Pages

Sunday, December 30, 2012

A decapitação macabra do Sumo Pontífice.



Bruno Braga.


Os porta-vozes da cultura moderna denunciam a religião – sobretudo a Igreja Católica – como um dos principais obstáculos que impedem o “progresso da humanidade”. O Papa – aos olhos destes paladinos dos “novos tempos” – é resquício de um “período de trevas”, um tempo em que a crença cega obscureceu as luzes da razão. Ele é o representante da irracionalidade, o pregador da intolerância e da violência. Assim, basta que o Sumo Pontífice fale aos fiéis da Igreja para que os representantes das “ideias progressistas” se levantem para condená-lo com o dedo em riste - “reacionário”! “fascista”! “autoritário”! – como guardiães e construtores de um “futuro maravilhoso” [1].

Porém, os “próceres” da cultura moderna constantemente expressam os nobres e louváveis sentimentos com os quais pretendem reformar o mundo. No dia 27 de Novembro, no Campus da PUC-SP (Perdizes), os paladinos – em um protesto infundado contra a escolha da reitora da Universidade – celebraram o amor, a compaixão, o respeito e a tolerância: no “Pátio da Cruz” eles decapitaram o Papa com uma moto-serra.

O “Teat(r)o Oficina” – com a presença e a participação do diretor Zé Celso – ergueu um tribunal para julgar o Sumo Pontífice. Batucadas, danças, palmas; palavras de ordem; insinuações sexuais; slogans da publicidade feminista e gayzista; vilipendio de objetos religiosos. Nos domínios de uma Universidade Católica, este foi o ritual de condenação do sucessor de Pedro, que foi punido com a pena capital. A cerimônia de sacrifício – a cabeça serrada - realizou-se sob os aplausos de um público formado por alunos, ex-alunos e professores, com gritos de louvor e com a satisfação estampada no rosto.  

Os paladinos da modernidade não simularam um julgamento. Na PUC-SP eles encenaram um “justiçamento”. O tribunal dos revolucionários Socialistas-Comunistas – os “mártires” da cultura “progressista” -, que se reuniam para decidir quem deveria morrer. No pátio da Universidade Católica foi celebrado o culto da inversão. Os próceres do “novo mundo”, que pregam a tolerância e o respeito, ridicularizaram os princípios religiosos, a Igreja Católica e o Papa. Os arautos da “igualdade de direitos” e do “combate contra o preconceito”, promoveram o insulto e a ofensa. Eles, que anunciam a Democracia, cometeram crime tipificado no Código Penal Brasileiro. Um espetáculo sinistro, aplaudido sem qualquer constrangimento. No louvor da inversão, os paladinos expressam - às gargalhadas – a violência que não se vê em quem eles acusam e sentenciam.

Esta é a mentalidade consagrada para o “progresso” da humanidade. É a forma mentis dos próceres do “novo mundo”, que reivindicam poder para revolucionar a cultura e reformar a sociedade. Transformar a juventude à sua imagem e semelhança: “conscientes” – “livres”, cheios de “afeto” e “amor”. Reformular os princípios e valores: respeito e tolerância somente para com o que não contrarie a sua própria obscuridade interior. E se a oposição vem da religião - ou das palavras do Papa – eis como devem ser “justamente” julgados.




Referências.

[1]. São ilustrativas as reações histéricas contra os discursos mais recentes do Papa – aqueles em que ele ressaltou o valor da família tradicional e teceu algumas considerações sobre o casamento gay. Cf. BRAGA, Bruno. “Papa procura um grupo inter-religioso para combater o casamento gay” [http://b-braga.blogspot.com.br/2012/12/papa-procura-um-grupo-inter-religioso.html]; “Do Papa à Cúria Romana” [http://b-braga.blogspot.com.br/2012/12/do-papa-curia-romana.html].

Tuesday, December 25, 2012

Do Papa à Cúria Romana.

