o espetáculo assistido por todos, um evento previamente concebido. Por isso, a precariedade da luz na ilustração do subterrâneo não significa falta de consciência nas decisões – pelo contrário, na maioria dos casos as resoluções são muito bem arquitetadas, como verdadeiras obras de engenharia. Pois são estes planos, ou melhor, estes esquemas, que precisam ser revelados, para que seja possível compreender a unidade das ações, dos fatos, eventos, o sentido e o significado deles, no esforço de prever, sobretudo, as suas conseqüências.

 

 
(*) Nota. Estas considerações teóricas podem ser remetidas aos exemplos práticos descritos nos textos: "Um teólogo militante sob suspeita" e "A autovitimização de um frade dominicano" - publicados em 26 de Outubro de 2010 e 21 de Janeiro de 2011, respectivamente.

Friday, January 21, 2011

A "autovitimização" de um frade dominicano.

Bruno Braga.


 


 

"Infelizmente o nosso Governo não está abrindo os arquivos da ditadura. Mas a arte brasileira o faz, e o 'Batismo de Sangue' é primoroso neste sentido".


 

Com estas palavras Frei Betto comenta o filme "Batismo de Sangue", filme baseado no livro homônimo de sua autoria ("Batismo de Sangue", dirigido e produzido por Helvécio Ratton – DVD: Extras, Making Of, Tempo 21:05). O frade dominicano denuncia a existência de obstáculos, dificuldades, impedimentos, estabelecidos pelo "Governo" brasileiro para acessar documentos relativos ao período histórico em que o país esteve sob o regime militar. O filme, no entanto, preencheria a ausência da documentação oficial, pois ele, segundo o próprio Betto, "escancara os crimes da ditadura, a violência da ditadura" (Cf. seqüência do mesmo trecho do DVD citado acima), contando o envolvimento e a atuação de um grupo de frades dominicanos nas questões políticas da época, descrevendo ainda o conturbado contexto da ocorrência dos fatos.

Acontece que, ao conferir os patrocinadores do filme "Batismo de Sangue", verifica-se, surpreendentemente, o apoio do mesmo "Governo" criticado por Frei Betto. "Governo" que aparece representado por suas três esferas administrativas, Federal, Estadual e Municipal – respectivamente, pelo Ministério da Cultura (Brasil, Governo Federal), Governo de Minas (Cultura – "Filme em Minas") e Prefeitura BH (Cultura – Fundação Municipal) [Cf. A lista completa dos patrocinadores encontra-se imediatamente após este texto; nela constam ainda empresas públicas federais, estaduais e outras de caráter privado. Os patrocinadores podem ser conferidos nos créditos iniciais do filme e nos créditos do "Making Of", sendo os deste último no tempo 22:12].

Seria prudente, no mínimo, questionar: como o "Governo" brasileiro estaria dificultando a abertura dos arquivos da ditadura se, ao mesmo tempo colabora, financia, patrocina um filme que, segundo o próprio Frei Betto, "escancara", quer dizer, revela e denuncia os crimes e a violência de tal período da história nacional? Em outras palavras, se o "Governo" esconde uma documentação comprometedora, como, por outro lado, patrocinaria uma película que os substitui e, conseqüentemente, funcionaria como uma espécie de "auto-denúncia"? A confusão de Frei Betto é, na mais branda hipótese, estranha. Poder-se-ia tentar algum esclarecimento; não verificando os mecanismos "burocráticos" de acesso aos arquivos dos documentos – seria pertinente examinar o modo como foram representados os protagonistas do filme, e também analisar o próprio discurso de Frei Betto: em ambos está presente um elemento valioso para a compreensão pretendida, a "vitimização".

No filme de Helvécio Ratton os personagens principais, os frades dominicanos, são carregados de martírio e santidade - sobretudo Tito. Eles têm expressões faciais contemplativas, discursos melífluos adornados com a poética e com a "utopia". Traços que são trazidos para o primeiro plano da narrativa com o intuito claro de construir uma imagem, criar ídolos, heróis sacro-santos, enquanto as ações políticas são colocadas como simples pano de fundo. Ocorre que, a insistência na "nobreza" do caráter dos protagonistas, e o elogio de seus "elevados" propósitos – valorizados constantemente com a "utopia" – funcionariam como uma carta de permissão para qualquer movimento, intervenção, ou atividade, necessários para a concretização dos projetos "sagrados". Então, qualquer impedimento aos "elevados" propósitos dos "nobres heróis sacro-santos" significaria injustiça, violência, fazendo deles, conseqüentemente, vítimas – eles se tornam vítimas em qualquer situação de contrariedade, mesmo quando decidem pelo combate armado, estando, assim, em condição de igualdade com o "inimigo", isto é, tendo nas mãos o poder de matar.

