Bruno Braga.
Na
manhã de 11 de Fevereiro o Papa Bento XVI anunciou – em discurso ao Consistório
de Cardeais – que estava renunciando ao Ministério do Bispo de Roma, Sucessor
de São Pedro.
[...]
“Depois de ter examinado repetidamente a minha consciência diante de Deus,
cheguei à certeza de que as minhas forças, devido à idade avançada, já não são
idóneas para exercer adequadamente o ministério petrino. Estou bem consciente
de que este ministério, pela sua essência espiritual, deve ser cumprido não só
com as obras e com as palavras, mas também e igualmente sofrendo e rezando.
Todavia, no mundo de hoje, sujeito a rápidas mudanças e agitado por questões de
grande relevância para a vida da fé, para governar a barca de São Pedro e
anunciar o Evangelho, é necessário também o vigor quer do corpo quer do
espírito; vigor este, que, nos últimos meses, foi diminuindo de tal modo em mim
que tenho de reconhecer a minha incapacidade para administrar bem o ministério
que me foi confiado. Por isso, bem consciente da gravidade deste acto, com
plena liberdade, declaro que renuncio ao ministério do Bispo de Roma, Sucessor
de São Pedro” [...]. [1].
Imediatamente
surgiram inúmeras teses e teorias – profecias – sobre a renúncia de Bento XVI.
Especulações sobre quem será o sucessor do Papa. Apostas nas quais jornalistas,
apresentadores e palpiteiros exibem sem constrangimento um estreito horizonte
mental - capaz de conceber a religião apenas como fazer parte de uma espécie de
grupelho estudantil e supor a escolha do Sumo Pontífice como uma eleição de
síndico de prédio -, colocando para o público a sua “desesperadora” preocupação:
se o próximo Papa será, enfim, “brasileiro”.
Concentrei-me
na questão sobre o “legado” de Bento XVI. Coloquei para mim o problema, não
para avaliá-lo do ponto de vista da Igreja Católica, e nem sob a perspectiva da
História. Optei por um domínio mais modesto, porém, dentro do qual eu poderia concebê-lo com um pouco mais de convicção: qual foi o legado de Bento XVI para mim? Da
herança que até o momento eu descobri – ou que de alguma maneira eu recebi -
destaco dois, sem o desprezo dos outros, bens inestimáveis.
[...]
“Busca de conhecimento e compreensão sempre pretende ser também uma aproximação
da verdade. [...] Quanto a permanecer fiéis à própria identidade, seria
demasiado pouco se o cristão, com a sua decisão a favor da própria identidade,
interrompesse por assim dizer por vontade própria o caminho para a verdade.
Então o seu ser cristão tornar-se-ia algo de arbitrário, uma escolha
simplesmente factual. Nesse caso, evidentemente, ele não teria em conta que a
religião tem a ver com a verdade. A propósito disto, eu diria que o cristão
possui a grande confiança, mais ainda, a certeza basilar de poder
tranquilamente fazer-se ao largo no vasto mar da verdade, sem dever temer pela
sua identidade de cristão. Sem dúvida, não somos nós que possuímos a verdade,
mas é ela que nos possui a nós” [2].
Pronunciamento
de uma honestidade escandalosa. Significativo, penso eu, mesmo para os que o leem
e não guardam qualquer vínculo com a Igreja Católica.
Ocorreu-me,
ainda, um patrimônio que, pessoalmente, computo ao Pontificado de Bento XVI.
Apesar de ter sido publicado bem antes do seu Ministério – 1968 -, eu o li
durante o seu exercício: o livro “Introdução ao Cristianismo” (Documento em PDF
ao final do texto para que o interessado possa ler). Esta é uma leitura
obrigatória para todos os que se aprontam a ridicularizar a Religião ou que têm
o cacoete e a ânsia de criticar qualquer posição da Igreja Católica - estes, se
colocarem diante de si o horizonte sugerido acima por Bento XVI – a Verdade -, enriqueceriam
a compreensão que têm do Cristianismo, repetindo tantas e tantas vezes o que Santo
Agostinho confessou: “A Igreja Católica não ensinava aquilo de que a acusava” (“Confissões”,
p. 150).
Este
é o testemunho de um “herdeiro” em particular, que considera o “legado” ainda
incompleto. Efeitos que ainda não foram dimensionados, e tesouros superficialmente
mapeados. Trata-se de um testamento em aberto, porque Joseph Ratzinger permanece
vivo. Mas, daquilo que recebi, ouso dizer que Bento XVI, que renuncia o
Ministério do Bispo de Roma, deixa, além da valiosa herança, uma enorme dívida
para o seu sucessor: continuar aquilo que ele admiravelmente cultivou.
Joseph
Ratzinger. “Introdução ao Cristianismo”: Preleções sobre o Símbolo Apostólico.
Editora Herder: São Paulo, 1970.
Notas.
[1].
Cf. Declaratio, 11 febbraio 2013 [http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/speeches/2013/february/documents/hf_ben-xvi_spe_20130211_declaratio_po.html].
[2].
Cf. Bento XVI, Discurso à Cúria Romana, 21 de Dezembro de 2012 [http://www.acidigital.com/noticia.php?id=24640].
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