Bruno Braga.


Diante das críticas e reações contrárias às últimas considerações do Papa Bento XVI sobre a família tradicional e sobre o casamento gay (Cf. ZAHN, Drew. “Papa procura um grupo inter-religioso para combater o casamento gay”. Trad. Bruno Braga [http://b-braga.blogspot.com.br/2012/12/papa-procura-um-grupo-inter-religioso.html]), recorrer aos textos originais é indispensável. Lê-los para evitar mal-entendidos, reagir contra as tentativas de intimidação, e esclarecer as distorções – muitas vezes intencionais – promovidas sobre as palavras do Sumo Pontífice. Por isso reproduzo – logo abaixo - um dos discursos que geraram todas estas reações, o discurso do Papa Bento XVI à Cúria Romana, de 21 de Dezembro de 2012 (o Vaticano sugere a leitura “integral” e “objetiva” da mensagem para a celebração do Dia Mundial da Paz [http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/messages/peace/documents/hf_ben-xvi_mes_20121208_xlvi-world-day-peace_po.html]).

Os destaques no texto são meus. Deles eu extraio um em especial, que é significativo e vigoroso mesmo para quem não tem qualquer vínculo com a Igreja Católica:

“Quanto a permanecer fiéis à própria identidade, seria demasiado pouco se o cristão, com a sua decisão a favor da própria identidade, interrompesse por assim dizer por vontade própria o caminho para a verdade. Então o seu ser cristão tornar-se-ia algo de arbitrário, uma escolha simplesmente factual. Nesse caso, evidentemente, ele não teria em conta que a religião tem a ver com a verdade. A propósito disto, eu diria que o cristão possui a grande confiança, mais ainda, a certeza basilar de poder tranquilamente fazer-se ao largo no vasto mar da verdade, sem dever temer pela sua identidade de cristão. Sem dúvida, não somos nós que possuímos a verdade, mas é ela que nos possui a nós [...]”.

***

Discurso
Audiência com a Cúria Romana
Vaticano
Sexta-feira, 21 de dezembro de 2012


Senhores
Cardeais,
Venerados Irmãos no Episcopado e no Presbiterado,
Queridos irmãos e irmãs!

Com grande alegria, me encontro hoje convosco, amados membros do
Colégio Cardinalício, representantes da Cúria Romana e do Governatorado, para este momento tradicional antes do Natal. A cada um de vós dirijo uma cordial saudação, começando pelo Cardeal Angelo Sodano, a quem agradeço as amáveis palavras e os ardentes votos que me exprimiu em nome dele e vosso. O Cardeal Decano recordou-nos uma frase que se repete muitas vezes na liturgia latina destes dias: «Prope este iam Dominus, venite, adoremus! – O Senhor está perto; vinde, adoremos!». Também nós, como uma única família, nos preparamos para adorar, na gruta de Belém, aquele Menino que é Deus em pessoa e tão próximo que Se fez homem como nós. De bom grado retribuo os votos formulados e agradeço de coração a todos, incluindo os Representantes Pontifícios espalhados pelo mundo, pela generosa e qualificada colaboração que cada um presta ao meu ministério.