A "vitimização" dos protagonistas de "Batismo de Sangue", contudo, não é apenas produto da direção do filme, ela já é um traço do comportamento das pessoas concretas que são reproduzidas na ficção. Ela pode ser diagnosticada a partir das próprias palavras de Frei Betto - a pessoa concreta que é transformada em um dos personagens centrais do filme – um exemplo efetivo de "autovitimização". O frade dominicano ainda se sente oprimido por um "Governo" que impede e obstaculiza o acesso aos documentos do período de regência militar, ainda que este mesmo "Governo", em suas três esferas administrativas – Federal, Estadual e Municipal – financie, patrocine um filme que retrata fielmente, segundo ele mesmo, um fato histórico e a sua própria vida. Frei Betto ainda acredita estar sendo censurado, constrangido, reprimido mesmo quando "Batismo de Sangue" conta com o apoio da maior empresa de mídia e comunicação do país (Cf. o apoio da Globo na lista abaixo). O dominicano sente-se perseguido, injustiçado, ainda que receba publicamente o status de "intelectual", e com ele prestígio, autoridade e influência - não apenas do grande público, mas também de seus pares e, inclusive, do mais alto posto do Poder, enquanto conselheiro pessoal do ex-presidente da República.

A "autovitimização" reconforta, é uma espécie de apaziguamento do espírito – ela aponta um "carrasco", e conseqüentemente fornece para indivíduo um "culpado" por tudo aquilo que lhe acontece de mal, isto é, um responsável por todos os infortúnios de sua vida, o isentando, automaticamente, de qualquer imputação pública ou da autoconsciência. O "culpado", então, passa a ser um eterno endividado: nada que faça para se redimir, e nem mesmo uma mudança total das circunstâncias que poderiam corroborar a sua responsabilidade, será suficiente para isentá-lo da "dívida". Por isso o "carrasco" é sempre "cobrado", e por causa do débito insolúvel deve ser acusado, quando não agredido ou insultado. A "vítima", por sua vez, tem um "garantidor" eterno para seus infortúnios, seus fracassos, para as contrariedades inerentes à vida, seus pecados íntimos, para seus crimes – ela não se responsabiliza pelo cumprimento de qualquer encargo, pois tem quem o pague. Tudo aquilo que a contraria, que obstaculiza seus desejos, ambições, a sua vontade, é de total responsabilidade do "carrasco": se a "vítima" não obtém ganhos materiais, financeiros, se não é correspondida em seus afetos, se não tem prestígio e reputação, reconhecimento intelectual, o "culpado" deve pagar.

Acontece que a "autovitimização" alimenta no indivíduo o ressentimento, uma profunda mágoa com relação ao "culpado" precariamente eleito, mas eternamente odiado. Sentimentos que podem se alastrar para o domínio cultural, criando um ambiente onde boa parte das pessoas se sente "vítima", se sente injustiçada, perseguida - por isso a grande maioria julga que deveria ser ressarcida e indenizada pelos "culpados", embora considere toda e qualquer forma de compensação insuficiente para mitigar seus suplícios eternos. Neste ambiente os ídolos, as personalidades de referência, também são pessoas perseguidas, discriminadas, são verdadeiros mártires, e por isso mesmo recebem o status de "heróis da nação", porque sofreram mais que a média geral. Transformam-se em heróis por causa do seu martírio, e não por suas ações, ímpeto e vigor. De fato existem "vítimas" e "carrascos" - porém, para "heróis", ou "mártires", construídos a partir desta relação, acontece algo estranho, que se expressa na confusão de Frei Betto: é que estes pretensos heróis se sentem "vítimas" ainda que tenham recebido status de autoridade, e com ele prestígio e respeito social; são vítimas mesmo tendo alcançado as altas esferas do poder político e econômico, recebendo com isso apoio e financiamento públicos e do setor privado. Com a força e influência política, social, poderio financeiro, os "heróis da vitimização" continuam se sentindo fragilizados, reprimidos e insultados, mesmo que seus poderes sejam infinitamente superiores ao do seu eterno "carrasco", do "culpado". Mas qual a causa da "autovitimização"? Um sentimento profundo de insegurança diante dos infortúnios inerentes à própria vida? Medo de "cara feia" ou não aceitação dos perigos da disputa ou do combate? Ou estratégia para a manutenção do poder e do prestígio social de quem passou a fazer parte do próprio "Governo", estimulando o sentimento de compaixão inerente ao ser humano? Bom, levantar estas hipóteses requer cuidado, porque em um ambiente de "autovitimização" elas poderiam ser consideradas uma inconveniência, quando não um insulto.


