Ion
Mihai Pacepa.
Terça-feira,
30 de Junho de 2009.
Tradução.
Bruno Braga.
A antiga manipulação da religião
promovida pela KGB se transformou em uma política externa letal da Rússia.
Se
você pensa que a Rússia se tornou nossa amiga, pense novamente. Não vamos
gastar todo o nosso dinheiro em bem-estar e em aquecimento global. A recente
“eleição” do novo patriarca da Rússia mostra que ainda precisamos nos defender
contra os sonhos imperiais do Kremlin.
Há
tempos o Kremlin usa a religião para manipular as pessoas. Os czares utilizaram
a Igreja para instilar a obediência doméstica. Os governantes soviéticos
apaziguaram a população com a KGB, mas eles sonhavam com a revolução mundial.
Depois que a casa já tinha sido acalmada, então eles encarregaram a KGB de
trabalhar – através da igreja – para ajudar o Kremlin a expandir sua influência
na América Latina. Desde Pedro, o Grande, os czares russos conservam a obsessão
de encontrar um meio para entrar no Novo Mundo.
Criar
um exército secreto de inteligência formado por servos religiosos, e o utilizar
para promover os interesses do Kremlin no exterior, foi um trabalho importante
para a KGB ao longo dos 27 anos em que eu fiz parte dela. Centenas de
religiosos que não cooperavam foram assassinados ou enviados para os Gulags. Os
complacentes foram utilizados. Como não era permitido aos padres serem agentes
da KGB, eles assumiram a condição de cooptador ou de agente disfarçado. Um
cooptador recebia privilégios da KGB (promoções, viagens internacionais,
cigarros e bebidas importados, etc.). Um agente disfarçado gozava dos mesmos
privilégios, além de receber um salário suplementar secreto de acordo com a sua
posição real ou imaginária na KGB. Para preservar o sigilo, todos os padres que
se tornaram cooptadores ou agentes disfarçados eram conhecidos - dentro da KGB
– apenas pelos seus codinomes.
Revelações
recentes mostram que a KGB continua, como antes, a mesma cruzada religiosa,
apesar de a agência ter sido discretamente renomeada – FSB [1]– para promover a
ideia de que a criminosa polícia política soviética, que matou mais de 20
milhões de pessoas, tinha sido dissipada pelos ventos da mudança.
No
dia 05 de Dezembro de 2008, morreu o patriarca russo Aleksi II. A KGB o
conduziu sob o codinome “DROSDOV” e o premiou com Certificado de Honra, como
mostra um arquivo da KGB acidentalmente deixado para trás na Estônia [2]. Pela
primeira vez na história a Rússia poderia agora eleger democraticamente um novo
patriarca.
Em
27 de Janeiro de 2009, os 700 delegados sinodais reunidos em Moscou foram
presenteados com uma lista fechada com 3 candidatos. Todos, no entanto,
pertenciam ao exército secreto da KGB: o Metropolitano Kirill de Smolensk
trabalhou para a KGB sob o codinome “MIKHAYLOV”; o Filaret Metropolitano de
Minsk foi identificado como tendo trabalhado para a KGB sob o codinome
“OSTROVSKY”; e o Kliment Metropolitano de Kaluga, foi recentemente descoberto,
tinha sido listado com o codinome “TOPAZ” [3].
Os
sinos da Catedral de Cristo Salvador anunciaram em Moscou que um novo patriarca
tinha sido eleito. O Metropolitano Kirill, também conhecido como “MIKHAYLOV”,
havia sido o vencedor. Provavelmente a KGB/FSB o considerou em uma condição
melhor para executar seus projetos internacionais, domínio no qual ele
concentrou seus esforços durante a maior parte de sua vida profissional. Em
1971, a KGB o enviou a Genebra (Suíça) como representante da Igreja Ortodoxa
Russa no Conselho Mundial de Igrejas (CMI), a maior organização ecumênica
internacional depois do Vaticano, que representa aproximadamente 550 milhões de
cristãos de várias denominações em 120 países. O objetivo era usar sua posição
no CMI para espalhar a doutrina da Teologia da Libertação – um movimento
religioso marxista que nasceu na KGB – pela América Latina. Em 1975, a KGB
infiltrou “MIKHAYLOV” no Comitê Central do CMI, e em 1989 a KGB o apontou como
presidente de relações internacionais do patriarcado russo – posições que ele
mantinha quando foi “eleito” patriarca. De fato, no seu discurso de posse
”MIKHAYLOV” anunciou que fundaria canais de televisão religiosos na Rússia que
fariam transmissões internacionais.
