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Tuesday, November 22, 2011

Projeção de sentimentos e análise política.

Bruno Braga.


 

Em resposta enviada ao articulista Dimas Enéas [1], observei que o texto de Delfim Netto, citado por ele, apresenta mais uma expressão do sentimento do autor que propriamente uma descrição dos fatos - sobretudo no que se refere ao manifesto "Ocupe Wall Street". Em outras palavras, Delfim Netto discursa sobre "o que ele pensa que é" o protesto, "o que ele quer que seja", ou "o que ele espera ser". Uma ilustração pode ser extraída do próprio artigo do economista:

"É com esse sentido do papel do trabalho com o qual o homem se constrói e produz um mundo onde tenta se acomodar em uma estrutura social conveniente que devemos entender os protestos dos 'enragées', que se intensificam na Europa e nos EUA" [2]. (Os grifos são meus).

No trecho citado o autor apresenta um "sentido" através do qual se "deve entender" o manifesto "Ocupe Wall Street" – um imperativo. No entanto, quando os dados da realidade efetiva são rastreados [3], e, conseqüentemente, são confrontados com o discurso de Delfim Netto, e também com o de Dimas Enéas, verifica-se que as considerações deles são uma massa confusa composta por alguns dados da realidade – como a crise financeira americana e seus efeitos, por exemplo – mas apreendidos e expressos conforme seus sentimentos e expectativas.

A deficiência deste expediente não é a presença de sentimentos e expectativas – mas sim o procedimento de antepô-los a um mapeamento da realidade efetiva. Não é possível formular um discurso analítico, científico, sem delimitar o plano de exame e rastrear nele os dados objetivos. Exceto quando se pretende estimular condutas; auto-justificar as próprias idéias, concepções e comportamento; ou ainda inocular no leitor a imagem à qual ele pretende estar associado no contexto do fato descrito – elementos que compõem o discurso do "agente político". Embora assinem os textos como analistas – Delfim Netto como economista, e Dimas Enéas como analista político -, e por isso mesmo estão automaticamente comprometidos com a descrição do fato, os articulistas substituem os dados objetivos referentes a este fato (o protesto "Ocupe Wall Street") e projetam nele os seus sentimentos, as suas expectativas, e até mesmo as suas ideologias, para explicá-lo: julgando-se analistas, escrevem como "agentes políticos".


 

Referências.

[1] http://dershatten.blogspot.com/2011/11/um-contra-exemplo-e-uma-controversia_15.html

[2] Idem.

[3] Isto é, quando se verifica os articuladores e estrategistas do protesto, o perfil dos manifestantes, os financiadores do movimento e aqueles que o apóiam na esfera política e cultural. Alguns destes dados podem ser consultados em: "O risco de freqüentar a posição de contra-exemplo é tornar-se um mau-exemplo" [http://dershatten.blogspot.com/2011/10/o-risco-de-frequentar-posicao-de-contra.html]; "Um Contra-exemplo e uma Controvérsia – Episódio II" [http://dershatten.blogspot.com/2011/11/um-contra-exemplo-e-uma-controversia_15.html].

Friday, November 18, 2011

Um Contra-exemplo e uma Controvérsia.

Episódio III.

Bruno Braga.


 

Como o interlocutor não mais se manifestou, a controvérsia envolvendo o artigo de Dimas Enéas – "Ocupe Wall Street" – transforma-se em uma Trilogia, da qual este é o último episódio.

O formato é o mesmo dos episódios anteriores.


 

I. Dimas Enéas Soares Ferreira, 04 de Novembro de 2011.

Meu caro Bruno,

ao contrário dos adjetivos a mim direcionados no início e ao longo de toda a sua argumentação, baseada numa "suposta" expertise acadêmica e metodológica, não vou aqui ficar tentando desconstruir suas justificações. Apenas quero lhe dizer que assim como respeito seu ponto de vista, espero que entenda que tenho os meus e não serão seus contra-argumentos que me farão mudar de ideia, ainda que você acredite piamente ser o detentor da verdade dos fatos e da suprema capacidade intelectual de analisá-los da forma como acha que devem ser.

Se queres um bom combate, terás o bom combate, mas não dentro dos parâmetros que pensas ser o ideal. Idealizas um tipo ideal de discussão em torno de ideias, partindo do pressuposto de que se sou militante partidário, sindicalista ou ativista social, isso por si só já desqualifica minhas posições, ideias e referências.
Da mesma forma que se tenho um título de mestre e busco arduamente conseguir o de doutor, isso também me obriga a discutir ideias (e tão somente ideias) baseando-me em referências bibliográficas. Poderia até usá-las, pois não me faltam, mas não vou sacrificar meu precioso tempo de trabalho, pesquisa, militância e ativismo buscando mil referências para lhe convencer. Até porque não é este meu objetivo e ideias são apenas ideias.
Já, V.Sa. usa muitas referências como Veja e Folha de São Paulo, por exemplo, o que considero referências desqualificadas já que trata-se de veículos da grande mídia burguesa que nós da esquerda abominamos e temos denominado de PIG. Poderia me contrapor às suas posições e argumentos usando também fontes que considero mais fidedignas como Princípios, Carta Capital, Le Monde Diplomatiqué Brasil, caros Amigos, Piauí ou pensadores políticos da velha e nova esquerda, mas com certeza não me apoiaria em Folha de São Paulo, O Estado de Minas ou Veja. É uma questão de consciência política, coisa que se constrói ao longo de anos e que se consolida feito rocha. Estou aberto a novas ideias, mas não as que venham da direita, que sejam conservadoras, que estejam calcadas em princípios liberais ou neoliberais. 

A suposta "boa" investigação dos fatos que você afirma fazer está contaminada pelo libelo liberal e, pior, pelo ultrapassado e derrotado libelo neoliberal. Me chamar de "infantil", "revolucionário juvenil" ou dizer que o que escrevo não passa de "arroto verbal" não me causa nenhum desconforto, apenas confirmo a tese de Nelson Rodrigues de que "toda unânimidade é burra." Suas posições ficam claras em tudo que escreve, não só quando se refere aos meus artigos, mas quando se refere aos artigos de outros aqui no barbacenaonline.