 

Batismo de Sangue.

Direção e Produção de Helvécio Ratton.


 

. Downtown filmes.

- Apoio e lançamento da Globo Filmes.


 

. Ancine – Agência Nacional de Cinema.

- Filme produzido e financiado com o apoio da Ancine.

- Projeto apoiado com recursos do Prêmio Adicional de Renda.


 

. Filme contemplado pelo Programa Petrobrás Cultural.

. Lei do Audiovisual Ancine / Lei de Incentivo a Cultura Ancine.


 

. Patrocínio:

- BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - Ação Cultural.

- Eletrobrás.

- Furnas.

- MBR – Minerações Brasileiras Reunidas – Uma Empresa Caemi.

- Usiminas.

- Gasmig.

- Cemig.

- Governo de Minas – Cultura / "Filmes em Minas".

- RM Sistemas.


 

- Realizado com os benefícios da Lei Municipal de Incentivo a Cultura de Belo Horizonte: Cultura; Cultura – Fundação Municipal; Prefeitura BH.


 

. Apoio Cultural:

- Universidade FUMEC.

- INFRAERO – Aeroportos Brasileiros.

- DotTech.


 

. Produtores Associados:

- Quanta.

- TeleImage.


 

. Apresentação:

- Petrobrás.

- V & M do Brasil.


 

. Produção:

- Quimera.


 

(*) Cf. Créditos iniciais do filme e créditos finais do "Making of", sendo que os deste último estão no tempo 22:12.


 

Friday, December 31, 2010

Uma mensagem pós-natalina.

Bruno Braga.


 


 

É tempo de festa. Celebração daquilo que foi chamado "boa nova", quer dizer, o nascimento do "Filho do Homem", que trouxe ao mundo a fé no amor e na caridade. Mensagem que se renova com as comemorações religiosas, mas que é também reaproveitada por discursos políticos. Com palavras que objetivam o coração, o socialismo-comunismo prega a igualdade, a fraternidade e a justiça. Seus correligionários se inflamam para reivindicar a eliminação das distorções sociais, o acolhimento dos excluídos, a distribuição equitativa das riquezas, e, enfim, uma conversão do "olhar" para que as pessoas se tornem mais justas, compassivas e amorosas. Uma bela e sedutora mensagem, que, por possuir um conteúdo nobre, ou seja, o "bem da humanidade", acaba inoculando em seus partidários a certeza de estarem agindo na defesa e na proteção do mundo – estes, então, para concretizarem seu elevado propósito, acreditam que têm permissão para tudo: para insultar, agredir, corromper, destruir, torturar, mutilar, e, inclusive, matar: como se fez no passado, em escalas assustadoras, empunhando bandeiras vermelhas sob os gritos da revolução.

Se neste momento de festejos e trocas de presente qualquer palavra ou ação recebe um estímulo do "espírito natalino", que faz precipitar mensagens de paz, de amor, talvez fosse adequado um momento de silêncio: não só para evitar repetições, mas também manifestações vazias, disparatadas, afetadas. Contra o falatório político partidário, por sua vez, é pertinente quebrar o mutismo, renovando as palavras de Churchill: "As tolices do socialismo são inesgotáveis. Falam de camaradagem e pregam a irmandade dos homens. Quem são eles? São as pessoas mais deploráveis. Falam sobre uma irmandade comum no mundo inteiro! Mesmo entre eles, há vinte facções discordantes que se odeiam umas às outras, até mais do que odeiam você e a mim. Que falsidade! Vocês não podem sentir uma sensação de náusea na presunção arrogante de superioridade dessas pessoas? Superioridade de intelecto! 'Estamos buscando', eles dizem, 'um estágio da humanidade muito melhor do que a atual esquálida raça humana jamais poderá atingir'. E quando se trata da prática, caem por completo não só ao nível dos homens comuns mas a um ponto muito abaixo da média". [Winston Churchill, 11 de Dezembro de 1925, Tow Hall, Baterrsa. In CHURCHILL, W. Jamais ceder! Os melhores discursos de Winston Churchill. Zahar: Rio de Janeiro, 2005].