Encontramo-nos no fim de mais um ano, também este caracterizado – na
Igreja e no mundo – por muitas situações atribuladas, por grandes problemas e desafios, mas também por sinais de esperança. Limito-me a mencionar alguns momentos salientes no âmbito da vida da Igreja e do meu ministério petrino. Começo pelas viagens realizadas ao México e a Cuba: encontros inesquecíveis com a força da fé, profundamente enraizada nos corações dos homens, e com a alegria pela vida que brota da fé. Recordo que, depois da chegada ao México, na borda do longo troço de estrada que tivemos de percorrer, havia fileiras infindáveis de pessoas que saudavam, acenando com lenços e bandeiras. Recordo que, durante o trajecto para Guanajuato – pitoresca capital do Estado do mesmo nome –, havia jovens devotamente ajoelhados na margem da estrada para receber a bênção do Sucessor de Pedro; recordo como a grande liturgia, nas proximidades da estátua de Cristo-Rei, constituiu um acto que tornou presente a realeza de Cristo: a sua paz, a sua justiça, a sua verdade. E tudo isto, tendo como pano de fundo os problemas dum país que sofre devido a múltiplas formas de violência e a dificuldades resultantes de dependências económicas. Sem dúvida, são problemas que não se podem resolver simplesmente com a religiosidade, mas sê-lo-ão ainda menos sem aquela purificação interior dos corações que provém da força da fé, do encontro com Jesus Cristo. Seguiu-se a experiência de Cuba; também lá nas grandes liturgias, com seus cânticos, orações e silêncios, se tornou perceptível a presença d’Aquele a quem, por muito tempo, se quisera recusar um lugar no país. A busca, naquele país, de uma justa configuração da relação entre vínculos e liberdade, seguramente, não poderá ter êxito sem uma referência àqueles critérios fundamentais que se manifestaram à humanidade no encontro com o Deus de Jesus Cristo.

Como sucessivas etapas deste ano que se encaminha para o fim, gostava de mencionar a grande Festa da Família em Milão, bem como a visita ao Líbano com a entrega da Exortação apostólica pós-sinodal que deverá agora constituir, na vida das Igrejas e da sociedade no Médio Oriente, uma orientação nos difíceis caminhos da unidade e da paz. O último acontecimento importante deste ano, a chegar ao ocaso, foi o Sínodo sobre a Nova Evangelização, que constituiu ao mesmo tempo um início comunitário do Ano da Fé, com que comemorámos a abertura do Concílio Vaticano II, cinquenta anos atrás, para o compreender e assimilar novamente na actual situação em mudança.

Todas estas ocasiões permitiram tocar temas fundamentais do momento presente da nossa história: a família (Milão), o serviço em prol da paz no mundo e o diálogo inter-religioso (Líbano), bem como o anúncio da mensagem de Jesus Cristo, no nosso tempo, àqueles que ainda não O encontraram e a muitos que só O conhecem por fora e, por isso mesmo, não O reconhecem. De todas estas grandes temáticas, quero reflectir um pouco mais detalhadamente sobre o tema da família e sobre a natureza do diálogo, acrescentando ainda uma breve consideração sobre o tema da Nova Evangelização.

A grande alegria, com que se encontraram em Milão famílias vindas de todo o mundo, mostrou que a família, não obstante as múltiplas impressões em contrário, está forte e viva também hoje; mas é incontestável – especialmente no mundo ocidental – a crise que a ameaça até nas suas próprias bases. Impressionou-me que se tenha repetidamente sublinhado, no Sínodo, a importância da família como lugar autêntico onde se transmitem as formas fundamentais de ser pessoa humana. É vivendo-as e sofrendo-as, juntos, que as mesmas se aprendem. Assim se tornou evidente que, na questão da família, não está em jogo meramente uma determinada forma social, mas o próprio homem: está em questão o que é o homem e o que é preciso fazer para ser justamente homem. Os desafios, neste contexto, são complexos. Há, antes de mais nada, a questão da capacidade que o homem tem de se vincular ou então da sua falta de vínculos. Pode o homem vincular-se para toda a vida? Isto está de acordo com a sua natureza? Ou não estará porventura em contraste com a sua liberdade e com a auto-realização em toda a sua amplitude? Será que o ser humano se torna-se ele próprio, permanecendo autónomo e entrando em contacto com o outro apenas através de relações que pode interromper a qualquer momento? Um vínculo por toda a vida está em contraste com a liberdade? Vale a pena também sofrer por um vínculo? A recusa do vínculo humano, que se vai generalizando cada vez mais por causa duma noção errada de liberdade e de auto-realização e ainda devido à fuga da perspectiva duma paciente suportação do sofrimento, significa que o homem permanece fechado em si mesmo e, em última análise, conserva o próprio «eu» para si mesmo, não o supera verdadeiramente. Mas, só no dom de si é que o homem se alcança a si mesmo, e só abrindo-se ao outro, aos outros, aos filhos, à família, só deixando-se plasmar pelo sofrimento é que ele descobre a grandeza de ser pessoa humana. Com a recusa de tal vínculo, desaparecem também as figuras fundamentais da existência humana: o pai, a mãe, o filho; caem dimensões essenciais da experiência de ser pessoa humana.