Enfim, estou sendo o mais sincero possível com V.Sa. e me desculpe se minha militância, ativismo, profissão, idade e títulos lhe incomodam tanto. Não foi esse meu objetivo. Apenas uso um procedimento natural do meio acadêmico e nada mais.

Atenciosamente.

Dimas Enéas Soares Ferreira
Doutorando em Ciência Política – UFMG
Mestre em Ciências Sociais – PUCMinas
Especialista em História do Brasil – PUCMinas
Revisor do eJournal of eDemocracy and Open Government
Professor - Epcar e Unipac
Diretor e 1o Tesoureiro - Sinpro Minas
Coordenador de Comunicação - Inst. 1o de Maio

Currículo Lattes:
(https://wwws.cnpq.br/curriculoweb/pkg_menu.menu?f_cod=97FE97B98AB49150D9F90187ED1A6DFC).


 

II. Bruno Braga, 08 de Novembro de 2011.

Dimas Enéas, Dimas Enéas...

Não vejo desrespeito algum na minha última mensagem, onde apenas reproduzi as atividades que você mesmo, expressamente, afirmou desempenhar. E quanto aos adjetivos que utilizei para qualificá-lo, eles podem ser facilmente reconhecidos no seu próprio comportamento: embora pareça muito estranho para uma pessoa de 47 anos, só mesmo um "revolucionário juvenil", "infantil", denunciaria "patricinhas e mauricinhos" em um artigo de análise política.

Não "desqualifico" sumariamente suas "posições, idéias e referências", Dimas, porque você é militante partidário, sindicalista ou ativista social. Ainda que tivesse realizado uma leitura desatenta e despretensiosa do meu e-mail, julgo que você seria capaz de identificar o trecho no qual afirmo, categoricamente, que o exercício de papéis sociais não é critério para aferir os fundamentos de uma argumentação – por isso, não o "desqualifico" por causa das suas atividades. A "desqualificação" das suas teses, nobre articulista, advém dos dados objetivos apresentados: bibliografia, artigos, vídeos, documentos.

Agora, não acredito ser o "detentor da verdade dos fatos e da suprema capacidade intelectual", como você pretende me desenhar. Pelo contrário, apresente algo que desminta a minha narrativa, e os fundamentos dela, que me apressarei, modesta e humildemente, a assumir o equívoco. Não tenho compromisso com ideologia, nem filiação partidária. Não pertenço a "lado" nenhum e por isso não sinto constrangimento por adotar a divisa de Pascal: "não me envergonho de mudar de opinião porque não me envergonho de pensar".

Aguardei da sua parte, Dimas, alguma contraposição esclarecedora – ou o "bom combate" que anunciara – mas, a maior expressão de sua luminosa sabedoria foram alguns brados: "Não tenho tempo a perder! Estou ocupado!" Realmente, Dimas, você não tem dever nenhum de prestar a mim, individualmente, qualquer esclarecimento – não precisa perder o seu tempo comigo: mas invista-o em explicações públicas, porque, como articulista de um portal de notícias, você tem a obrigação e responsabilidade de esclarecer uma séria e grave omissão, o massacre de cristãos no artigo em que celebra a "Primavera árabe".

Sua militância, nobre articulista – seu ativismo, profissão, idade e títulos - não me causam qualquer constrangimento, como pensa. Porém, previamente tomá-los – junto com a sua ideologia – como instrumento suficiente para a descrição objetiva dos fatos é, no mínimo, problemático. Porque as suas análises pressupõem um óculos que configura o seu olhar conforme os propósitos de sua militância política – isto é, a disputa pelo poder. Não sou capaz de determinar, meticulosamente, a dose de inocência, ignorância, negligência nas pesquisas, má-fé, ou até de patologia, em artigos que, conseqüentemente, são instrumentos da sua "luta" - somente você poderá identificá-los, para si mesmo, em um sincero exame de consciência. De qualquer maneira, as suas exposições mesmas denunciam os obstáculos advindos da insistência neste expediente – porque, em vez de analisar os fatos objetivos, você fecha os olhos, esgoela um sem número de estereótipos e, quando contestado, desesperadamente esbraveja: "Não! Você não vai me convencer! Eu não vou mudar de idéia!"

Acalme-se, Dimas. Eu não pretendo convencer-lhe de nada. Apenas analisei suas teses e identifiquei nelas equívocos graves. Porém, se você, sem nenhuma justificativa, prefere persistir no erro e na falsificação, não posso lhe constranger, já que não tenho nenhum propósito doutrinal ou político. Acontece, Dimas, que você tem estes propósitos; e, por isso mesmo, as suas idéias não são "apenas idéias" como diz. Nelas você deposita algumas expectativas sutis: que gerem efeitos práticos e, com isso, favoreçam a sua luta, e a dos seus, para a conquista do poder. Com este objetivo, o que você considera simples "idéias", Dimas, foi o fundamento de brutalidades terríveis e de uma carnificina jamais vista na história humana – sobretudo empunhando as suas bandeiras "revolucionárias".

Forneço-lhe uma amostra, nobre articulista, de como a sua metodologia – ou melhor, ideologia – pode distorcer e falsificar "simples idéias", o colocando em situações embaraçosas e comprometendo uma análise aberta e sincera dos fatos.

Na sua última mensagem, Dimas, você reprova sumariamente algumas das minhas referências – Folha de São Paulo, Estado de Minas e Revista Veja – porque as considera parte da "grande mídia burguesa". Para você, e para os seus da esquerda, os veículos de imprensa citados são "PIG": uma sigla que, para além de uma referência depreciativa ao "porco", rotula a "imprensa golpista". Depois da denúncia, Dimas, você providencialmente aponta as fontes que julga serem mais "fidedignas" - entre outras, cita a "Revista Piauí".