 


 

(*) Nota.


 

Este breve texto foi redigido sob o estímulo da leitura do artigo "O que devemos esperar em 2011?", de Dimas E. Soares Ferreira, publicado no site "Barbacena On line" – especificamente da passagem:

Hoje, nós cristãos nos esquecemos que há dois mil anos atrás um homem se levantou contra as injustiças impostas ao seu povo por uma elite corrupta que se aliou ao dominador imperialista estrangeiro. Este homem, mais do que "filho de Deus" foi um revolucionário, que ousou dizer que era preciso dividir o pão entre todos e que todos eram filhos de Deus [http://www.barbacenaonline.com.br/noticias.php?c=5139&inf=100].

Não há, aqui, nenhuma pretensão de estabelecer ataques pessoais, nem discutir a biografia do autor do artigo, já que desconheço completamente suas posições políticas, ou sua filiação partidária - embora a imagem de Jesus Cristo utilizada por ele forneça algumas pistas. No entanto, é esta mesma imagem - e não a pessoa que a descreve – que motiva o texto acima, pois é uma distorção, um falseamento, talvez inconsciente, para se adequar a uma concepção política. Porque Jesus Cristo, na descrição de Dimas Ferreira é praticamente um antepassado de "Che Guevara" – "levanta-se contra injustiças impostas ao seu povo", combate uma "elite corrupta" aliada de um "dominador imperialista estrangeiro", enfim, é um "revolucionário" – faltou-lhe apenas uma boina, um uniforme militar, um fuzil, e uma bela palavra de ordem: "Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jámas" (Ernesto Guevara). É preciso, ou desconsiderar o Cristianismo, ou "reler" a Bíblia a partir de outros princípios, para construir esta imagem de Jesus Cristo. Desconsiderar o Cristianismo porque é o mesmo "Filho do Homem" que responde a maliciosa questão dos fariseus se deveriam ou não pagar os impostos a César: "'Por que me quereis armar um laço? Mostrai-me um denário'. Apresentaram-lho. E ele perguntou-lhes: "De quem é esta imagem e a inscrição? – 'De César', responderam-lhe. Jesus então lhes replicou. 'Daí, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus" (Mc 12, 15-17 – Cf. Rom. 13, 1-7). Isto não significa conformismo, resignação, mas aponta o destino da mensagem cristã: o indivíduo e sua autoconsciência, reduto onde se dá a experiência efetiva da revelação, da conversão, da "graça". O mundo externo está submetido ao tempo, à corrupção, e à transitoriedade. A "idealização do Estado", por sua vez, é uma "abstração", sem realidade concreta. Por isso o Cristianismo se utiliza da simbologia do "coração", pois é nele que se realiza a mensagem do "amor", da "compaixão", para então ser o fundamento das virtudes, da justiça e da caridade. Agora, sobre a "releitura" da Bíblia, sobre os princípios utilizados para construir aquela imagem distorcida de Jesus Cristo, fica evidente quais são no próprio vocabulário utilizado por Dimas Ferreira: um amalgama do marxismo, socialismo, comunismo, que modela um "anti-imperialista", um "ativista social anti-burguês", quer dizer, "um revolucionário" – uma causa que, como acima destacado, o "filho do Homem" não defende. Ele que replica o Tentador no Deserto: "Não só de pão vive o homem [...]" (Deut. 8, 3) [Mat. 4, 4] – e proclama: "onde está o teu tesouro, lá também está teu coração" (Mt., 6, 21).


 


 

Tuesday, October 26, 2010

Um teólogo militante sob suspeita.

Bruno Braga.