Num tratado cuidadosamente documentado e profundamente comovente, o rabino-chefe de França, Gilles Bernheim, mostrou que o ataque à forma autêntica da família (constituída por pai, mãe e filho), ao qual nos encontramos hoje expostos – um verdadeiro atentado –, atinge uma dimensão ainda mais profunda. Se antes tínhamos visto como causa da crise da família um mal-entendido acerca da essência da liberdade humana, agora torna-se claro que aqui está em jogo a visão do próprio ser, do que significa realmente ser homem. Ele cita o célebre aforismo de Simone de Beauvoir: «Não se nasce mulher; fazem-na mulher - t pas femme, on le devient». Nestas palavras, manifesta-se o fundamento daquilo que hoje, sob o vocábulo «gender - género», é apresentado como nova filosofia da sexualidade. De acordo com tal filosofia, o sexo já não é um dado originário da natureza que o homem deve aceitar e preencher pessoalmente de significado, mas uma função social que cada qual decide autonomamente, enquanto até agora era a sociedade quem a decidia. Salta aos olhos a profunda falsidade desta teoria e da revolução antropológica que lhe está subjacente. O homem contesta o facto de possuir uma natureza pré-constituída pela sua corporeidade, que caracteriza o ser humano. Nega a sua própria natureza, decidindo que esta não lhe é dada como um facto pré-constituído, mas é ele próprio quem a cria. De acordo com a narração bíblica da criação, pertence à essência da criatura humana ter sido criada por Deus como homem ou como mulher. Esta dualidade é essencial para o ser humano, como Deus o fez. É precisamente esta dualidade como ponto de partida que é contestada. Deixou de ser válido aquilo que se lê na narração da criação: «Ele os criou homem e mulher» (Gn 1, 27). Isto deixou de ser válido, para valer que não foi Ele que os criou homem e mulher; mas teria sido a sociedade a determiná-lo até agora, ao passo que agora somos nós mesmos a decidir sobre isto. Homem e mulher como realidade da criação, como natureza da pessoa humana, já não existem. O homem contesta a sua própria natureza; agora, é só espírito e vontade. A manipulação da natureza, que hoje deploramos relativamente ao meio ambiente, torna-se aqui a escolha básica do homem a respeito de si mesmo. Agora existe apenas o homem em abstracto, que em seguida escolhe para si, autonomamente, qualquer coisa como sua natureza. Homem e mulher são contestados como exigência, ditada pela criação, de haver formas da pessoa humana que se completam mutuamente. Se, porém, não há a dualidade de homem e mulher como um dado da criação, então deixa de existir também a família como realidade pré-estabelecida pela criação. Mas, em tal caso, também a prole perdeu o lugar que até agora lhe competia, e a dignidade particular que lhe é própria; Bernheim mostra como o filho, de sujeito jurídico que era com direito próprio, passe agora necessariamente a objecto, ao qual se tem direito e que, como objecto de um direito, se pode adquirir. Onde a liberdade do fazer se torna liberdade de fazer-se por si mesmo, chega-se necessariamente a negar o próprio Criador; e, consequentemente, o próprio homem como criatura de Deus, como imagem de Deus, é degradado na essência do seu ser. Na luta pela família, está em jogo o próprio homem. E torna-se evidente que, onde Deus é negado, dissolve-se também a dignidade do homem. Quem defende Deus, defende o homem.