Acontece, caro militante e revolucionário, que a "Revista Piauí" foi idealizada por João Moreira Salles, o cineasta brasileiro que é filho do falecido empresário e banqueiro – isto mesmo, BANQUEIRO, Dimas – Walter Moreira Sales. Vale ressaltar que a família perpetua as atividades do patriarca. Ademais, a "Piauí" realiza-se através de uma parceria com o Grupo Abril, o mesmo responsável pela Revista Veja que você diz abominar, Dimas – há, inclusive, participação de ex-diretores da própria Veja na direção da "Piauí" [1].

Pois bem. Se aplicarmos os seus critérios metodológicos, ou melhor, "ideológicos", Dimas, à Revista Piauí, ela também faria parte da "grande mídia burguesa" – já que foi concebida por um multimilionário, capitalista, BANQUEIRO, e conta com a colaboração do Grupo Abril, o responsável pela Revista Veja, órgão da "grande mídia burguesa". A Revista Piauí também seria "PIG", Dimas, não? Ou será que você a absolveria desta horrenda acusação simplesmente porque ela defende os seus ideais, os mesmos do seu grupo, ou de seu "Partido"?

Ainda sobre as suas referências, gostaria apenas de fazer-lhe uma advertência - para evitar que você cometa um deslize ainda mais grave que o mencionado anteriormente. A "Princípios" mantém uma parceria com o "Portal Vermelho". Tanto a revista quanto o portal estão ligados ao PC do B. Todos eles fazem apologia de genocidas. Portanto, se você endossa estas idéias, teses, concepções, e políticas, devo-lhe dizer que isto o coloca como cúmplice de milhões de mortes.

Agora, propriamente sobre as minhas fontes, a sua condenação sumária delas o impediu de analisá-las – com esta precipitação, Dimas, você não pôde constatar que uma é a tradução de um artigo do "New York Times" sobre o protesto "Ocupe Wall Street" [2]. Este detalhe é pertinente porque o "New York Times" é um órgão da mídia "esquerdista" americana [3] – e, por isso, está perfeitamente articulado com todas as suas teses e projetos, nobre articulista. Por um descuido, Dimas, você acabou sentenciando um organismo "aliado" e "colaborador".

Enfim, estes são alguns inconvenientes que seu "expediente ideológico" pode lhe trazer, Dimas – sobretudo quando assina artigos como "analista político". A análise séria dos fatos pressupõe, nobre articulista, o exame objetivo dos dados, isto é, "o que" os veículos de imprensa afirmam. Portanto, conteste "o que" as fontes que levantei dizem – o "conteúdo" das reportagens, os dados e informações, sem desprezá-las previamente. Porém, para isso, é necessário que você seja realmente "sincero" – não reafirmando as suas crenças e boas intenções – mas se propondo a descrever as coisas como elas de fato são, mesmo que a verdade seja cruel e brutal, e desminta o seu grupo, o seu "Partido". Mas, como é possível sinceridade em uma pessoa que diz estar "aberto a novas idéias", mas simultaneamente impõe a condição de que elas não venham da "direita", que não sejam "conservadoras", que não estejam calcadas em "princípios liberais" ou "neoliberais"? Não, Dimas, você não está aberto. Você está fechado e o confessa: está preso à sua "consciência política", sólida "feito rocha" - são as suas próprias palavras. Se você já percebeu que há um mundo real e concreto para além dos seus estereótipos, mas insiste em sua metodologia ideológica, resta-lhe apenas a "desonestidade" ou a patologia.

Estas causas devem justificar a sua "hiper-sensibilidade" – que depois de relacionar-me ao "nazismo", à "extrema direita", ao "fascismo", à "ditadura militar" e dizer que meus comentários são "ridículos" – disfarça o escândalo com uma simples figura de linguagem, "um arroto verbal". Além de atingir a sua "consciência moral" e o impedir de julgar os próprios atos, Dimas, há algo que provoca em você uma estranha confusão mental - pois, mesmo discursando em nome do "povo", isto é, da maioria, e dizer que minhas teses estão "ultrapassadas", que foram "derrotadas", você se vale do dito de Nelson Rodrigues para dizer que elas são "unanimidade".

Sobre o portal "Barbacena Online", apenas reitero o meu modesto pedido de esclarecimento: o que você, Dimas, que escreve sobre a "democratização da imprensa" e se escandaliza com os "filtros" da internet, pensa respeito do expediente do Conselho Editorial do "Barbacena Online" – que analisa previamente os comentários sobre os artigos publicados no portal, mas posta apenas aqueles que são "aprovados"? [4]

Cordialmente,

Bruno Braga.

Belo Horizonte, 08 de Novembro de 2011.


 

Referências.

[1] http://www.dinap.com.br/site/noticias/conteudo_171042.shtml

[2] http://www1.folha.uol.com.br/mundo/996800-apoio-de-artistas-desafina-o-tom-do-ocupe-wall-street.shtml

[3] Cf. A sátira de Andrew Klavan sobre a política esquerdista do "New York Times" [http://www.youtube.com/watch?v=9y8tzEmhm1o&feature=player_embedded] e, para mais detalhes, o "Times Watch – Documenting and Exposing the Liberal Political Agenda of 'The New York Times'" [http://www.mrc.org/timeswatch/].

[4] Cf. BRAGA, Bruno. "Contra os 'filtros da internet': um filtro" [http://dershatten.blogspot.com/2011/09/contra-os-filtros-da-internet-um-filtro.html].

Tuesday, November 15, 2011

Um Contra-exemplo e uma Controvérsia.

Episódio II.

Bruno Braga.


 

Este é o segundo episódio da controvérsia envolvendo o texto no qual examino algumas teses de um artigo de Dimas E. Soares Ferreira, "Ocupemos Wall Street".

O formato é o mesmo que foi adotado para a apresentação do primeiro: as considerações de Dimas Enéas (I), e em seguida a minha resposta (II).

A saga continua com pelo menos mais um episódio, o terceiro.