Em um momento decisivo para o país, no qual serão firmados, ou reiterados, compromissos políticos, é oportuno analisar idéias e propostas; sobretudo quando elas deixam a esfera intelectual para balizar um plano de governo. A julgar por suas aparições e discursos em palanques de candidatos, quer dizer, "candidatas", este tem sido o itinerário das concepções do teólogo Leonardo Boff. Contudo, em vez de aceitá-las inadvertidamente, sob o mero "argumento de autoridade", ou seja, de serem idéias de um "intelectual", seria no mínimo prudente colocá-las sob uma análise crítica para verificar se têm, efetivamente, algum fundamento. Para evitar qualquer mal-entendido, é necessário fazer uma advertência preliminar: esta análise não tem nenhuma motivação político-partidária, embora o resultado possa induzir o eleitor a refletir sobre sua escolha – de qualquer modo, este breve texto tem somente uma motivação filosófica, trata-se de um esforço de compreensão.

Em um artigo intitulado "Pessimismo capitalista e o darwinismo social" (http://www.leonardoboff.com/site/lboff.htm), Leonardo Boff propõe uma "limitação" do egoísmo. Para isso seria necessário adotar "formas de cooperação", firmadas por mecanismos "adequados" de organização social e fundadas na substituição do "eu" pelo "nós".

Imaginar uma comunidade regida pelos princípios e pressupostos estabelecidos pelo teólogo gera, no leitor, conforto e satisfação: nela há bem-estar, cooperativismo, segurança, ausência de conflitos, preservação ambiental livre da exploração "irracional" e "predatória". Ocorre que, para passar do "plano ideal" para o concreto, e estabelecer uma sociedade nestes moldes, não basta apenas uma mudança legislativa: é necessário, indica Boff, "modificar o olhar das pessoas sobre a realidade", fazendo com que elas enxerguem o "outro" e mitiguem, assim, o seu egoísmo em favor do "nós". Antes de assumir um projeto desta envergadura é prudente verificar a sua viabilidade, sua base, estrutura de constituição, sem deixar de projetar as possíveis conseqüências de sua implementação. Para desenvolver esta análise é apropriado recorrer a outros pensadores e idéias – não com o objetivo de fazer prevalecer novamente o "argumento de autoridade", e sim tomá-los como "referência" para disputar a coerência da descrição dos fatos e, conseqüentemente, uma decisão refletida.

Uma das teses fundamentais do pensamento kantiano é a incapacidade de transpor a individualidade por meio do conhecimento teórico. O sujeito que conhece é necessariamente particularizado por seu aparato cognitivo, que impõe a individualidade do sujeito do conhecimento, e a pluralidade dos objetos que são conhecidos – um aparato que estabelece, ainda, a intermediação entre o sujeito e o mundo à sua volta. Em outras palavras, entre o "eu" e os "outros" há sempre algo que se interpõe, ou seja, o aparato cognitivo. Portanto, não é através deste "algo", quer dizer, do instrumental do conhecimento, que é possível ultrapassar a barreira entre o "ego" e o "outro", pois ele, o aparato cognitivo, é a própria barreira. Esta concepção gera não apenas um problema epistemológico – se o mundo é "real" ou apenas um produto das faculdades cognitivas - mas também um problema "ético": como fundamentar uma moral universal, e não contingente? Para solucionar o problema ético Kant fundou a moral em um imperativo da razão; não da "razão teórica", mas da "razão prática", legisladora para todo ser racional, independente e superior em relação à baixa faculdade de desejar. Assim, a moral kantiana está assentada sobre um "imperativo categórico" da "razão prática": "ajas de acordo com uma máxima que possa se tornar uma lei universal".

Embora o grande mestre de Königsberg tenha despertado a filosofia para um problema efetivo, a solução que apresentou para fundamentar a moral fora ineficaz. Porque a "escolha" de "uma máxima que possa se tornar lei universal", quer dizer, válida para todos, fica a cargo de um sujeito, de um "ego"; por sua vez, mesmo que o imperativo seja uma determinação da "razão prática", é, ainda, produto de "uma razão", ou seja, de uma ferramenta do aparato cognitivo que realiza a intermediação entre o "ego" e o mundo à sua volta. Nestes termos, para escolher uma "máxima" que possa se estendida a todos, o sujeito não teria a que recorrer, exceto a si mesmo, ao seu interesse e bem-estar particulares, para decidir – portanto, seja qual for a sua escolha, ainda que uma complexa elaboração racional, é, em última instância, uma escolha "egoísta".