Dito isto, gostava de chegar ao segundo grande tema que, desde Assis até ao Sínodo sobre a Nova Evangelização, permeou todo o ano que chega ao fim: a questão do diálogo e do anúncio. Comecemos pelo diálogo. No nosso tempo, para a Igreja, vejo principalmente três campos de diálogo, onde ela deve estar presente lutando pelo homem e pelo que significa ser pessoa humana: o diálogo com os Estados, o diálogo com a sociedade – aqui está incluído o diálogo com as culturas e com a ciência – e, finalmente, o diálogo com as religiões. Em todos estes diálogos, a Igreja fala a partir da luz que a fé lhe dá. Ao mesmo tempo, porém, ela encarna a memória da humanidade que, desde os primórdios e através dos tempos, é memória das experiências e dos sofrimentos da humanidade, onde a Igreja aprendeu o que significa ser homem, experimentando o seu limite e grandeza, as suas possibilidades e limitações. A cultura do humano, de que ela se faz garante, nasceu e desenvolveu-se a partir do encontro entre a revelação de Deus e a existência humana. A Igreja representa a memória do que é ser homem defronte a uma civilização do esquecimento que já só se conhece a si mesma e só reconhece o próprio critério de medição. Mas, assim como uma pessoa sem memória perdeu a sua identidade, assim também uma humanidade sem memória perderia a própria identidade. Aquilo que foi dado ver à Igreja, no encontro entre revelação e experiência humana, ultrapassa sem dúvida o mero âmbito da razão, mas não constitui um mundo particular que seria desprovido de interesse para o não-crente. Se o homem, com o próprio pensamento entra na reflexão e na compreensão daqueles conhecimentos, estes alargam o horizonte da razão e isto diz respeito também àqueles que não conseguem partilhar a fé da Igreja. No diálogo com o Estado e a sociedade, naturalmente a Igreja não tem soluções prontas para as diversas questões. Mas, unida às outras forças sociais, lutará pelas respostas que melhor correspondam à justa medida do ser humano. Aquilo que ela identificou como valores fundamentais, constitutivos e não negociáveis da existência humana, deve defendê-lo com a máxima clareza. Deve fazer todo o possível por criar uma convicção que possa depois traduzir-se em acção política.

Na situação actual da humanidade, o diálogo das religiões é uma condição necessária para a paz no mundo, constituindo por isso mesmo um dever para os cristãos bem como para as outras crenças religiosas. Este diálogo das religiões possui diversas dimensões. Há-de ser, antes de tudo, simplesmente um diálogo da vida, um diálogo da acção compartilhada. Nele, não se falará dos grandes temas da fé – se Deus é trinitário, ou como se deve entender a inspiração das Escrituras Sagradas, etc. –, mas trata-se dos problemas concretos da convivência e da responsabilidade comum pela sociedade, pelo Estado, pela humanidade. Aqui é preciso aprender a aceitar o outro na sua forma de ser e pensar de modo diverso. Para isso, é necessário fazer da responsabilidade comum pela justiça e a paz o critério basilar do diálogo. Um diálogo, onde se trate de paz e de justiça indo mais além do que é simplesmente pragmático, torna-se por si mesmo uma luta ética sobre os valores que são pressupostos em tudo. Assim o diálogo, ao princípio meramente prático, torna-se também uma luta pelo justo modo de ser pessoa humana. Embora as escolhas básicas não estejam enquanto tais em discussão, os esforços à volta duma questão concreta tornam-se um percurso no qual ambas as partes podem encontrar purificação e enriquecimento através da escuta do outro. Assim estes esforços podem ter o significado também de passos comuns rumo à única verdade, sem que as escolhas básicas sejam alteradas. Se ambas as partes se movem a partir duma hermenêutica de justiça e de paz, a diferença básica não desaparecerá, mas crescerá uma proximidade mais profunda entre eles.

