Bruno Braga.
Adler,
em “How to read a book” [1], observa que, se o leitor – e eu amplio a
consideração também para o caso de um adversário no debate - não é capaz de
demonstrar que o autor, ou seu oponente de discussão, está: (a) “desinformado”;
ou (b) “mal informado”; ou ainda, que (c) a articulação dos argumentos entre
si, e deles com a conclusão, não têm lógica - então, a este mesmo leitor, ou
debatedor, não caberia discordar [2]; exceto na hipótese de se alegar a
“suspensão do juízo” para poder avaliar as considerações apresentadas e investigar
melhor o assunto.
Porém,
as discordâncias fundadas no “gosto” – “eu não gosto do que diz” - ou na “forte
impressão” – “eu tenho a impressão de que esta concepção está equivocada” – são
apenas expressões de sentimentos e de preconceitos: é uma oposição que, sem qualquer
justificativa, razão ou contra argumento objetivo, funciona apenas como
artifício para preservar ideias pré-concebidas ou para se salvar da derrota
inevitável em um debate.
Outra
amostra deste tipo de argumentação vazia é a expressão “Eu não sei o que você
quer dizer, mas acho que está errado”, que aparece não apenas em conversas e
discussões ordinárias, mas também em debates públicos e até mesmo no ambiente
acadêmico.
Mas,
se o objetivo do leitor é a compreensão, o conhecimento – e o dos debatedores é
a busca da Verdade –, então a oposição infundada dos argumentos se torna uma espécie
de bloqueio. Sintoma de que a sinceridade do leitor e do debatedor está
comprometida, ou pela vaidade, ou por terem, inocente, ou inconscientemente, fixado
uma posição previa, assumido “um lado”. Neste último caso, qualquer concepção
que desbanque os seus pré-conceitos é instantaneamente contestada: “Não!”;
“Você não vai me convencer!” – ou, “Eu não sei o que você quer dizer, mas acho
que está errado” [3].
Porém,
o que estimula e sustenta tão fortemente este bloqueio? Que raiz resistente é
essa que nem mesmo a expectativa de alcançar a Verdade é capaz de arrancá-la? É
simplesmente a reação de uma pessoa que teve o orgulho arranhado ao ficar
patente que não tinha fundamento o que obstinadamente defendia? É a vergonha de
ter exposta a sua ignorância? Ou será a defesa cega de uma doutrina inoculada
na mente e no espírito durante anos a fio? É o temor de concordar com a posição
contrária e ser considerado um traidor pelo seu grupo e dele ser excluído? É o
receio de ser insultado, censurado, e perder a companhia dos seus pares? É o
pavor de imaginar a sua reputação manchada ou destruída?
Para
avaliar a contestação infundada é necessário levar em conta as
particularidades, as circunstâncias e condições de cada leitor, ou debatedor.
Mas, não só isso – é preciso que eles mesmos, leitores e debatedores, façam um exame
profundo de consciência, sondando, impiedosamente as dimensões mais abissais do
seu interior em um sincero ato de confissão: se eles ainda estão dispostos a
buscar a Verdade, é da abertura da alma que nasce o autêntico impulso em
direção a ela.
Referências.
[1]. ADLER,
Mortimer. How to read a Book: The art
to getting a liberal education. Simon and Schuster: New York, 1967.
[2].
Cf. ADLER, 1967, p. 261.
[3].
No atual estado de coisas, as pessoas internalizaram de tal modo as concepções
de “um lado”, que elas são incapazes de perceber o seu “partidarismo”. Para
ilustrar, basta pensar no termo “direitista”. Ele está associado a algo
censurável, repugnante, mau, embora, na maior parte dos casos, não se tenha
dele qualquer conhecimento objetivo fundado – assim, acaba se transformando em uma
palavra imantada, neste caso, carregada de sentimentos de repulsa.
Sugestões
de leitura.
[1].
BRAGA, Bruno. “Orientações para o exercício da leitura” [http://dershatten.blogspot.com/2012/03/normal-0-21-false-false-false-pt-br-x_05.html].
[2].
Cf. BRAGA, Bruno. “Sinceridade e Conhecimento” [http://dershatten.blogspot.com/2012/02/normal-0-21-false-false-false-pt-br-x_26.html];
“O artifício de negar a Verdade para afirmar as suas próprias verdades” [http://dershatten.blogspot.com/2011/09/o-artificio-de-negar-verdade-para.html];
“As dimensões do debate intelectual” [http://dershatten.blogspot.com/2011/09/as-dimensoes-do-debate-intelectual.html].
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