Para tentar solucionar o problema deixado por Kant, Schopenhauer indica uma via: a autêntica moral está fundamentada em uma "experiência intuitiva", independente da razão, de conceitos abstratos, juízos, dogmas – enfim, sem qualquer intermediação do aparato cognitivo; algo independente da "vontade consciente" do indivíduo, que de maneira súbita, imediata, atravessa o véu da individualidade imposto pelas formas do conhecimento que separam o indivíduo de seu semelhante. Uma experiência "mística" – não "divina", mas absurda e terrível - através da qual o indivíduo reconhece no "outro" a sua mesma essência, que é também a do mundo todo: uma Vontade obscura e insaciável, una e indivisível, que iludida pelo instrumental cognitivo se agredia, violentava, mutilava cravando os dentes na própria carne; reconhecendo-se, nesta unidade essencial, agora se cala, se compadece. Para Schopenhauer este é o grande "mistério da ética", da "Compaixão", o autêntico fundamento da moral – restrito exclusivamente à dimensão e experiência do indivíduo: outras instâncias, como por exemplo, a política, do Estado e das leis, ou da religião dogmática e seus mandamentos, são elaborações da razão, ou seja, de um "ego" que as construiu para preservar seus "interesses", de acordo com as ilustrações, respectivamente o bem-estar, a propriedade e a vida do cidadão em sua comunidade, ou a "graça" para o fiel em sua existência terrena, e o Paraíso após sua morte.

Depois deste breve percurso por entre as teses de Kant e Schopenhauer, é preciso tomá-las, agora, como "referência" para analisar a proposta de Leonardo Boff, a superação do "eu" em direção ao "nós". A princípio Boff parece desprezar as lições dos filósofos alemães. Se de fato as considera, quando utiliza em seu texto o termo "limitação" – e não "eliminação" – o teólogo não percebe que, mesmo poética, bela, e sedutora, sua proposta é uma elaboração do "ego", é ainda "egoísta". Além de ser a "projeção" de um sujeito que deseja e quer uma sociedade adequada a tal "modelo", o próprio formato dado a ela não elimina a individualidade. As "formas de cooperação", pelo contrário, conservam os interesses particularidades, os desejos e ambições característicos de cada pessoa que compõe o grupo: a comunidade é apenas um meio, um instrumento, para proteger interesses gerais, como o conforto, o bem-estar, a vida, a propriedade, e permitir a realização de aspirações particulares, sejam elas profissionais, intelectuais, amorosas, e outras. Neste sentido, uma sociedade de "cooperação" é formada por indivíduos "egoístas" – mesmo quando eles se preocupam com a natureza, sua morada e nutriz, estão preocupados com a garantia de seus interesses gerais e particulares, e, em última instância, com a perpetuação da sua linhagem.

Diante do "egoísmo" generalizado, e irremediável em termos de organização social, a "cooperação" exige a determinação de regras que reprimam o egoísmo dos indivíduos em limites aceitáveis, de modo a permitir a convivência e as relações recíprocas. As leis serviriam para refrear, com o contra-argumento da punição certa e severa, as motivações egoístas: utilizando a metáfora schopenhaueriana, a legislação é como a focinheira que detém o cão faminto e furioso.

Boff não se atenta para o fato de que uma autêntica moral – totalmente destituída de interesses particulares - não é dada por critérios exteriores, ou seja, pela simples observação de que as pessoas vivem em "cooperação". Elas podem estabelecer relações recíprocas sobre motivações "egoístas", de modo que o "outro" seja apenas a garantia, e um meio, de sua realização particular. A autêntica atitude moral é confirmada apenas na interioridade, na consciência particular de cada sujeito, em uma experiência intuitiva e completamente "desinteressada", livre de dogmas, mandamentos, leis. Mas, não parece que as pessoas firmem relações ordinárias sob "êxtase místico" – embora não afastado definitivamente, este é um fenômeno raro e excepcional. Não fosse assim o teólogo não proporia uma "mudança radical".

Para que o "egoísmo" ceda espaço para o "nós" é preciso que haja uma mudança fundamental, diz Leonardo Boff, uma "mudança do olhar sobre a realidade". O que quer dizer o ilustre teólogo? Que é necessário enxergar as coisas como elas "deveriam ser" em um "mundo imaginário", e não como de fato são? Ou a proposta de Leonardo Boff é ainda mais audaciosa, quer dizer, modificar a própria natureza humana, reinventar uma nova forma de epistemologia, de ver e compreender o mundo? Certo é que a proposta do teólogo tem uma direção definida, rumo ao "nós", mitigando cada vez mais o "ego", a individualidade.