 

I. Dimas Enéas Soares Ferreira, 30 de Outubro de 2011.

Sr Bruno Braga,

Como é fácil verificar, o seu blog não é muito visitado (zero comentários e 121 consultas ao seu perfil desde 2006). Talvez porque ninguém está a fim de perder tempo com sua ladainha conservadora e liberal e, as vezes, até fascista mesmo.

Na verdade, eu não pretendia responde-lo novamente, mas diante de sua afirmação no último e-mail a mim enviado
"De qualquer maneira, não vou insistir nesta questão, porque o seu diagnóstico é um argumentum ad hominem – quer dizer, um ataque dos traços do caráter da pessoa, e não uma contestação dos argumentos expostos por ela. Este é um artifício retórico para evitar a discussão objetiva. Bom, os meus textos contêm uma série de referências, bibliografia, artigos, vídeos, documentos, estruturados em uma descrição dos fatos que desmente as suas concepções. Conteste-a, é assim que se procede em uma discussão séria. Porém, em vez de apresentar outras referências, apontar erros e equívocos na minha dissertação, você, Dimas, como um psicoterapeuta revolucionário, diagnostica: "é coisa de doente"
– ou, como um militante inveterado e furioso, brada: "é ridículo!"", achei por bem lhe en viar um texto escrito por alguém que talvez também considere ser um "psicoterapeuta revolucionário" e "militante inveterado e furioso" que também "brada":

Certamente não é (ainda) o fim do capitalismo a ser anunciado por esse formidável movimento de indignação diante do sofrimento imposto pela falta de controles do sistema financeiro nos Estados Unidos e na Europa. A natureza dessas manifestações talvez possa ser condensada em duas queixas entoadas, respectivamente, em Lisboa: "Essa dívida não é nossa", e em Nova York: "Nós fomos vendidos, os bancos foram resgatados". O grito "Ocupem Wall Street", antes de ser um protesto contra a economia de mercado, exprime o profundo sentimento de injustiça social derivado da incapacidade dos governos que permitiram a destruição do emprego e do patrimônio de milhões de honestos cidadãos assaltados, de forma imoral, por um sistema financeiro desinibido com suas inovações. São os trabalhadores desempregados as grandes vítimas do contágio desse mal social. O homem, ao construir o mundo com o seu trabalho, exerce uma press ão seletiva no sentido de aumentar a sua liberdade de expressão. Há uma evolução civilizatória e quase biológica que amplia o altruísmo e a solidariedade social, exatamente porque a cooperação é mais produtiva e libera mais tempo para a expressão criativa do homem. Uma das construções mais impressionantes de Marx é a sua leitura do papel do trabalho nos Manuscritos de 1844, antes de ele ter sido seduzido pela leitura de David Ricardo. O trabalho é o processo pelo qual o homem se produz e projeta fora dele as condições de sua existência e a sua capacidade de transformar o mundo. Com as políticas sociais, o Estado do Bem-Estar Social transformou (transitoriamente!) o sistema salarial alienante de Marx no símbolo da segurança do trabalho. Ele dá a garantia para o funcionamento das instituições, particularmente os mercados e a propriedade privada. Os economistas precisam incorporar, como dizia o etnólogo Marcel Mauss (Sociologie et Anthropologie, 1950), que o trabalho é o "fato global". O desemprego involuntário é o impedimento insuperável do cidadão de se incorporar à sociedade. Por motivos que independem de sua vontade, ele não pode sustentar honestamente a si e à sua família. O desemprego involuntário é o "mal social global"! Não importam filosofia ou ideologia. No estágio evolutivo da organização social que o homem continua procurando, para fazer florescer plenamente a sua humanidade, são a natureza e a qualidade do seu trabalho que o colocam na sua posição social e econômica, afetam sua situação física e emocional e determinam o nível do seu bem-estar. É com esse sentido do papel do trabalho, com o qual o homem se constrói e produz um mundo onde tenta se acomodar em uma estrutura social conveniente que devemos entender os protestos dos enragées, que se intensificam na Europa e nos EUA. Não se trata de excluídos sociais (talvez alguns deles o sejam), mas de cidadãos honestos, educad os, que até há bem pouco tempo tinham a oportunidade de ganhar o sustento de sua família, educar seus filhos, comprar sua casa, enfim, viver a vida dignamente com o fruto de seu trabalho. É verdade que nos EUA alguns deles já estão na terceira geração vivendo à custa dos outros, graças à miopia e inércia de um Estado do Bem-Estar distraído. Mas a renda média do americano não cresce desde 1996 e a distribuição de renda tem piorado sistematicamente. A reação do povo será medida nas eleições de novembro de 2012. O desconforto é enorme. O presidente Obama referiu-se a ele ligeira e quase temerosamente. O secretário do Tesouro, Timothy Geithner, empurrou a culpa para o sistema financeiro, que "aumentou as tarifas bancárias em resposta aos novos controles de Wall Street, ampliando a irritação popular contra ele". E o presidente do FED, Bernanke, com aquela figura de Papai Noel arrependido, limitou-se a afirmar que "as pessoas estão descontentes co m o estado da economia. Elas reprovam – e não sem razão – o setor financeiro pela situação em que nos encontramos e estão descontentes com a resposta das autoridades". Que autoridades? Obama, Geithner e Bernanke! Quando se trata de entender o verdadeiro papel do trabalho, os economistas do mainstream saem muito mal na foto: tratam-no apenas como um fator de produção, sujeito às leis da oferta e da procura. Por definição, não há desemprego involuntário. Como disse um economista que viria a ser premiado com o Nobel, o desemprego em massa é apenas uma manifestação de "vagabundagem da classe trabalhadora". Nesse tom, comovido, o velho Karl agradece o incentivo…

Delfim Netto é economista, formado pela USP e professor de Economia, foi ministro de Estado e deputado federal. (http://www.cartacapital.com.br/internacional/mal-social-globalizado)

Será que o Sr Delfim também é um equivocado intelectualmente, pois me parece que suas ideias convergem em boa medida com o que escrevi. Com certeza você também tentará desqualificá-lo (mas não o acuse de ter sido ministro dos governos militares, pois você defende ardorosamente a Ditudura Militar).