Hoje em geral, para a essência do diálogo inter-religioso, consideram fundamentais duas regras: 1ª) O diálogo não tem como alvo a conversão, mas a compreensão. Nisto se distingue da evangelização, da missão. 2ª) De acordo com isso, neste diálogo, ambas as partes permanecem deliberadamente na sua identidade própria, que, no diálogo, não põem em questão nem para si mesmo nem para os outros.

Estas regras são justas; mas penso que assim estejam formuladas demasiado superficialmente. Sim, o diálogo não visa a conversão, mas uma melhor compreensão recíproca: isto é correcto. Contudo a busca de conhecimento e compreensão sempre pretende ser também uma aproximação da verdade. Assim, ambas as partes, aproximando-se passo a passo da verdade, avançam e caminham para uma maior partilha, que se funda sobre a unidade da verdade. Quanto a permanecer fiéis à própria identidade, seria demasiado pouco se o cristão, com a sua decisão a favor da própria identidade, interrompesse por assim dizer por vontade própria o caminho para a verdade. Então o seu ser cristão tornar-se-ia algo de arbitrário, uma escolha simplesmente factual. Nesse caso, evidentemente, ele não teria em conta que a religião tem a ver com a verdade. A propósito disto, eu diria que o cristão possui a grande confiança, mais ainda, a certeza basilar de poder tranquilamente fazer-se ao largo no vasto mar da verdade, sem dever temer pela sua identidade de cristão. Sem dúvida, não somos nós que possuímos a verdade, mas é ela que nos possui a nós: Cristo, que é a Verdade, tomou-nos pela mão e, no caminho da nossa busca apaixonada de conhecimento, sabemos que a sua mão nos sustenta firmemente. O facto de sermos interiormente sustentados pela mão de Cristo torna-nos simultaneamente livres e seguros. Livres: se somos sustentados por Ele, podemos, abertamente e sem medo, entrar em qualquer diálogo. Seguros, porque Ele não nos deixa, a não ser que sejamos nós mesmos a desligar-nos d’Ele. Unidos a Ele, estamos na luz da verdade.

Por último, impõe-se ainda uma breve consideração sobre o anúncio, sobre a evangelização, de que, na sequência das propostas dos Padres Sinodais, falará efectiva e amplamente o documento pós-sinodal. Acho que os elementos essenciais do processo de evangelização são visíveis, de forma muito eloquente, na narração de São João sobre a vocação de dois discípulos do Baptista, que se tornam discípulos de Cristo (cf. Jo 1, 35-39). Antes de tudo, há o simples acto do anúncio. João Baptista indica Jesus e diz: «Eis o Cordeiro de Deus!» Pouco depois o evangelista vai narrar um facto parecido; agora é André que diz a Simão, seu irmão: «Encontrámos o Messias!» (1, 41). O primeiro elemento fundamental é o anúncio puro e simples, o kerigma, cuja força deriva da convicção interior do arauto. Na narração dos dois discípulos, temos depois a escuta, o seguir os passos de Jesus; um seguir que não é ainda verdadeiro seguimento, mas antes uma santa curiosidade, um movimento de busca. Na realidade, ambos os discípulos são pessoas à procura; pessoas que, para além do quotidiano, vivem na expectativa de Deus: na expectativa, porque Ele está presente e, portanto, manifestar-Se-á. E a busca, tocada pelo anúncio, torna-se concreta: querem conhecer melhor Aquele que o Baptista designou como o Cordeiro de Deus. Depois vem o terceiro acto que tem início com o facto de Jesus Se voltar para trás, Se voltar para eles e lhes perguntar: «Que pretendeis?» A resposta dos dois é uma nova pergunta que indica a abertura da sua expectativa, a disponibilidade para cumprir novos passos. Perguntam: «Rabi, onde moras?» A resposta de Jesus – «vinde e vereis» – é um convite para O acompanharem e, caminhando com Ele, tornarem-se videntes.

