Bruno Braga.
I.
A
Comissão da Verdade de São Paulo promoveu recentemente o seminário “Verdade e
infância roubada” [1]. O objetivo do evento – declarado para o público – seria coletar
depoimentos de filhos de militantes, terroristas e guerrilheiros – na época
crianças – que foram “vitimados” pelo Regime Militar. Mas, o propósito –
fundamental – era promover a versão revolucionária dos acontecimentos utilizando
a capacidade de sensibilizar e de comover que tem o apelo à infância e à imagem
de uma criança.
Os
próprios depoentes assumem que daquele tempo e das circunstâncias que os
cercavam pouco ou de quase nada se lembram. Confissão que em certo sentido não
causa espanto, porque há uma dificuldade comum quando se tenta reconstituir o
passado através da memória. É escandaloso, porém, que estes depoimentos
constituam a restauração de um acontecimento histórico. Sobretudo quando os
depoentes declaram que não procuram conhecer muito sobre a história, como Dora
Augusta Rodrigues Mukudai. Ou como Ñasaindy Barret de Araújo, que não sabe
distinguir o que é “memória” e o que é “invenção”.
Estes
lapsos, as lacunas no imaginário foram preenchidas pelos depoentes com
desenhos, poemas – e até com uma história de bonecos – e foram costuradas com a
“dramatização” das narrativas, certa “teatralização”. Isto aparecia nitidamente
nos testemunhos – e já seria o suficiente para reconhecer que aquele seminário
em São Paulo – diferentemente do que declaravam os organizadores e os participantes
– não tinha um compromisso com a pesquisa e com a investigação histórica. Era a
promoção de uma “fantasia” infantil – e da mitologia revolucionária – para
elevar os pais – porque defensores de um “ideal” - à condição de “heróis da
nação”.
E –
nesta historinha - não poderia faltar a própria “Ilha da fantasia”.
Praticamente todos os depoentes enalteceram a revolução cubana. Demonstraram
gratidão – e adoração – para com os irmãos – genocidas – Castro, que os
acolheram. Deram-lhes abrigo e escola. Para os seus pais deram treinamento e
armas. Os depoentes narram uma vida idílica na ilha “encantada” – muito
distante da realidade da imensa maioria dos cubanos, que é excluída dos
privilégios usufruídos e usurpados pela elite revolucionária.
II.
A Comissão
– Nacional – da Verdade ergueu um palco para exibir publicamente aquele que
deveria ser o seu maior “troféu”: o Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. Publicou
com destaque em seu site oficial que o depoimento do antigo comandante do
DOI-CODI-SP seria transmitido ao vivo. Os comissários certamente imaginaram que
o trabalho de “desmoralização” e de “publicidade” seria facilitado – sem
contestação ou réplica - porque a justiça acolheu o pedido do Cel. Ustra de
ter reconhecido o direito de permanecer em silêncio. No entanto, as coisas não
saíram conforme o roteiro. Ustra falou.
Antes
que fosse interrogado, o Coronel fez um pronunciamento. Observou o contexto
histórico da época. Afirmou que os militares combatiam o Comunismo. Lutavam
contra grupos terroristas que tinham o objetivo – declarado em seus programas –
de instaurar no país uma “ditadura do proletariado”. Observou que a presidente
Dilma Rousseff integrou alguns destes grupos terroristas. E, por fim, recorreu
ao direito de ficar em silêncio porque – ressaltou o Coronel – o seu depoimento
estava publicado em seus livros, “Rompendo o silêncio” (1987) e “A Verdade
Sufocada: A história que a esquerda não quer que o Brasil conheça” (2006) – um
exemplar deste último foi dado à Comissão.
José
Carlos Dias – um dos comissários – passou à inquirição. É importante notar que
se o comissário pretendia obter de Ustra algum esclarecimento, ele deveria,
então, interrogá-lo, não acusá-lo. As intervenções tinham inicialmente um tom
de afirmação, e somente no final delas José Carlos Dias as corrigia desatentamente
para a forma de questão. Ustra não se conteve, ele mesmo declara. Quebrou o
silêncio e respondeu à maior parte das indagações.