Por fim, meu caro, do alto dos meus 47 anos de vida, depois de 21 anos em sala de aula, de uma graduação, uma especialização, um mestrado e quase um doutorado e uma intensa vida acadêmica no campo das ciências sociais e política, sinto-me feliz de ainda ter a chama revolucionária e socialista dentro de mim. Sinal de que não sucumbi ao sistema, nem tampouco me acomodei diante da realidade. Triste me sentiria se acreditasse em suas "ideias."

Sou feliz na minha militância sindical, partidária, social e acadêmica e tenho tido muito mais recompensas com isso do que ataques como os seus. De toda forma, estás no seu direito de "Jus esperniandis."

Att,

Dimas Enéas Soares Ferreira

Doutorando em Ciência Política – UFMG

Mestre em Ciências Sociais – PUCMinas

Especialista em História do Brasil – PUCMinas

Revisor do eJournal of eDemocracy and Open Government

Professor - Epcar e Unipac

Diretor e 1o Tesoureiro - Sinpro Minas

Coordenador de Comunicação - Inst. 1o de Maio

Currículo Lattes: (https://wwws.cnpq.br/curriculoweb/pkg_menu.menu?f_cod=97FE97B98AB49150D9F90187ED1A6DFC).


 

II. Bruno Braga, 04 de Novembro de 2011.

Caro Sr. Professor, Especialista, Mestre, Doutorando, Sindicalista, Militante e Revolucionário Socialista, Dimas Enéas,

Antes de qualquer consideração, eu humildemente o agradeço pelo gesto de generosidade: descer do alto de sua luminosa e celestial sabedoria para responder o meu modesto e-mail. Espero que não tome a singela contestação que passo a apresentar como uma afronta à sua sapiência, a todos os seus títulos e ao seu nobre currículo – pois falo apenas em meu próprio nome.

Meu blog, você tem razão, Dimas, não recebe muitas visitas. Porém, o critério da "publicidade" não tem qualquer relevância para quem objetiva, única e exclusivamente, a investigação dos fatos e a descrição adequada deles. Estabelecer o número de adeptos como mecanismo de aferição do fundamento de teses e idéias é um procedimento adotado pelo garotão que quer, a todo custo, fazer sucesso com as mocinhas do colégio – pelo feirante que grita no meio da multidão a propaganda das suas frutas e verduras, ou o do militante que pretende arrebanhar sectários para a sua causa, membros para o seu grupo, ou correligionários para o seu "Partido". Como não tenho nenhuma destas pretensões, minha opção é pelo conhecimento objetivo – com toda a sua experiência acadêmica, Dimas Enéas, você tem obrigação de saber que este é um dos pressupostos de metodologia científica.

Recorrer ao critério da "publicidade" não é o único equívoco da sua argumentação. Você utiliza um sem número de estereótipos – por exemplo, "conservador", "liberal", "fascista", "saudosista da ditadura militar" – para estabelecer uma série de rotulações que não têm qualquer correspondência nos meus textos e comentários. Se você tem o objetivo de discutir seriamente o assunto, seria interessante apontar a associação entre as minhas considerações e os seus estereótipos. Caso contrário, as suas rotulações são, além de um brado de "militante inveterado e furioso", um "flatus vocis" - uma bolha de sabão que estoura no ar, ou, simplesmente, um "arroto verbal".

Com o andar cambaleante, Dimas Enéas, você acaba tropeçando novamente: utiliza de forma pura o argumento de autoridade. Chama Delfim Netto em seu socorro - pretende valer-se do currículo de um economista, formado na USP, professor de economia, ex-ministro de Estado, Deputado Federal, como amparo e muleta. Acontece que, se o seu propósito é descrever adequadamente os fatos, então é necessário que você fundamente as suas considerações em dados objetivos - não em diplomas, títulos, e exercício de papéis sociais. Porque este é um tipo de comportamento infantil, como o de uma criança mimada que briga com seus amiguinhos e, teimosa, berra aos prantos: "meu papai disse, então tá certo!". Não pode ser este o procedimento daquele que assina um artigo sério de análise política – bom, a não ser que o seu autor seja um revolucionário juvenil inimigo de "patricinhas e mauricinhos".

Embora você tenha se esforçado para expressar todo o seu poder profético, Dimas, não considero o Delfim Netto um "equivocado intelectualmente" (a expressão é sua) porque ele foi Ministro dos Governos Militares. Desqualificá-lo assim, previamente, seria tão equivocado quanto desqualificar você mesmo, Dimas Enéas, por ser professor da EPCAR (Escola Preparatória de Cadetes do Ar) – seria uma argumentação desonesta com você e com os próprios militares, embora você se valha dela para bradar os seus estereótipos: "Conservador! Liberal! Fascista! Defensor da Ditadura Militar!" Não, não – para a sua decepção, nobre articulista, púbere e oracular Dimas, esta não é a minha conduta. É preciso investigar seriamente os fatos. Tendo este propósito, e considerando o objeto da discussão – o protesto "Ocupe Wall Street" – digo o seguinte.

No meu artigo "O risco de freqüentar a posição de contra-exemplo é tornar-se um mau-exemplo", §3 [Cf. http://dershatten.blogspot.com/2011/10/o-risco-de-frequentar-posicao-de-contra.html], indiquei a origem da crise americana. Embora algumas instituições financeiras não estejam isentas de culpa, ela foi desencadeada, sobretudo, por medidas administrativas, como as referentes aos créditos "subprime" do "liberal" – nos Estados Unidos, "esquerdista" – Bill Clinton. Além disso, apontei, na voz do seu próprio autor, o articulador do manifesto "Ocupe Wall Street", que é um aliado do presidente americano Barack Obama. Este, por sua vez, executava a parte pública do que lhe cabia: discursar contra os "ricos" e "abastados". Fecha-se, então, uma estratégia articulada: a "pressão de cima" – a dos ocupantes do poder – e a "pressão de baixo" – movimentos sociais e sindicais. Estratégia reforçada por "capitalistas aliados" do presidente Obama, como George Soros.