A palavra do anúncio torna-se eficaz quando existe no homem uma dócil disponibilidade para se aproximar de Deus, quando o homem anda interiormente à procura e, deste modo, está a caminho rumo ao Senhor. Então, vendo a solicitude de Jesus sente-se atingido no coração; depois o impacto com o anúncio suscita uma santa curiosidade de conhecer Jesus mais de perto. Este ir com Ele leva ao lugar onde Jesus habita: à comunidade da Igreja, que é o seu Corpo. Significa entrar na comunhão itinerante dos catecúmenos, que é uma comunhão feita de aprofundamento e, ao mesmo tempo, de vida, onde o caminhar com Jesus nos faz tornar videntes.

«Vinde e vereis». Esta palavra dirigida aos dois discípulos à procura, Jesus dirige-a também às pessoas de hoje que estão em busca. No final do ano, queremos pedir ao Senhor para que a Igreja, não obstante as próprias pobrezas, se torne cada vez mais reconhecível como sua morada. Pedimos-Lhe para que, no caminho rumo à sua casa, nos torne, também a nós, sempre mais videntes a fim de podermos afirmar sempre melhor e de modo cada mais convincente: encontrámos Aquele que todo o mundo espera, ou seja, Jesus Cristo, verdadeiro Filho de Deus e verdadeiro homem. Neste espírito, desejo de coração a todos vós um santo Natal e um feliz Ano Novo.





Monday, December 24, 2012

Papa procura um grupo inter-religioso para combater o casamento gay.



“Não há como negar a crise que ameaça a família em seus fundamentos”.

Artigo de Drew Zahn.
Tradução do inglês. Bruno Braga.


Em várias ocasiões, somente neste mês, o Papa Bento XVI deu a entender que este é o momento para que pessoas de diversas religiões tomem a mesma posição contra a disseminação do casamento gay.

Hoje cedo, em seu discurso anual de Natal para a burocracia do Vaticano, Bento XVI explicou que a família tradicional precisa ser protegida, porque ela é “a autêntica moldura à qual se entrega o plano da existência humana”, e falou sobre campanhas internacionais para legalizar o casamento homossexual: “não há como negar a crise que ameaça [a família] em seus fundamentos – especialmente no mundo Ocidental”.

De acordo com as informações do “Catholic News Service”, Bento XVI acentuou que o dialogo inter-religioso – até mesmo com religiões não-cristãs – inevitavelmente se desenvolve em uma “busca ética” por valores fundamentais comuns, consequentemente, uma “busca pela maneira correta de viver como ser humano”.
Propriamente entendido como a procura pela “unicidade da verdade”, este diálogo não implica o compromisso de convicções religiosas, ele disse.

A Reuters descreveu o discurso como um “sinal” de que “o Vaticano está pronto para forjar alianças com outras religiões contra o casamento gay”, e observou que Bento XVI dedicou uma parte significativa das suas considerações ao estudo do Rabino-chefe da França, Gilles Bernheim.

Um dia antes, em um artigo para o britânico “Financial Times”, Bento XVI foi até mais específico, lembrando à crescente população secular do país, que a Igreja Católica não está preocupada apenas com a fé e com a moral, mas também com as questões sociais.

A “Agence France-Presse” observou a necessidade destacada pelo Papa de um diálogo entre a Igreja e ateístas e agnósticos que concordam com a doutrina social da Igreja, e sugeriu a formação de uma “aliança” baseada no respeito comum à lei da natureza, em referência ao casamento tradicional entre um homem e uma mulher.

Em seu discurso de Natal para o Vaticano, o “Catholic News” informa, Bento XVI explicou que o movimento para o casamento homossexual é baseado em ideias falsas sobre a natureza humana, que igualam liberdade e egoísmo, e apresentam a graça divina da identidade sexual como matéria de escolha individual em detrimento da dignidade humana”.