No
entanto, Claudio Fonteles pretendia ser o protagonista daquele espetáculo
previamente armado. Com afetação, o comissário “encenou” as questões. Virou-se
para o público e para as câmeras como se estivesse em um palanque reivindicando
apoio ou em um palco pedindo aplausos. Fez chacota e piadinha. Anunciou a
apresentação de um documento “secreto” que relatava o número de presos e de
mortos no DOI-CODI-SP – e ironizou, considerando que, por ser “confidencial”, o
documento certamente não estava no livro do Coronel. Fonteles se deu mal. Ustra
tomou o seu livro - a “Verdade Sufocada” - e exibiu um documento do mesmo tipo,
demonstrando que Fonteles não apresentava nenhuma novidade. O Coronel
referia-se a estas páginas:
USTRA,
2012, pp. 300-302.
O
Cel. Ustra deveria ter aproveitado a oportunidade para questionar o próprio Claudio
Fonteles. Porque se aqueles comissários estavam de fato comprometidos com a
investigação e com a pesquisa histórica, então Fonteles teria por obrigação e
por dever recontar o macabro atentado no Aeroporto de Guararapes, que foi realizado
em 1966 por integrantes da organização terrorista da qual ele foi integrante - a
AP (Ação Popular) [2]. Ustra deveria ter questionado Fonteles – ainda que ele
não respondesse ou que utilizasse algum artifício para se esquivar, mas para
exibi-lo ao público - sobre o que ele fazia no Convento do Araguaia – no
período da guerrilha – quando os militares desmontaram um centro clandestino de
transmissão de rádio, que deveria alcançar a Albânia [3].
O
depoimento terminou em confusão. Ustra foi questionado por Fonteles sobre a
acusação de Gilberto Natalini. O vereador de São Paulo (PV) afirmou que Ustra o
torturou pessoalmente. O Coronel negou a acusação e recusou a proposta de
Fonteles de promover uma acareação. Ustra disse que não faria acareação com
terrorista. Natalini, que estava na plateia, reagiu. A confusão foi instaurada,
e a audiência logo em seguida foi encerrada.
Sobre as acusações de Natalini, Ustra
redigiu uma “Carta aberta” endereçada ao próprio vereador, que no ano passado
proferiu as mesmas acusações contra o Coronel na Folha de São Paulo. Documento
que é pertinente reproduzir aqui:
Carta aberta ao vereador Gilberto Natalini
Brasília 02/09/2012
Senhor Vereador Gilberto Natalini
O jornal A Folha de S. Paulo, de 28/08/2012, publicou entre outras, as
seguintes declarações, feitas pelo senhor, onde me acusa de tê-lo
torturado:
“Ele me batia com uma
vara de cipó de um metro e meio de comprimento. Tive que ficar equilibrado com
os pés em cima de latas de leite em pó. Também sofri choques elétricos. Tudo
pelas mãos dele”.
"Ele me bateu durante várias horas e me obrigou a declamar poesias nu e
diante dos soldados para me humilhar".
Sr Gilberto Natalini, desminto, categoricamente, as suas declarações. Eu
nunca o torturei, como não torturei ninguém.
Procurando o que consta a seu respeito no Google encontrei o seguinte:
Gilberto Natalini
Médico, Vereador, 51 anos
Gilberto Natalini, vereador, nascido no ano de 1952 , em São Paulo, é formado em medicina e foi um dos presos políticos do regime militar.
Ativista estudantil pela UNE e pela UEE, tentava articular a reintegração das escolas médicas, onde discutia o tema política.
Acusado de participar de uma facção política que praticava guerrilha urbana, Natalini foi preso cerca de dezessete vezes durante os anos de repressão. Em uma delas passou quatro meses na carceragem do DOPS, em São Paulo.
Atualmente, Natalini exerce a função de médico de forma solidária todos os sábados, por uma promessa feita em cárcere anos atrás, além de ser vereador do Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB) pela cidade de São Paulo, em seu segundo mandato.
Médico, Vereador, 51 anos
Gilberto Natalini, vereador, nascido no ano de 1952 , em São Paulo, é formado em medicina e foi um dos presos políticos do regime militar.
Ativista estudantil pela UNE e pela UEE, tentava articular a reintegração das escolas médicas, onde discutia o tema política.