O
fato de “MIKHAYLOV” ser um bilionário provavelmente também o fez mais
apropriado para a Rússia, que agora é conduzida por uma cleptocracia da KGB – meu
antigo colega da KGB, Vladimir Putin, que é coproprietário de reservas de gás
da Rússia, tornou-se um dos homens mais ricos da Europa. Por sua vez,
“MIKHAYLOV” foi incluído no mercado livre de tabaco. A licença foi concedida a
ele pelo governo Putin, que é composto, sobretudo, por antigos oficiais da KGB
[4].
Meu
primeiro contato com o empenho da KGB de utilizar a religião para ampliar a
influência estrangeira do Kremlin aconteceu em 1959. “A religião é o ópio do
povo” [5]. Eu ouvi Nikita Khrushchev dizer, citando a famosa máxima de Marx,
“então vamos dar-lhes ópio”. O líder soviético veio a Bucareste junto com o seu
principal espião, o General Sakharovsky, meu chefe de facto naquele tempo, que em 1949 tinha criado a “Securitate”, o
equivalente romeno da KGB, e que se tornou seu primeiro conselheiro soviético.
Khrushchev queria discutir um plano para assumir o oeste de Berlim, que havia
se tornado uma rota de fuga através da qual mais de 3 milhões de europeus do
leste fugiram para o Ocidente.
Naquele
tempo eu era o chefe interino da Missão Romena na Alemanha Ocidental e chefe da
estação de inteligência romena lá. Como um “especialista em Alemanha”, eu
participava da maioria das discussões. “Nós chegaremos a Berlim”, Khrushchev
nos assegurou. Sua “arma secreta” era Cuba. “Quando os Yankees souberem que
estamos em Cuba eles vão esquecer que estamos no oeste berlinense, e nós o
tomaremos. Então usaremos Cuba como trampolim para lançar uma religião
concebida pela KGB na América Latina”, retratada por Khrushchev como uma
fortaleza já cercada que logo se renderia ao Kremlin. Complexo? Absolutamente,
mas é assim que a mente de tiranos comunistas funciona.
Khrushchev
nomeou “Teologia da Libertação” a nova religião criada pela KGB. A inclinação
dela para a “libertação” foi herdada da KGB, que mais tarde criou a Organização
para a “Libertação” da Palestina (OLP), o Exército de “Libertação” Nacional da
Colômbia (ELN), e o Exército de “Libertação” Nacional da Bolívia. A Romênia era
um país latino, e Khrushchev queria nossa “visão latina” sobre sua nova guerra
de “libertação” religiosa. Ele também nos queria para enviar alguns padres que
eram cooptadores ou agentes disfarçados para a América Latina – queria ver como
“nós” poderíamos tornar palatável para aquela parte do mundo a sua nova
Teologia da Libertação. Khrushchev obteve o nosso melhor esforço.
Lançar
uma nova religião foi um evento histórico, e a KGB tinha se preparado
cuidadosamente para isso. Naquele momento a KGB estava construindo uma nova organização
religiosa internacional em Praga, chamada “Christian Peace Conference” (CPC),
cujo objetivo seria espalhar a Teologia da Libertação pela América Latina.
Diferentemente da Europa, a América Latina daqueles anos ainda não havia sido
picada pelo besouro marxista. A maioria dos latino-americanos era pobre,
camponeses devotos que tinham aceitado o status
quo. A KGB pretendia infiltrar o Marxismo naqueles países com a ajuda da
“Christian Peace Conference”, que foi concebida para calmamente incitar os pastores
a lutarem contra a “pobreza institucionalizada”.
Nós,
romenos, contribuímos com o CPC com um pequeno exército de cooptadores e
oficiais disfarçados. Para preservar o sigilo total da operação, nós também
recebemos ordem para transformar todas as nossas organizações religiosas
envolvidas em questão de assunto internacional dentro de entidades secretas de
inteligência.
O
novo CPC era subordinado ao respeitável Conselho Mundial da Paz (CMP) – outra
criação da KGB, fundado em 1949 e agora sediado também em Praga. Quando ainda
era um jovem oficial de inteligência, eu trabalhei para o CMP, e mais tarde
dirigi suas operações romenas. Era genuinamente a KGB. Em 1989, quando a União
Soviética estava à beira de um colapso, o CMP admitiu publicamente que 90% do
seu dinheiro tinha vindo da KGB [6].