O texto de Leonardo Boff, realmente, não tem a pretensão de ser um tratado de política, nem mesmo um caderno de "plano de governo", especificando detalhadamente todos os projetos e atividades do poder público. Mas, seu "adital" é apenas uma nota de "esclarecimento" ou pretende o teólogo simplesmente "aditar", quer dizer "proporcionar dita ou felicidade", consolar seus leitores com belas palavras e um esperançoso discurso poético? A contar pela militância de Leonardo Boff - primeiro no lançamento da candidatura à presidência da república de Marina Silva; agora, no segundo turno, ao lado da candidata autora do PAC, programa criticado por ele mesmo como uma "racionalização do irracional" – suas idéias alcançam uma dimensão diferente, política: o plano do "grupo", do "partido" ao qual está associado, que lhe concede "autoridade" para modificar "a forma de ver" das pessoas. Porém, que "óculos" elas serão obrigadas a usar para "enxergar melhor"? Aqueles elaborados pelo "ego" dos seus partidários, disfarçados de "consciência social" ou coisa parecida? É no mínimo suspeito um programa sobre estas premissas... 

Enfim, em alguma coisa Leonardo Boff tem razão: as pessoas são mais que produtores e consumidores. Além disso, a miséria, a fome, o sofrimento e as mortes provocadas pela ganância desmedida, e com ela a má distribuição de renda, são moralmente condenáveis. No entanto, para reajustar esta balança e tornar a existência de algum modo mais tolerável, não é preciso uma obra de "engenharia humana", ou uma espécie de "pedagogia universal". Não é necessário reprimir a individualidade, o "ego", em detrimento de um abstrato e vazio "nós" – porque, se da lição schopenhaueriana é ainda possível extrair algo, ela indica que cada indivíduo carrega consigo a essência una e indivisível do mundo; embora seja ela obscura, impetuosa, corrompida, traz consigo a capacidade total da autêntica moral, sem necessitar de qualquer aditamento estranho, exterior. Se é um fenômeno raro e independente de sua vontade, ao indivíduo resta apenas um esforço incansável de compreensão do mundo e do "outro" - mesmo que a "realidade" seja sombria e tenebrosa, para que, do contrário, o cultivo da "honestidade intelectual" não seja suprimido por um "nós" transformado em um cruel e vigilante "super-ego".

Saturday, October 16, 2010

O "fenômeno religioso" no processo eleitoral de 2010.


Bruno Braga.

 
O segundo turno da disputa presidencial no Brasil tem sido fortemente carregado por uma atmosfera religiosa, destaca a imprensa nacional. Ocorre que, é um engano pensar que a fé, a crença, impregna a política apenas na segunda etapa do pleito. Na primeira fase foram muitos os candidatos que se elegeram para ocupar as câmaras estaduais, a câmara federal, e o senado, valendo-se de discursos religiosos: as crenças, os ritos e as Igrejas, foram utilizados para convencer o eleitor, ou o fiel, a confiarem-lhes um mandato – na esfera do poder executivo federal passou-se o mesmo; contudo, a candidata representante do "fator religioso" não venceu a corrida eleitoral. 

Marina Silva, do Partido Verde, expressou claramente o poder da religião no primeiro turno das eleições. Logo no lançamento de sua candidatura o discurso de um teólogo: Leonardo Boff, que defende um tipo peculiar de Ecologia [http://www.leonardoboff.com/site/lboff.htm], que envolve não apenas a questão ambiental, mas também, uma ecologia social, uma mental, e a integral, interligadas, obviamente, na unidade divina. Idéias que transparecem no discurso da candidata Marina Silva: nas propostas ambientais para um desenvolvimento sustentável; no modelo de governo, fundado na "conciliação", no qual as pessoas estariam unidas, todas, independentemente da classe e dos interesses, de "mãos dadas" para o "bem" do Brasil. Além do discurso, Marina se apresenta como uma "entidade espiritual" – veste-se com trajes que remetem às suas raízes no estado do Acre, adornados com xales pomposos e rústicos; esforça-se para manter uma expressão facial serena, tranqüila – Marina parece uma divindade indígena, um pouco "sofisticada", saída diretamente da floresta. Mas, em vez da ritual indígena, do "paganismo", Marina pertence à "Assembléia de Deus", Igreja evangélica que lhe concedeu, através de seus fiéis, um bom número de votos. Não suficientes, é verdade, para conduzirem a sua predileta ao segundo turno das eleições, mas fundamentais para fortalecerem a imagem da candidata. Outra porcentagem dos votos recebidos por Marina Silva está associada justamente à sua imagem "sacro-santa", que induz o eleitor a pressupor, nela, a moral, a ética, que tanto faltam à reputação pública do político em geral. E a última parcela do eleitorado de Marina é a dos que votaram por "protesto", escolhendo alguém diferente dos dois pólos partidários principais, PT-PSDB – porém, um protesto fundado na imagem da candidata e sua suposta moralidade.