Acusado de participar de uma facção política que praticava guerrilha urbana, Natalini foi preso cerca de dezessete vezes durante os anos de repressão. Em uma delas passou quatro meses na carceragem do DOPS, em São Paulo.
Atualmente, Natalini exerce a função de médico de forma solidária todos os sábados, por uma promessa feita em cárcere anos atrás, além de ser vereador do Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB) pela cidade de São Paulo, em seu segundo mandato.
Certamente, como é comum entre os que me acusam, o senhor já terá
"as testemunhas que o viram ser torturado por mim e que também se dirão
torturadas", o que dará mais credibilidade ao que foi publicado no
jornal.
Mas, para que as suas declarações, a respeito das suas prisões, tenham maior credibilidade responda, por favor, às seguintes perguntas:
Mas, para que as suas declarações, a respeito das suas prisões, tenham maior credibilidade responda, por favor, às seguintes perguntas:
1 - Em que período (dias, mês e ano) o senhor esteve preso no
DOI/CODI/II Exército, em São Paulo, ocasião em que teria sido torturado por
mim?
2 - Os presos pelo DOI, após interrogados, se considerados inocentes eram
liberados pelo próprio DOI, se culpados, eram encaminhados ao DOPS/SP.
3 - O senhor foi liberado pelo DOI , caso positivo, em que data? Ou
foi encaminhado ao DOPS/SP,neste caso, em que data?
4 - O senhor afirma que " foi preso cerca de dezessete vezes durante os anos de repressão. Em uma
delas passou quatro meses na carceragem do DOPS, em São Paulo".
Após passar tantos meses no DOPS/SP o senhor,
certamente, foi indiciado em algum Inquérito Policial e encaminhado ao
Presidio Tiradentes, com prisão preventiva decretada pala Justiça. Em que data
isto aconteceu?
4- Em que Auditoria Militar o senhor foi julgado? Quando? Qual a sentença
que recebeu?
5 - Os presos pelo DOI foram indenizados pela Comissão de
Anistia. O senhor, só pelo fato de ter passado quatro meses no DOPS, deve
ter recebido uma excelente indenização desta Comissão. Quando o senhor
foi indenizado pela Comissão de Anistia?
Senhor Gilberto Natalini, como o senhor , depois de tantos anos,
guarda na memória detalhes de sua suposta tortura no DOI, tenho a certeza de
que se lembrará, com muito mais clareza, das datas em que o senhor
"sofreu as agruras da ditadura" e que ficaram gravadas, para
sempre, na sua memória.
Atenciosamente
Carlos Alberto Brilhante Ustra
III.
É
interessante observar que estes eventos foram realizados no mesmo dia. Enquanto
Ustra prestava o seu “depoimento”, em São Paulo era realizado o último dia do
seminário “Verdade, infância roubada”. Apesar da publicidade e do investimento,
nenhum deles estava comprometido com a pesquisa histórica. Foram apenas "espetáculos”
armados para “teatralizar” uma História. Consagrar uma mitologia revolucionária
e as fantasias infantis. Transformar militantes, guerrilheiros e terroristas em
“heróis” da nação. Espetáculos obscenos. Porque sob o pretexto de contar a “Verdade”,
consagram descaradamente uma Mentira.
Notas.
[1].
BRAGA, Bruno. “Herdeiros da revolução, vítimas dos próprios pais” [http://b-braga.blogspot.com.br/2013/05/herdeiros-da-revolucao-vitimas-dos.html].
[2].
BRAGA, Bruno. “O bem-aventurado Alípio” [http://b-braga.blogspot.com.br/2012/11/o-bem-aventurado-alipio.html].
[3].
BRAGA, Bruno. “A História nas mãos de um sacerdote da revolução” [http://b-braga.blogspot.com.br/2012/11/a-historia-nas-maos-de-um-sacerdote-da.html].
[4].
“Carta aberta ao vereador Gilberto Natalini” [http://www.averdadesufocada.com/index.php/comisso-da-verdade-especial-107/7452-0309-carta-aberta-ao-vereador-gilberto-natalini],
03 de Setembro de 2012.
PS. O depoimento do Cel. Brilhante Ustra - apesar do anúncio - já não está mais disponível
no site da Comissão da Verdade. De qualquer maneira, aqui está o áudio completo
para que se possa verificar o que foi dito acima.
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