Bruno Braga.
Niemeyer
transformou-se em artigo de fé no instante seguinte ao de seu último suspiro. Contestá-lo
é quase uma blasfêmia. Principalmente quando a controvérsia envolve o Comunismo,
o “ideal” que o arquiteto defendeu até o fim de sua vida.
Neste
caso, porém, a idolatria se confunde – pressupondo a boa-fé e a sinceridade
deste tipo peculiar de “fiel” - com uma espécie de estado psicótico: um distanciamento
da realidade. Porque ela confere autonomia ao discurso do arquiteto, consagrando
a expressão poética do “mundo mais justo”; e suprime as realizações efetivas e
concretas do “ideal” - morticínio, violência, narcotráfico, fome e degradação –
com o qual ele colaborou [2].
Consagrar
a expressão poética do Comunismo como virtude é o equivalente de louvar o crime
passional. Conferir nobreza à declaração de amor do assassino; e esquecer,
apagar a bala de fuzil que depois das ternas palavras ele enterrou na cabeça da
sua amada.
I.
Não
havia em Niemeyer duas metades: a do gênio da arquitetura e a do “idiota”
comunista [3]. Niemeyer era uma só pessoa – de carne e osso –, que transitava
entre os polos da genialidade e o da idiotice. Tanto que, no domínio da
arquitetura, seu talento não é unanimidade, e as suas obras não têm – todas - o
mesmo nível de distinção. Como colaborador e militante do Comunismo, por sua
vez, Niemeyer não foi totalmente um “idiota útil” – para utilizar a expressão
cunhada por Lênin. Ele tinha proximidade com as lideranças e grupos, tinha
trânsito nas altas esferas de poder – e as realizações macabras do seu “ideal” não
eram segredo.
Ademais,
quando Niemeyer se debruçava sobre a folha branca não abandonava a “metade
idiota”. Ela inspirou a obra do Memorial da América Latina em São Paulo: a mão aberta
e erguida, que na palma tem o sangue do continente [4]. Estilizou a foice e o
martelo no Memorial JK, em Brasília. Já como colaborador do Comunismo, Niemeyer
não deixou de lado a sua “parte genial” – ele cedeu o seu talento a Fidel
Castro, às Farc, ao PT.
II.
A
fidelidade de Niemeyer ao Comunismo – o que se sabe é que ele foi intransigente
até o final da vida – é compreendida como sinônimo de “coerência”. No entanto,
a própria pessoa do arquiteto contrariava as teses comunistas. Para Karl Marx a
forma de pensar do sujeito é determinada pelas suas condições materiais e pelos
interesses da classe à qual ele pertence. Porém, Niemeyer – e nem Marx – não era
um “proletário”. Pelo contrário, o arquiteto é de uma família - para utilizar a
categoria marxista – “burguesa”. Família tradicional de militares, engenheiros
e arquitetos. O avô foi Ministro do Supremo Tribunal - a maior instância do
poder judiciário, que hoje é denunciada como expressão da “elite direitista-conservadora-reacionária”
por condenar – devidamente - um dos protegidos de Niemeyer, o “mensaleiro” José
Dirceu [5].
O
arquiteto tinha de fato uma vida “incoerente” com o ideal comunista. Na
juventude foi um “boêmio”. Com o sucesso – e já um paladino dos pobres e
excluídos – foi proprietário de imóveis situados nas regiões mais valorizadas
do mundo. Ele gostava do luxo de Paris. Incoerência percebida, inclusive, pelos
órgãos de informação do Regime Militar:
“Dia
02 Jan 71, às 19,30 horas, foi exibido, na televisão norueguesa, um filme
falado em inglês, com elementos colhidos em BRASÍLIA, sobre a obra de OSCAR
NIEMEYER, onde este, depois de referir-se em termos elogiosos ao ex-presidente
JUSCELINO KUBITSCHEK DE OLIVEIRA e ao engenheiro LUCIO COSTA, confirmou, ostensivamente, ser comunista.
Pouco depois, o arquiteto aparece em sua casa de campo, ao lado de uma piscina,
demonstrando, inadvertidamente, ser apreciador do conforto do regime
capitalista” (o destaque é meu) [6].
Niemeyer
fazia de seus traços milhões em dinheiro. E os projetos eram construções
elitizadas – Brasília é um exemplo.
III.
Ajustar
expressão verbal e experiência concreta. Tomar o caso de Niemeyer é o esforço
de contar sinceramente uma biografia. Mas é também o de se situar. Perceber
como é possível se distanciar da realidade e as consequências deste
afastamento. É notar como este desajuste se transforma em “ideal” e logo em
projeto de engenharia social – o Comunismo. Um surto psicótico que proclama um
“mundo mais justo” enquanto promove o morticínio, a violência, a degradação
moral e intelectual. Consagrar Niemeyer por fidelidade a este “ideal” macabro –
e condenar por blasfêmia a denúncia de suas realizações efetivas – é parte do projeto
com o qual o arquiteto, com o seu talento, colaborou: com a Arquitetura da
destruição [7].
Referências.
[1].
BRAGA, Bruno. “Arquiteto da destruição” [http://dershatten.blogspot.com.br/2012/12/arquiteto-da-destruicao.html].
[2].
Idem.
[3].
Ou a do “perfeito idiota latino-americano”. Cf. BRAGA, Bruno. “Para não ser
mais um” [http://dershatten.blogspot.com.br/2012/11/para-nao-ser-mais-um.html].
[4].
Remissão à obra de Eduardo Galeano, “As veias abertas da América Latina”.
[5].
Cf. [1].
[6].
Estadão, 09 de Dezembro de 2012 [http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,regime-militar-montou-dossie-contra-niemeyer-,971184,0.htm].
[7].
Cf. [1].
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