Dito isto, Dimas Enéas, é necessário pontuar. O manifesto "Ocupe Wall Street" é baseado em uma falsa justificativa – o da origem da crise. O protesto não é um movimento popular espontâneo: é estrategicamente articulado por instâncias do poder e elementos do próprio capital financeiro. Ademais, a maioria dos manifestantes está empregada [1] e as estrelas da mídia que os apóiam são, ou multimilionárias, ou garotas-propaganda dos próprios capitalistas [2] – não se esqueça do suporte de vigaristas como Michael Moore. Portanto, caro Dimas, o protesto "Ocupe Wall Street" é um teatro meticulosamente armado e patrocinado por uma minoria que objetiva a concentração de poder, que se justifica com falsos pretextos, e astuciosamente discursa como se representasse os americanos que sofrem, de fato, as conseqüências da crise financeira [3].

Nestes termos, Dimas Enéas, o trecho do artigo de Delfim Netto, citado por você, se cotejado com os dados objetivos apresentados, contem muitos pontos (sobretudo os que se referem ao protesto "Ocupe Wall Street") que são mais a expressão do sentimento do autor - isto é, "o que ele pensa que é", "o que ele quer que seja", ou "o que ele espera ser" - que propriamente uma descrição adequada dos fatos. Algo semelhante ao que você faz, ao afirmar a sua "felicidade" na "militância sindical, partidária, social e acadêmica". Porém, a atividade do conhecimento não tem como horizonte o reconforto - não é a busca por consolação, mas sim a busca da verdade, isto é, a descrição das coisas como elas de fato são, por mais cruel e brutal que seja a realidade que se apresenta diante dos olhos. Isto não se faz com títulos e diplomas, ou pelo exercício de um papel social. Não é uma conseqüência do tempo – nem mesmo dos seus 47 anos de vida e 21 anos em sala de aula: fosse assim, a idade e a experiência teriam convertido genocidas que avançaram no tempo, como Stálin, Pol Pot e Mao Tsé-tung.

Caro Dimas, o conhecimento sério e honesto depende de algo muito simples, mas que demanda esforço: a sinceridade.

Cordialmente,

Bruno Braga.

Barbacena, 04 de Novembro de 2011.


 

Referências.

[1] http://www1.folha.uol.com.br/mundo/998138-maioria-dos-que-ocupam-wall-street-tem-emprego-diz-pesquisa.shtml

[2] http://www1.folha.uol.com.br/mundo/996800-apoio-de-artistas-desafina-o-tom-do-ocupe-wall-street.shtml

[3] Uma falsificação semelhante às promovidas por Marx, citado por Delfim Netto com entusiasmo. Cf. BRAGA, Bruno. "Entre o Mestre e o 'Intelectual´" [http://dershatten.blogspot.com/2011/06/entre-o-mestre-e-o-intelectual.html].


 


 


 

Friday, November 11, 2011

A convergência entre um Santo e um Ateu.


Bruno Braga.

 
Noli foras ire, inteipsum redi: in interiori homine habitat veritas, Santo Agostinho, De Vera Religione, XXXIX, 72.
[...] "o princípio e o fim do mundo devem ser procurados não fora dele, mas dentro de nós mesmos", Arthur Schopenhauer, CFK, 2005, p. 530.

 
A princípio seria absurdo buscar alguma relação entre o pensamento de um santo da Igreja Católica e a filosofia de um ateu confesso - propriamente, entre Agostinho e Schopenhauer. De imediato esta investigação confronta duas perspectivas sobre o mundo - de um lado como obra da Sabedoria de Deus, e, de outro, como expressão de uma carência irremediável. Porém, um exame mais perspicaz pode revelar alguns pontos de convergência entre estes pensadores aparentemente tão distantes: no recolhimento interior, na confissão, e na metafísica.

Em suas "Confissões" Agostinho se pergunta: "Se existo, que motivo pode haver para Vos pedir que venhais a mim, já que não existiria se em mim não habitásseis?" (p. 28). Para buscar a solução deste enigma, o santo resolveu sobre o seu caminho: "Voltar a mim mesmo, recolhi-me ao coração" [...] – e, neste percurso, no sentido da sua interioridade, ele reconhece, desde a dimensão mais profunda do seu ser: "Entrei e vi" (p. 185).

O recolhimento de Agostinho revela Deus. Mas, o admirável encontro com a perfeição o dá ciência da condição humana, da sua insignificância e da sua corrupção: "Ninguém 'conhece o que se passa num homem, senão o seu espírito, que nele reside [I Cor. 2, 11]. Há, porém, coisas no homem que nem sequer o espírito que nele habita conhece" ("Confissões", p. 263). A mácula da obscuridade, no interior do homem, é a herança que ele carrega de seus pais primitivos – a marca que nem mesmo a sua faculdade mais nobre, a que o distingue de todas as outras espécies, é capaz de apagar: porque se a própria alma racional é viciosa, os erros e as falsas opiniões contaminam a vida (p. 115).

Schopenhauer, por sua vez, está empenhado na busca da essência do mundo. Decide não pelo caminho da revelação divina, mas pelo da Filosofia. O pensador de Danzig, herdeiro da distinção kantiana entre fenômeno e coisa em si, denuncia que não se pode buscar a essência no mundo exterior – porque ele, além de ser a dimensão da transitoriedade, da corrupção, é um produto pré-configurado pela faculdade do conhecimento. Portanto, o plano dos objetos tem um caráter relativo, isto, relativo a um sujeito que o conhece e, ao mesmo tempo, o pré-configura.

