Bruno Braga.
Schopenhauer sentenciou: "Toda vida é sofrimento" [1]. Com algo bem parecido, São João Maria Vianney advertiu os que se consomem em lamentos: "Queiramos ou não, temos que sofrer" [2]. Afirmações tão próximas sobre a existência, contudo, disfarçam os horizontes completamente distintos que os dois contemporâneos tinham dela.
Um ateu convicto, Schopenhauer emergiu de um mergulho no sujeito com a crença de ter achado no seu interior mais profundo a revelação da essência de todos os fenômenos: o mundo é Vontade. É um querer cego, obscuro e insaciável, que faz do mundo um imenso campo de batalha, manifestando nele o caráter do seu ser. Violência, dor, miséria, tormento. Prazer e satisfação são instantes fugazes e passageiros; o sofrimento é predominante e inevitável. Todos lutam contra todos. Um conflito generalizado, que exibe a sua face mais terrível e assombrosa quando o homem se torna o lobo do homem (homo homini lupus).
Para o padre Vianney, o mundo não é expressão de um ímpeto voraz de eterno descontentamento. Ele é criação sim de um Ser onipotente, mas justo e misericordioso. O mundo e o homem são obras de Deus. Sofrimentos e dores são degraus de uma escada que leva ao Céu. É o caminho da cruz, apontado pelo próprio Deus que se fez carne: "Se alguém quer me seguir, negue-se a si mesmo e tome a sua cruz" (Mc 8, 34) - Jesus Cristo, que revelou: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida" (João 14, 6).
"Mas, que 'vida'?!" Esbravejaria Schopenhauer. Dela, todos têm a certeza da derrota definitiva, qualquer esforço é inútil diante da morte. Se é possível algum consolo durante o trajeto penoso, rumo ao abismo do qual ninguém pode se desviar, ele depende da graça de uma intuição. É quando o sujeito se reconhece como "filho" da Vontade demoníaca que o atormenta, que rege o mundo e se manifesta também naquele que padece à sua frente. Neste ato de identificação, em vez de impor mais dores e sofrimentos ao outro - de fincar os dentes na própria carne - o sujeito renuncia a afirmação da sua própria vontade, ele recolhe suas armas. Para o filósofo de Danzig, esta compreensão é o que fundamenta a justiça e gera as boas ações. É ela que alimenta os santos e guia o Cristo. Divindades e eventos extraordinários são frutos da imaginação, uma fantasia criada e disseminada pela religião - uma "metafísica popular".
No entanto, o padre Vianney foi, ele mesmo, a prova inequívoca para confirmar o que Schopenhauer pensava ser apenas superstição e crendice. Trabalho intenso, mortificações, alimentação restrita. Durante muito tempo, o santo de Ars comeu apenas batatas bolorentas. O médico que o assistia assegurou: "Em vista da sua maneira de viver, tal como a conheci, considero-lhe a existência como extraordinária e naturalmente inexplicável" [3]. Encontros com a Santíssima Virgem Maria, curas e conversões - "se não tivesse morrido, teria convertido a França inteira" [4] - a luta contra o demônio. Fé que não era uma ficção, e sim um conjunto de realizações concretas - fartamente atestadas [5] - que pavimentaram o caminho da cruz e exibiram a verdade da promessa de Jesus Cristo.
É impossível reduzir a filosofia de Schopenhauer ao tamanho de um breve artigo. Como é disparatada qualquer tentativa de sintetizar - não conceitos e teses - a vida de obras e feitos do padre Vianney. Porém, não há dúvida de que - apesar de falarem sobre o sofrimento em termos semelhantes - eles tinham perspectivas absolutamente distintas a respeito da sua consequência final. Para o filósofo alemão, o abismo. Para o santo da Igreja Católica, o sofrimento é o sinal de esperança dado pelo Filho do Homem. A cruz cravada na terra para indicar o caminho da salvação, e para anunciar que a morte não tem a palavra final.
Referências.
[1]. SCHOPENHAUER, Arthur. "O mundo como vontade e como representação". Trad. Jair Barboza. Editora UNESP: São Paulo, 2005. p. 400.
[2]. MONNIN, Alfred. "São João Maria Batista Vianney": o Cura d'Ars. Editora Petrus: São Paulo, 2013. p. 87.
[3]. TROCHU, Francis. "O Santo Cura d'Ars": São João Batista Maria Vianney. Editora Líttera Maciel: Contagem-MG, 1997. p. 368.
[4]. GUÉON, Henri. "O Cura d'Ars". Quadrante: São Paulo, 1998. p. 08.
[5]. Cf. referência [3].
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