Bruno Braga.
O
artigo de Ronaldo Sérgio da Silva – “Planos para um futuro recente” [1] – é uma
espécie de orientação para o eleitor de Barbacena, cidade de Minas Gerais. O
pano de fundo, e elemento justificador, da sua proposta é uma fórmula
conhecida: a de que “a história de todas as sociedades que existiram até hoje é
a história de luta de classes” [2]. Barbacena, como amostra microcósmica, também
está submetida à lei que rege a história das sociedades - a “luta de classes”, na
qual se enfrentam, neste momento, a “burguesia” e o “proletariado”.
Para
além da contradição entre os conceitos no título do texto [3], a adoção de um “pano
de fundo” que fixa a consideração em termos de “classe” impõe imediatamente um
problema para Ronaldo Sérgio. Uma “classe” não tem realidade efetiva – apenas a
têm indivíduos reais, concretos, de carne, osso e sangue: somente estes
poderiam se lançar em uma disputa. Além disso, é preciso questionar: há, de
fato, uma organização na qual todos, todos, os indivíduos assumem a posição de uma
ou outra “classe”? Como são determinados os critérios que caracterizam um
indivíduo como “burguês” e outro como “proletariado”?
Não
é preciso muita perspicácia para notar que a distribuição dos “uniformes” para
cada um dos “exércitos”, e a configuração do próprio “campo de batalha”, não caiu
do céu – elas foram estabelecidas de alguma forma, e certamente por alguém, ou
por um grupo, que está do “lado do bem”. Sendo assim, a fórmula adotada por
Ronaldo Sérgio, e o discurso que construiu a partir dela, são apenas uma teia
de ideias criada, ou para justificar a sua própria posição dentro de um domínio
de convivência com outras pessoas, ou para maquiar interesses objetivos de
poder.
Que
o discurso ideológico – como o da “luta de classes” – não é uma descrição da
realidade, o próprio autor do artigo indica, quando alerta o eleitor sobre a
necessidade de identificar políticos que tenham uma “inspiração ideológica
apropriada”. Entre tantas ideologias, qual seria, então, a “apropriada”? Ronaldo
Sérgio trata de esclarecer: é a “ideologia” dos candidatos que entendam a
sociedade como “una” e “indivisível”, que determine “o progresso individual e
coletivo”, o “desenvolvimento integral da sociedade baseados em princípios
universais”.
Da
“inspiração ideológica apropriada” de Ronaldo já salta um obstáculo evidente: “unidade”,
“indivisibilidade”, “integralidade” e “universalidade” são conceitos estranhos
em um cenário de guerra e de conflito – dividido pela “luta de classes”. Quer
dizer, para quem assumiu o “lado do bem”, a “universalidade” não inclui o seu “inimigo”
- o “adversário” deve ser eliminado, asseverou o próprio Marx: “a existência da
burguesia não é mais compatível com a sociedade” (2002, p. 57). Ademais, as
fórmulas apresentadas, que incluem ainda as ideias de “progresso” e
“desenvolvimento”, são tão abstratas, vagas e estratosféricas, que precisariam
ser preenchidas com algo real e concreto: que atenderia, sem dúvida, o gosto e as
preferências de quem moldou o discurso, daquele que o configurou para o próprio
consolo e reconforto, ou para justificar interesses de agentes reais e
concretos que disputam o poder.
Aliás,
Ronaldo Sérgio se define como um “agente”: “SOMOS os verdadeiros agentes de
transformação da sociedade”. Ele, certamente, não é um “burguês” – o “inimigo
da humanidade”. Mas, ele é, de fato, um “proletário”? O que o define como tal,
e quem fixou os critérios que lhe dão o “uniforme” e as “armas” do “exército do
bem”? Enfim, a orientação de Ronaldo Sérgio é, ou a expressão dos seus
sentimentos, ou, por trás da “inspiração ideológica apropriada”, ele oculta os
seus interesses de poder ou o dos de seus pares?
Ronaldo
ainda projeta uma “nova sociedade” sobre “novas bases”, que substitua o poder
político que “não generalizará a penúria” – o autor, provavelmente, pretendia
dizer “que generaliza a penúria” – por um que lute com a massa pelo
“indispensável”. No entanto, a experiência efetiva, real, da proposta “revolucionária”
adotada por ele – a do Marxismo-Socialismo-Comunismo – produziu, não só “penúria”,
mas morte, carnificina, genocídio e também degradação intelectual.
Esta,
a corrupção intelectual, é possível perceber quando a “Ideologia” é projetada
para revisar toda a História. Acontece que o discurso ideológico nasce em um
dado momento, e ele mesmo aparece separado do poder: ou como forma de
legitimação, ou com o objetivo de reivindicá-lo. Isto não aconteceu na Idade
Média, como observa o articulista, período no qual não havia separação – lacuna
- entre o discurso de legitimação e o próprio exercício do poder, porque ambos
estavam imbricados na estrutura da própria sociedade [4]. Nestes termos, Ronaldo
incorre em um equívoco de compreensão histórica e metodológica, projetando a
“Ideologia” em um passado no qual ela não existia.
Enfim,
a orientação destinada aos eleitores de Barbacena, redigida por Ronaldo Sérgio,
é um discurso artificial, construído para, ou consolar-se pela posição que
ocupa no corpo social, expressando seus sentimentos e expectativas, ou legitimar
a sua ambição de poder, ou a de seu grupo. De qualquer modo, sejam quais forem
as motivações e os objetivos de Ronaldo Sérgio, a “Ideologia”, aqui, é um
substituto da realidade na qual ele mesmo se encontra.
Referências.
[1].
Ronaldo Sérgio da Silva, “Planos para um futuro recente” [http://www.barbacenaonline.com.br/noticias.php?c=8144&inf=100].
[2].
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto
do Partido Comunista. Trad. Pietro Nassetti. Editora Martin Claret: São
Paulo, 2002. p. 45.
[3].
Ou é “futuro” – o que está por vir, por acontecer - ou é “recente”, que ocorreu
há pouco.
[4].
Além disso, não é permitido falar em “Ideologia” sem que haja uma política de
massas.
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