Acontece que o mundo externo, objetivo, não é uma fantasmagoria, ele tem uma essência. Neste sentido, o homem, como um objeto entre inúmeros outros, não é apenas um espectro evanescente: ele é, além de um fenômeno, um "em-si", uma essência. Porém, para acessá-la, não poderá seguir o mundo exterior, submetido às formas do conhecimento – tempo, espaço e causalidade. Ele precisará de um desvio, uma via subterrâneo: o seu próprio interior. A experiência intuitiva e interior de Schopenhauer revela, não uma divindade, mas um querer obscuro. Uma vontade irracional, um ímpeto cego, que sustenta não só as atividades inconscientes do corpo, mas é o fundamento de sua própria faculdade cognitiva: alimentar uma vontade insaciável.

O núcleo do mundo é reconhecido no interior do homem, mas se expressa no mundo objetivo, quer dizer, na matéria inorgânica, nas plantas e nos animais, onde a Vontade manifesta o seu caráter nuclear: a autodiscórdia consigo mesma, realizada na guerra de todos contra todos, na busca cega e insaciável por tempo, espaço e matéria – tendo a sua face mais terrível quando o homem se torna o lobo do próprio homem (homo homini lupus).

No entanto, neste mundo de trevas, lutas e sangue, o homem é o único ser capaz de redimir todos os outros. Porque somente ele pode compreender, através de uma experiência intuitiva e imediata, que o mundo é uma Vontade una e indivisível, e, por isso, lançar-se nesta guerra insana e brutal – seja contra o mundo, contra os seus iguais, ou contra si mesmo – é um autoflagelo: é cravar os dentes na própria carne. Esta compreensão, que não se faz por conceitos e abstrações, mas por uma intuição súbita e imediata, o silencia, e ele se compadece.

O que poderia unir Agostinho e Schopenhauer – distantes entre Deus e a Vontade? Não é apenas o reconhecimento da corrupção do homem e do mundo. Não é somente o reconhecimento, através de um recolhimento interior, de uma dimensão metafísica que fundamenta o mundo – embora distintas: para um, Deus, e, para o outro, uma Vontade "demoníaca". Os dois pensadores, Agostinho e Schopenhauer, se aproximam, também, pelo caráter de suas próprias considerações: o caráter confessional.

Agostinho se coloca diante de Deus, com o coração aberto, e narra os próprios pecados: "Olhai, eu não escondo as minhas feridas" (p. 285-286). Schopenhauer, por sua vez, ao apontar a face terrível da existência, o obscuro e tenebroso que a imensa maioria das pessoas se esforça para ocultar, reconhece:

"As meditações filosóficas que alguém pensou e investigou para si mesmo tornam-se depois também um benefício para outros, e não aquelas que originariamente eram destinadas a outrem. As primeiras trazem o selo da honestidade perfeita, porque ninguém procura enganar a si, nem se alimentar com nozes ocas" [...] "Minha estrela-guia foi de modo sério a verdade: seguindo-a, precisei aspirar apenas à minha aprovação, completamente distanciado de uma época que se rebaixou tão profundamente em relação a todos os esforços espirituais elevados, para não falar de uma literatura nacional degradada, na qual a arte de unir palavras elevadas com sentimentos baixos atingiu o seu apogeu. Obviamente não posso escapar dos erros e fraquezas necessariamente inerentes à minha natureza, como a qualquer outra; entretanto, não os multiplicarei com acomodações indignas" (MVR, 2005, pp. 30-31).

E em um trecho sobre a "autobiografia", o filósofo, não se constrange:

"Conhece-se melhor e mais fácil um autor, também como homem, a partir de seu livro, pois todas aquelas condições fazem efeito na escritura de um livro de modo ainda mais vigoroso e constante" [...] "Ele se coloca voluntariamente no confessionário" (MVR, p. 327).

Mas, as confissões de Agostinho e Schopenhauer estão, a princípio, afastadas por um abismo: o Santo da Igreja sobre o pináculo da religião, e o pensador de Danzig no da filosofia. No entanto, no mundo da vontade maligna de Schopenhauer é possível uma "conversão" fundamental: que não é o pertencimento a uma Igreja, mas uma compreensão intuitiva que revela no outro as próprias dores e sofrimentos, quando é tomado pela compaixão - uma compreensão com repercussões éticas, semelhante à vida cristã. Agostinho, por sua vez, não se coloca somente no plano da religião institucional, nem se aparta do mundo em uma dimensão celestial – pelo contrário, diz: "Tremi com amor e horror" (p. 186). Nas profundezas entre os pináculos doutrinais que distanciam Agostinho e Schopenhauer está algo de essencial: a experiência intuitiva, a compreensão imediata de uma dimensão que os transcendem e os abarcam, uma metafísica. Uma experiência que surge do espanto e do terror, mas o seu desfecho é a reconciliação, do sujeito consigo mesmo e dele com o fundamento do mundo: uma experiência de enriquecimento cognitivo e ético. Este o sentido da sua busca sincera, com o coração aberto.

Enfim, a distância aparentemente abismal entre Agostinho e Schopenhauer é diminuída quando se examina de perto os dois pensadores. Porém, para reconhecer esta proximidade é necessário não apenas comparar doutrinas, conceitos, juízos e reflexões, mas reconstruir as experiências. Neste esforço, elementos fundamentais aproximam aquele santo da Igreja e o ateu alemão: o recolhimento interior, na dimensão mais abissal do coração humano; a sinceridade do ato confessional, e o reconhecimento de um plano metafísico.

 
Bibliografia.

AGOSTINHO. Confissões. Tradução de J. Oliveira Santos, S.J., e A. Ambrósio de Pina, S.J. Editora Nova Cultural: São Paulo, 2000. Coleção Os Pensadores.

SCHOPENHAUER, Arthur. O Mundo como Vontade e como Representação. Tradução de Jair Barboza. Editora Unesp: São Paulo, 2005.

 

 

 

 

 

Friday, November 04, 2011

Um Contra-exemplo e uma Controvérsia.

Episódio I.

Bruno Braga.