Ele continua, “quando a liberdade para ser criativo se torna liberdade para criar a si mesmo, então necessariamente o Criador é negado, e, por fim, o homem também é despojado da sua dignidade de criatura de Deus”.

Bento XVI também citou o estudo de Bernheim – intitulado “Casamento gay, Paternidade-Maternidade e Adoção: o que nós frequentemente esquecemos de dizer” [tradução livre] – para sugerir que a batalha por adoções homossexuais trata as crianças como propriedade em vez de tratá-las como pessoas.

Rejeitar a “dualidade pré-ordenada entre homem e mulher” é também rejeitar a família como uma “realidade estabelecida pela criação”, ele disse, com consequências particularmente degradantes para as crianças: “o filho tornou-se um objeto ao qual as pessoas têm direito e que têm o direito de obter”.

“Bernheim mostrou em um estudo detalhado e comovente que o ataque correntemente experienciado contra a verdadeira estrutura da família, composta de pai, mãe, e filho, é muito mais profundo”, disse o Papa.

No início deste mês, em um comentário sobre o Dia Mundial da Paz – em Janeiro de 2013 -, Bento XVI observou que a questão não é posta somente para fiéis católicos, mas sobre ela pessoas de diversas crenças ou que não têm fé nenhuma poderiam concordar.

“Há também a necessidade de reconhecer e promover a estrutura natural do casamento como a união entre um homem e uma mulher em face das tentativas de estabelecer a equivalência jurídica para tipos radicalmente diferentes de união”, escreveu Bento XVI. “Estas tentativas atualmente prejudicam e colaboram para desestabilizar o casamento, obscurecendo a sua natureza específica e o seu papel indispensável na sociedade”.

O Papa continua: “Estes princípios não são verdades da fé, nem apenas corolário do direito à liberdade religiosa. Eles estão inscritos na natureza humana, acessíveis à razão e, portanto, comum a toda a humanidade”.

A Reuters observa que em alguns países a Igreja Católica já uniu forças com Judeus, Muçulmanos e membros de outras religiões para se opor à legalização do casamento gay, em alguns casos apresentando argumentos baseados em análises legais, sociais e antropológicas, em vez de fundados somente nos ensinamentos religiosos.

De maneira previsível, as considerações de Bento XVI – as do discurso do Dia Mundial da Paz em particular – provocaram uma série de condenações, mas o Vaticano apontou a crítica como uma tentativa de “intimidação” e convocou para “todos lerem integralmente o documento, e de forma objetiva”.

“O Papa, em uma curta passagem, retoma a visão do casamento entre um homem e uma mulher como profundamente diferente de outras formas de união, e observa que essa diferença é reconhecível pela razão humana”, disse o Porta-voz do Vaticano, Padre Federico Lombardi. “Juntamente com outros princípios fundamentais de uma visão correta da pessoa e da sociedade, principalmente o da dignidade da vida humana, nós precisamos defender a instituição do casamento se quisermos construir a paz sobre fundamentos sólidos e procurar o bem da sociedade humana com previdência. Esta é a visão que a Igreja não cansa de sublinhar em um momento em que este ponto está sendo contestado e até mesmo atacado de diversas maneiras e em vários países”.

“Tudo isto é bem conhecido”, continua Lombardi. “Não é surpresa. A reação carece de compostura honesta e senso das proporções: ela consiste em gritar, não em raciocinar; é o objetivo de intimidar aqueles que pretendem defender livremente esta visão no espaço público. E não só isso: este tipo de reação é utilizado para obscurecer muitos aspectos da mensagem papal, que são de força e relevância extraordinárias”.


Fonte original: World Net Daily, 21 de Dezembro de 2012 [http://www.wnd.com/2012/12/pope-seeks-interfaith-team-to-fight-gay-marriage/].