Ricardo Vélez Rodríguez.
(*) Nota - Bruno Braga. O motivo para relembrar e reproduzir este artigo não é somente a atual evidência do nome do autor. Ricardo Vélez Rodríguez está sendo cogitado para ocupar o Ministério da Educação do governo Bolsonaro - sobretudo por uma sugestão legítima do professor Olavo de Carvalho. O artigo, contudo, é importante no presente contexto da discussão pública sobre o aparelhamento comunista das universidades. Um patrulhamento ideológico comunista, narrado aqui no âmbito da Filosofia, e que teve início já no período militar (!), sob a liderança do padre jesuíta Henrique Cláudio de Lima Vaz, ícone da nefasta Teologia da Libertação. Um artigo fundamental para compreender uma fase da revolução cultural que conduziu o PT e o Foro de São Paulo ao poder, e o atual estado de coisas no meio universitário, transformado em núcleo de formação e adestramento da militância, em centro estratégico e base do movimento comunista.
Utilizo, para este comentário, título que o mestre Antônio Paim pôs em circulação lembrando Virgínia Woolf, para identificar as mazelas que, no final do século passado, infernizavam a vida de quem se dedicasse ao estudo da nossa cultura filosófica. A situação, como os leitores poderão observar, não mudou muito de 1990 para cá.
Aconteceu, na seara da filosofia, estranho fenômeno de colonialismo cultural que foi, progressivamente, extinguindo tudo quanto, no nosso país, cheirasse a estudo do pensamento brasileiro ou à consolidação de uma filosofia nacional. Os artífices dessa façanha (ocorrida nas três últimas décadas do século passado) foram os burocratas da Capes no setor da filosofia, comandados pelo padre jesuíta Henrique Cláudio de Lima Vaz. Os fatos são simples: no período em que o general Ruben Ludwig foi ministro da educação, ainda no ciclo militar, os antigos ativistas da Ação Popular Marxista-Leninista receberam, à sombra do padre Vaz, a diretoria dos conselhos da Capes e do CNPq, na área mencionada.
Especula-se que o motivo da concessão fosse uma negociação política: eles prometiam abandonar a luta armada. A preocupação dos militares residia no fato de que foi esse o único agrupamento da extrema esquerda que não se organizou explicitamente em partido político.
Os grupos da denominada "direita" (conservadores, ultra-conservadores, liberais, liberais-sociais, etc.), toda essa imensa gama, ficou do lado de fora dos favores oficiais, no período militar e após. De um lado, os militares, de uma forma bastante imprecisa, identificavam como perigosos não apenas os ativistas da extrema-esquerda, mas também todos aqueles que se apresentassem como liberais (lembrar as referências do general Golbery à ideologia liberal, como contrária aos interesses do país, o que explica as cassações de liberais linha-dura como Carlos Lacerda, ou os preconceitos contra social-democratas como Juscelino).
Os restantes grupos da denominada "direita" terminaram sendo exorcizados das benesses oficiais, em decorrência do patrulhamento dos ativistas de esquerda, que foram beneficiados pelo regime. Prova documental importante é constituída pelo artigo de Aramis Millarch [“Délcio explica quem são os senhores da direita”, O Estado do Paraná, 28/12/1980, p. 10], que resenha livro publicado em 1980, do jornalista Délcio Monteiro de Lima, intitulado: Os senhores da direita [Rio de Janeiro: Editora Antares, 168 p.]. O saco de gatos é grande: vão para o mesmo balaio ativistas da TFP, antigos integralistas, conservadores e até os membros do staff da Revista Convivium e a entidade que lhe dava sustentação, Convívio - Sociedade Brasileira de Cultura.
A discriminação foi feita, notadamente, pelo pessoal da Ação Popular, através da Capes e do CNPq. Um exemplo: quem tiver produção científica publicada na Revista Convivium, não pode (ainda nos dias que correm) registrar, no Lattes, essa publicação como "artigo científico publicado em revista com corpo editorial". Embora a mencionada revista possua ISSN (0102-2636), o sistema Lattes simplesmente ignora a tal revista, e a produção tem de ser classificada como publicada em magazine. Pequena retaliação, mas que mostra a que ponto chegou o patrulhamento ideológico (e, evidentemente, orçamentário). Isso sem falar na perseguição da CAPES, explícita e atual, contra os cursos de mestrado e doutorado em filosofia brasileira, que foram sendo extintos, um a um, por pressão do MEC, entre 1979 e 1999. Caíram, sucessivamente, na guilhotina ideológica oficial, o programa de mestrado em Filosofia Brasileira da PUC do Rio, o programa de mestrado e doutorado em Filosofia Luso-Brasileira da Universidade Gama Filho, bem como o programa de mestrado em Filosofia Brasileira da Universidade Federal de Juiz de Fora.
Sorte semelhante tiveram programas considerados “de direita”, como o mestrado em Estudo de Problemas Brasileiros da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da Universidade Mackenzie, em São Paulo. Isso aconteceu numa conjuntura internacional em que outros países como Espanha, Portugal, México, Argentina e Colômbia passaram a valorizar de forma muito clara o estudo das respectivas filosofias nacionais, como forma de ocupar um lugar no mundo globalizado. Portugal, que não tinha cursos para o estudo da filosofia autóctone, criou esses programas em 1986, com apoio do Curso de Mestrado e Doutorado em Filosofia Luso-Brasileira da Universidade Gama Filho (extinto em meados dos anos 90).
Outra retaliação contra os estudiosos da filosofia brasileira: a Revista Brasileira de Filosofia, fundada por Miguel Reale em 1949, que recebia uma pequena verba do Ministério da Cultura, para custear postagem dos exemplares destinados a bibliotecas e universidades, teve esse auxílio sumariamente cortado pelo ministro Francisco Weffort (no segundo governo de FHC). Detalhe: as revistas Brasileira de Filosofia e Convivium foram, no século passado, as duas mais importantes publicações brasileiras na área da filosofia e das humanidades (a Revista Brasileira de Filosofia completa, em 2009, os seus 60 anos, e a Convivium chegou pertinho dos quarenta, pois foi publicada, ininterruptamente, com periodicidade bi-mensal, entre 1962 e 2000).
A retaliação dos burocratas contra quem queira estudar filosofia brasileira não conseguiu, contudo, desestimular as novas gerações. São inúmeras as iniciativas empreendidas por estudantes e professores, em prol do estudo da cultura nacional no terreno das idéias filosóficas. Sem mencionar projetos consolidados no século passado (como a criação, pelo professor Antônio Paim, do Centro de Documentação do Pensamento Brasileiro em Salvador, Bahia, na década de 1980), seria grande a lista das iniciativas em curso. Menciono apenas quatro: o Núcleo de Estudos Ibéricos e Ibero-Americanos da Universidade Federal de Juiz de Fora, que publica a revista eletrônica Ibérica [www.estudosibericos.com]; o Centro de Pesquisas Estratégicas “Paulino Soares de Sousa”, que publica, nessa mesma Universidade, no portal UFJF/Defesa, dedicado também ao estudo e à divulgação do pensamento estratégico brasileiro [www.defesa.ufjf.br], o Núcleo de Estudos de Filosofia Brasileira da Universidade Federal de Minas Gerais, coordenado pelo professor Paulo Margutti e o Centro de Estudos Filosóficos de Londrina, criado em 1989 pelo professor Leonardo Prota e que, ao longo dos anos 90 do século passado, realizou os Encontros Nacionais de Professores e Pesquisadores da Filosofia Brasileira, com apoio da UEL.