 

Logo abaixo reproduzo as considerações que recebi de Dimas Enéas Soares Ferreira, articulista do portal "Barbacena Online", a respeito do artigo que publiquei recentemente neste espaço, "O risco de freqüentar a posição de contra-exemplo é tornar-se um mau-exemplo" [http://dershatten.blogspot.com/2011/10/o-risco-de-frequentar-posicao-de-contra.html] – neste texto analiso algumas de suas teses e idéias.

Após as considerações de Dimas Enéas publico a resposta que enviei a ele.

Este é o primeiro episódio de uma saga que tem, pelo menos, mais um capítulo.


 

I. Dimas Enéas Soares Ferreira, 26 de Outubro de 2011.

Caro Bruno,

você só pode ser doente. Como pode uma pessoa que tem um blog com um nome usado pelos nazistas criticar aquilo que pessoas que defendem a democracia, a liberdade e a justiça social?

Me poupe dos seus comentários, tenho mais o que fazer do que ficar lendo seus impropérios.

Suas concepções políticas são ridículas e fincadas num espectro ideológico localizado na mais extrema direita.

Se quer continuar lendo o que eu escrevo, tudo bem, mas me poupe de seus comentários ridículos.

Não perca seu tempo em me enviar mais e-mails, pois coloquei seu endereço eletrônico na minha lista de spams.

Abraço,

Dimas Enéas Soares Ferreira
Doutorando em Ciência Política – UFMG
Mestre em Ciências Sociais – PUCMinas
Especialista em História do Brasil – PUCMinas
Revisor do eJournal of eDemocracy and Open Government
Professor - Epcar e Unipac
Diretor e 1o Tesoureiro - Sinpro Minas
Coordenador de Comunicação - Inst. 1o de Maio
Currículo Lattes:
(https://wwws.cnpq.br/curriculoweb/pkg_menu.menu?f_cod=97FE97B98AB49150D9F90187ED1A6DFC)


 

II. Bruno Braga, 27 de Outubro de 2011.

Caro Dimas Enéas,

Eu não sei se padeço de algum mal, se sou "doente", como você diz. Não tenho a competência técnica para emitir, sobre mim mesmo, um diagnóstico psicopatológico. Aliás, se o fizesse, estaria sob suspeita – a caricatura de um "louco" que emite um diagnóstico sobre a própria "doença". Então, neste caso, o melhor a fazer é consultar um profissional capacitado – depois da sua sugestão talvez o faça – e deixar que as pessoas especulem sobre a minha sanidade mental, como você faz.

De qualquer maneira, não vou insistir nesta questão, porque o seu diagnóstico é um argumentum ad hominem – quer dizer, um ataque dos traços do caráter da pessoa, e não uma contestação dos argumentos expostos por ela. Este é um artifício retórico para evitar a discussão objetiva. Bom, os meus textos contêm uma série de referências, bibliografia, artigos, vídeos, documentos, estruturados em uma descrição dos fatos que desmente as suas concepções. Conteste-a, é assim que se procede em uma discussão séria. Porém, em vez de apresentar outras referências, apontar erros e equívocos na minha dissertação, você, Dimas, como um psicoterapeuta revolucionário, diagnostica: "é coisa de doente" – ou, como um militante inveterado e furioso, brada: "é ridículo!".

Ademais, não sei que espécie de associação livre de idéias psicanalítica você utilizou para articular o título do meu Blog – "Der Shatten", que significa simplesmente "sombra" – com o Nazismo. Recortar uma palavra e associá-la a algo censurável, repulsivo, é um procedimento argumentativo pueril e artificial. Caso eu o adotasse, poderia recomendar-lhe não utilizar o termo "Socialismo", porque o partido nazista era "Nacional-SOCIALISTA". E, se aplicasse a sua técnica de associação de idéias, Dimas, ao seu próprio artigo, "Ocupemos Wall Street", poderia dizer que, quando você exige a SOCIALIZAÇÃO dos meios de produção, na verdade, objetiva a NAZIFICAÇÃO de todos eles. Mas, não preciso recorrer ao recorte e manipulação de palavras e conceitos. Basta dizer que o Socialismo-comunismo, Dimas, ao qual você está associado, tem no seu histórico crimes tão bárbaros e terríveis quanto os dos nazistas – e, na "contabilidade macabra", superam os destes em milhões de mortos.

Sobre as minhas "concepções políticas", embora não tenha apresentado nenhuma, você, como num duelo quixotesco contra o moinho de vento, as rotula como "ridículas e fincadas num espectro ideológico localizado na mais extrema direita". Esclareço. Não pertenço aos quadros de nenhum Partido, nem mantenho relação com qualquer um deles. Não tenho nenhuma ambição política. Não sou membro de sindicato, e não estou envolvido com movimentos sociais – ambos, braços de interesses políticos. O meu único objetivo é a compreensão dos fatos, investigá-los e dar uma descrição adequada deles. Mas, como você é um "agente político", toda e qualquer crítica às suas concepções e idéias é "oposição" – é rotulada de maneira depreciativa como "extrema direita". É um ataque contra os paladinos da "democracia", da "liberdade" e da "justiça social" – como você mesmo faz questão de se auto-proclamar. Porém, com uma sutileza: são "democracia", "liberdade" e "justiça social", apenas aquilo que você, os outros cavaleiros, a sua tropa, ou o seu "Partido", entendem o que elas sejam.

A respeito dos e-mails que envio para você, Dimas, são apenas informativos que lhe dão ciência daquilo que foi dito e comentado sobre os seus artigos. É simplesmente um gesto de "honestidade intelectual", e, por isso mesmo, não é "perda de tempo", como você pensa. Agora, se você direciona os e-mails para a lista de spams, se não os lê, e mesmo se os imprimisse para utilizá-los em sua higiene anal, isto não tem nenhuma importância.

Como última consideração, acrescento que posso utilizar o seu e-mail como "direito de resposta" sobre o meu artigo, e publicá-lo no meu Blog. Esteja à vontade para se manifestar.

Cordialmente,

Bruno Braga.

Belo Horizonte, 27 de Outubro de 2011.