O
CMP publicou um periódico francês – “Courier de la Paix” – impresso em Moscou.
O “Christian Peace Conference” publicou um periódico em inglês, “CPC
INFORMATION”, editado pela KGB, que apresentou o CPC ao mundo como uma organização
global ecumênica preocupada com os problemas da paz. O objetivo secreto do CPC,
no entanto, era incitar o ódio contra o capitalismo e contra o consumismo na
América Latina, e espalhar a Teologia da Libertação naquela parte do mundo.
Até
pouco tempo eu acreditava que a Teologia da Libertação havia sido apenas mais
um projeto descuidado de Khrushchev que desceria junto com ele pelo ralo da
história. Novas revelações dos arquivos da KGB, no entanto, sugerem que a
Teologia da Libertação foi mais bem sucedida que nos sonhos mais ousados de
Khrushchev.
Em
1968, o CPC – criado pela KGB – foi capaz de dirigir um grupo de bispos
esquerdistas sul-americanos na realização de uma Conferência de Bispos
Latino-americanos em Medellín, na Colômbia. O propósito oficial da Conferência
era superar a pobreza. O objetivo não declarado foi reconhecer um novo
movimento religioso, que encorajasse o pobre a se rebelar contra a “violência
da pobreza institucionalizada”, e recomendá-lo ao Conselho Mundial de Igrejas
para aprovação oficial. A Conferência de Medellín fez os dois. Também engoliu o
nome de nascimento dado pela KGB: “Teologia da Libertação”.
A
Teologia da Libertação foi então formalmente apresentada ao mundo pelo Conselho
Mundial de Igrejas. Revelações mostram que todo o exército de cooptadores e de
oficiais disfarçados da KGB foi enviado de Moscou para ajudar [7]. Aqui estão
alguns extratos de documentos originais da KGB conhecidos como “Arquivo
Mitrokhin” (descrito pelo FBI como o mais completo e amplo já recebido de
qualquer fonte), e dos documentos do Politburo liberados pelo padre Gleb
Yakumin, vice-presidente da comissão parlamentar russa que investigou a
manipulação da igreja promovida pela KGB.
Agosto 1969. Agentes “Svyatoslav”, “Adamant”, “Altar”,
“Magister”, “Roschin”, e “Zemnogorsky” foram enviados pela KGB até a Inglaterra
para participarem no trabalho do Comitê Central do Conselho Mundial de Igrejas.
A agência [KGB] manobrou para frustrar atividade hostil [contra a Teologia da
Libertação], e o agente “Kuznetsov” manejou para penetrar o diretório do CMI.
“ADAMANT”,
que comandou este grupo de assalto da KGB, era o Metropolitano Nikodim.
“KUZNETSOV” era Aleksey Buyevsky, secretário leigo do departamento de relações
internacionais do patriarcado, comandado por Nikodim.
Fevereiro 1972. Agentes “Svyatoslav” e “Mikhailov” foram
para a Nova Zelândia e Austrália para sessões do Comitê Central do CMI.
Como
indicado anteriormente, “MIKHAYLOV” é Kirill, agora o novo patriarca da Rússia.
Julho 1983. 47 agentes de órgãos da KGB entre
autoridades religiosas, clero e pessoal técnico da delegação da URSS foram
enviados para Vancouver (Canadá) para a 6a Assembleia Geral do CMI.
Agosto 1989. O Comitê Central do CMI organizou uma sessão
especial sobre perestroika. ... Agora a agenda do CMI é também nossa [8].
O
“Arquivo Mitrokhin”, contendo cerca de 25.000 páginas de documentos da KGB
altamente confidenciais, representa uma parte minúscula do arquivo completo da
KGB, estimado em aproximadamente 27 bilhões de páginas (a “Stasi” da Alemanha
Oriental tem 3 bilhões). Se este arquivo da KGB for realmente aberto sem ser
higienizado, ele contará a verdadeira e assustadora história.
Em
1984, o Papa João Paulo II encarregou a Congregação para a Doutrina da Fé,
conduzida pelo Cardeal Joseph Ratzinger, agora Papa Bento XVI, de preparar uma
análise da Teologia da Libertação. O estudo devastador apresentou a Teologia da
Libertação como uma combinação de “luta de classes” e “Marxismo violento” [9],
dando nela um sério golpe.
