Bruno Braga.
Solange Lourenço Gomes
Não
é preciso muita perspicácia para identificar os absurdos promovidos pela Comissão
da Verdade. No entanto, há um obstáculo para reconhecê-los. Um véu cultural costurado
- sobretudo no meio universitário - e disseminado pelo sistema educacional e
pela intelectualidade engajada, que consagra a idealização do revolucionário e –
de forma simultânea e sumária - condena aos infernos os seus opositores e
críticos. O público em geral vê e fala a partir deste “tecido”, de modo que os
disparates mais evidentes – que seriam suficientes para rasgá-lo – passam-lhe
despercebidos. Exemplo disso – mais um, entre tantos outros – foi a audiência realizada
pela Comissão da Verdade de São Paulo no de 07 de Junho de 2013, que tinha o
propósito de reconstituir a história da revolucionária Solange Lourenço Gomes.
Belisário
dos Santos Júnior, advogado que foi relator do caso na Comissão Especial sobre
Mortos e Desaparecidos Políticos da Secretaria de Direitos Humanos, abriu a
sessão. Ele apresentou algumas teses no mínimo “extravagantes”. Para determinar
o que aconteceu com Solange, reivindicou um tipo especial de tortura: a
“tortura presumida”. Apesar de a militante revolucionária não ter sido
torturada, para o doutor Belisário, não importa. Não interessa se houve tortura
“real” ou “imaginária” – “tortura imaginária?!” -, porque segundo o ilustre
advogado, Solange Lourenço Gomes – ainda que somente presa - encarnou todos –
TODOS! - os revolucionários detidos e barbaramente torturados.
Logo
depois falou o irmão de Solange. Um depoimento que exibiu – de maneira
“desvelada” – os desatinos do doutor Belisário, e também os da Comissão da
Verdade. Gilberto Lourenço Gomes contou que Solange se entregou ESPONTANEAMENTE
à polícia, em um SURTO PSICÓTICO. A “doença mental” já havia conduzido uma irmã
ao suicídio, e levou Solange à mesma atitude anos mais tarde. Enquanto esteve
presa - Gilberto afirmou - Solange não sofreu torturas físicas. Ela sofreu,
disse o irmão, por ter ficado afastada da família durante o período de
detenção. Depois do julgamento que a considerou inimputável, determinando que
ela cumprisse medida de segurança em um manicômio, o advogado da família –
contou Gilberto como se fosse uma conquista - conseguiu a permanência de
Solange na prisão, que segundo o irmão era melhor que o manicômio.
Solange
Gomes freqüentou um curso sobre “Marxismo”, relembrou Gilberto. Nele a irmã compreendeu
que a solução para o Brasil era a “ditadura do proletariado”. Por este ideal ela
lutou, e não contra o governo militar, revela Gilberto. A propósito, o
historiador Daniel Aarão Reis Filho, que foi o “grande amor” de Solange, tem o
mesmo entendimento:
“As
ações armadas da esquerda brasileira não devem ser mitificadas. Nem para um
lado nem para o outro. Eu não compartilho da lenda de que no final dos anos 60
e no início dos 70 (inclusive eu) fomos o braço armado de uma resistência
democrática. Acho isso um mito surgido durante a campanha da anistia. Ao longo
do processo de radicalização iniciado em 1961, O PROJETO DAS ORGANIZAÇÕES DE
ESQUERDA QUE DEFENDIAM A LUTA ARMADA ERA REVOLUCIONÁRIO, OFENSIVO E DITATORIAL.
PRETENDIA-SE IMPLANTAR UMA DITADURA REVOLUCIONÁRIA. Não existe um só documento
dessas organizações em que elas se apresentassem como instrumento da
resistência democrática” (“O Globo”, 23 de Setembro de 2001).
O
irmão de Solange lembrou que o povo não aderiu ao movimento revolucionário. As
pessoas – disse ele – não entendiam as propostas, porque o governo militar era
não só “poderoso”, mas BEM-SUCEDIDO. Apesar disso, Solange – assim como os seus
“companheiros” – apostava que o sucesso revolucionário compensaria a violência
cometida.
Dentro
do projeto por uma “ditadura do proletariado” Socialista-Comunista, há pelo
menos uma ação registrada com a participação de Solange Gomes. No dia 13 de
Setembro de 1970, o grupo terrorista “Dissidente da Guanabara – MR-8” assaltou
a churrascaria Rincão Gaúcho, situada na Tijuca, Rio de Janeiro. Os revolucionários
se irritaram com o slogan “Ninguém segura o Brasil”, colado em um painel de
vidro. Eles então o explodiram e deixaram outra bomba armada, que acabou sendo
desativada pela polícia (USTRA, 2012, pp. 376-377).
Gilberto
lamenta que a irmã não tenha abandonado as atividades subversivas e
terroristas. Principalmente porque – ele conta – Solange NÃO ESTAVA SENDO
PERSEGUIDA nem AMEAÇADA. Se ela deixasse o crime não seria identificada. Poderia
voltar para casa sem qualquer problema.
Como
é possível conservar intacto o véu da mitologia revolucionária depois de ouvir
as considerações do Dr. Belisário e o depoimento do irmão de Solange Gomes? Glorificá-lo
e, sobretudo, consagrá-lo como a história oficial do país, como é o propósito
da Comissão da Verdade, quer dizer da MENTIRA? Os próprios revolucionários, sem
vergonha nem pudor, desmentem os seus mitos. No entanto, o público em geral
parece hipnotizado por este heroísmo fajuto – ou constrangido por imaginar a conseqüência
de contestá-lo: ser apontado como “reacionário”, “direitista” ou “torturador”. É
assim que a Comissão da Verdade – quer dizer, da MENTIRA – promove o poder
revolucionário – ao custo de transformar o surto de um grupo de “reformadores
do mundo” na história psicótica que o público conta como se fosse a memória do
seu país.
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