O "fenômeno Marina" na reta final do primeiro turno foi fundamentalmente explicado pelo voto em uma "opção diferente" – o elemento "religioso", no entanto, que tanto contribuiu para a sua escalada, foi desprezado, uma vez que esteve "velado". Agora, no segundo turno das eleições, quando a religião é trazida a primeiro plano, verifica-se que ela esteve sempre presente. Permanece para robustecer a imagem de Marina Silva, cortejada pelos dois candidatos que permanecem na disputa, e é perpetuada no conteúdo dos debates entre os dois candidatos que disputam o segundo turno.

José Serra afirma, em tom de "acusação", que Dilma Rousseff, se eleita, irá legalizar o aborto – uma heresia sem perdão para os fiéis. A esposa do candidato participa da campanha, diz que Dilma é a favor de "matar criancinhas" [http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/monica-serra-dilma-e-a-favor-de-matar-criancinhas]. Em homilias e sermões, padres e pastores também "pregam". O debate passa a ser, não mais político, mas "teológico". Sob pressão, e temendo perder os votos da imensa comunidade religiosa, os candidatos julgam necessário afirmar suas crenças: uma aparece em foto, coberta por com um véu, sendo abençoada pelo o Papa [http://blog.missadesempre.com/2008/11/dona-marisa-e-dilma-rousseff-usando-vu.html]; o outro anda acompanhado, freqüentemente, de alguém que, além de recém eleito governador do maior Estado do Brasil, apresenta fortes evidências de pertencer à Opus Dei [http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,,EPT1107598-1664,00.html].

Dilma, foco dos "ataques", quer dizer, das "acusações", é chamada a afirmar, provar, publicamente sua fé, declarar abertamente suas crenças. José Serra exige, no primeiro debate televisionado do segundo turno, que Dilma afirme claramente a existência de Deus [http://videos.band.com.br/] – algo que seu padrinho político negou, e por isso teve maculada sua imagem pública. Dilma ganha, como testemunha de defesa um religioso, Frei Betto – amigos de infância, e companheiros, embora em alojamentos distintos, de cárcere, assegura o frei: Dilma é "pessoa de fé cristã", e não contrária aos "princípios evangélicos" [http://www.revistaforum.com.br/blog/2010/10/10/frei-betto-dilma-e-a-fe-crista/].

Esta breve, e precária, reconstrução do cenário da disputa pela cadeira presidencial pretende apontar a força da religião neste momento de decisão política. Contudo, não sob motivação carismática, e sim em tom de denúncia: o perigo de fazer das doutrinas de fé a autoridade suprema para decidir temas relevantes para a sociedade em geral – temas considerados "polêmicos", como o "aborto", a "união homossexual", e, inclusive, a pesquisas e utilização de células-tronco em tratamentos médicos. Compromissos têm sido firmados através de declarações públicas, "carta de intenções" - acordos estabelecidos apenas com autoridades religiosas sobre estas e outras questões. Medidas unilaterais que desprezam não só o bem-estar, a saúde, e a vida, das pessoas diretamente envolvidas com as questões "polêmicas", mas também ignoram o conhecimento científico. Este poder deve ser dado à religião? São, de fato, as autoridades religiosas, detentoras da autêntica moral, da ética, e também do conhecimento? Aliás, "crer em Deus" é pré-requisito para ser presidente do Brasil? A religião chancela definitivamente a reputação do indivíduo? O mal é cometido não só por partidos políticos, ou empunhando-se a bandeira da nação, mas também em nome de Deus. O velho dito espanhol, utilizado como metáfora religiosa, é um alerta pertinente neste momento, para evitar terríveis conseqüências futuras: "Detras de la cruz está el Diablo" (apud SCHOPENHAUER, 2000, PPII, p. 360).