A
Teologia da Libertação – criada pela KGB – está ainda aumentando suas raízes na
Venezuela, Bolívia, Honduras e Nicarágua, onde camponeses apoiam as tentativas
dos ditadores marxistas Hugo Chávez, Evo Morales, Manuel Zelaya
(momentaneamente exilado na Costa Rica) e Daniel Ortega de transformarem os
seus países em ditaduras policiais de tipo KGB. Há poucos meses a Venezuela e a
Bolívia expulsaram – na mesma semana - os embaixadores dos Estados Unidos, e
apelaram à proteção militar russa. Embarcações militares e bombardeiros russos
estão agora de volta a Cuba – e novamente na Venezuela – pela primeira vez
desde a crise dos mísseis cubana. O Brasil, a décima maior economia do mundo,
parece estar seguindo os passos do seu governante Marxista, Lula da Silva, que
em 1980 criou o “Partido dos Trabalhadores” (PT), um clone do Partido
Trabalhador da Romênia Comunista. Com a recente inclusão da Argentina, onde a presidente,
Christina Fernandez de Kirchner, está conduzindo o país a uma dobra Marxista, o
mapa da América Latina aparece, sobretudo, em vermelho.
Quando
a Teologia da Libertação foi lançada no mundo, a KGB era um Estado dentro do
Estado. Agora a KGB É o Estado. Mais de 6.000 antigos oficiais da KGB são
membros dos governos local e federal da Rússia, e 70% de suas atuais figuras
políticas tinham associações, de uma maneira ou de outra, com a KGB [10].
Logo
que moveu seus quadros para dentro do Kremlin, a “nova” KGB/FSB decidiu enviar
armas nucleares para armar a teocracia religiosa anti-Americana que governa o
Irã. Ao mesmo tempo, centenas de técnicos russos começaram a ajudar “mullahs”
iranianos a desenvolver mísseis de longo alcance que podem carregar ogivas
nucleares ou bacteriológicas a qualquer lugar do Oriente Médio e da Europa [11].
A
antiga manipulação da religião promovida pela KGB se transformou em uma política
externa letal da Rússia.
Notas.
[1].
Federalnaya Sluzhba Bezopasnost, Serviço de Segurança Federal da Federação
Russa.
[2]. Seamus Martin, “Russian Patriarch was KGB agent,
Files Say”. The Irish Times, 23 de Setembro, 2000. Publicado em [http://www.orthodox.net/russia/2000-09-23-irish-times.html].
[3]. “Russian Orthodox Church
chooses between ‘ex-KGB candidates’ as patriarch,” Times Online, January
26, 2009. Christopher Andrew e Vasily Mitrokhin, The Mitrokhin Archive
and the secret history of the KGB (New York, Basic Books, 1999).
[5]. Karl Marx, “Contribuição à Crítica
da Filosofia do Direito de Hegel”, 1843, que foi lançado um ano depois no
próprio jornal de Marx, Deutsch-Französische Jahrbücher, uma colaboração
com Arnold Ruge.
[6]. Herbert
Romerstein, Soviet Active Measures and Propaganda, Mackenzie
Institute Paper no. 17 (Toronto, 1989), pp. 14-15, 25-26. WPC Peace
Courier, 1989, no. 4, in Andrew
and Gordievsky, KGB, p. 629.
[7]. “Manipulation
of the Russian Orthodox Church & the World Council of Churches,” publicado
em [http://intellit.muskingum.edu/russia_folder/pcw_era/sect_16e.htm].
[8].
New Times (revista secreta da KGB publicada em
inglês para consumo no Ocidente), Julho 25-31, ed. 1989.
[9]. “Liberation
Theology by Joseph Cardinal Ratzinger,” Ratzinger Home Page, publicado em [http://www.christengom-awake.org/pages/ratzinger/liberationtheol.htm].
[10].
De acordo com Gary Kasparov, “KGB State,”
parte das posições governamentais russas é ocupada por antigos oficiais da KGB.
The Wall Street Journal, September 18, 2003, encontrado
em [http://online.wsj.com/article_print/0,,SB10638498253262300,00.html].
[11]. William Safire, “Testing Putin
on Iran, The New York Times, May 23, 2002, internet
edition.
Lt. Gen. (r) Ion Mihai Pacepa é o mais
alto funcionário do bloco soviético ao qual foi concedido asilo político nos
Estados Unidos. No Natal de 1989, Ceausescu e sua mulher foram executados depois
de um julgamento – as acusações presentes no processo foram publicadas quase
que palavra-por-palavra no livro de Pacepa, “Red Horizons”, posteriormente
traduzido para 27 idiomas.
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