Bruno Braga.
A
Folha de São Paulo noticia que a Comissão da Verdade de São Paulo promoverá uma
série de audiências públicas durante esta semana. O Seminário “Verdade e
infância roubada” – como é chamado o evento - será palco para que os filhos de “ex-presos
políticos” – na época crianças – exponham as suas memórias e contem como foram vítimas
do Regime Militar [1].
A
publicação reproduz a versão da história contada pelos “herdeiros” dos
“revolucionários”. Não faz qualquer questionamento ou objeção. (a) Ou por
bloqueio – idiotizada pela tese “politicamente correta”, que elevou a mitologia
revolucionária à condição de verdade sacrossanta. (b) Ou por pura má-fé, pois os
militantes do passado são hoje as estrelas do jornalismo brasileiro, ocupam
postos de poder e são os ídolos intocáveis que inspiram a “nova geração”. Ou,
enfim, (c) por descaso e negligência com o próprio exercício do ofício, porque
não concedeu aos “acusados” o contraditório e não teve o trabalho sequer de
pesquisar a própria história.
Sim,
as crianças que aparecem na reportagem foram “vítimas”. É preciso lamentar os
constrangimentos pelos quais eventualmente passaram, os traumas que por ventura
sofreram. No entanto, estas “crianças” foram “vítimas” – sobretudo - de seus
próprios pais. Porque foram eles que as envolveram em um surto alucinatório de
querer fazer do Brasil – através da via armada – um país Socialista-Comunista.
Nenhum pai leva o filho para a guerra. Nenhum pai utiliza o próprio filho –
crianças! – como escudo em um conflito. Mas os terroristas e guerrilheiros levaram
os seus para a batalha. Eles utilizaram as suas crianças – em uma estratégia macabra
de combate – para a própria proteção e como instrumento de uma “causa” [2].
A reportagem
da Folha apresenta a história de algumas dessas “crianças” que - hoje adultas –
participam das audiências promovidas pela Comissão da Verdade de São Paulo. Porém,
concede aos pais delas - com o testemunho de seus herdeiros - o estatuto de
“heróis”. “Heróis” de uma história mutilada: o romance revolucionário que a
Comissão da Verdade pretende consagrar como a História oficial de um país.
A
Folha conta como drama a história da família do ex-deputado federal Aldo
Arantes (PC do B). Ele “se exilou em Montevidéu após o golpe de 1964, com a
mulher Maria Auxiliadora”. André, seu filho, nasceu no Uruguai. A irmã dele,
Priscila, nasceu no Brasil em 1966, mas na clandestinidade. Para a menina –
conta a própria Priscila – o pai dizia que aquela vida de disfarces e de
ocultamento era necessária, porque eles “lutavam por um mundo melhor”. O que
Aldo Arantes não contou para a filha pequena – e o que a Folha não informa para
o público – é que no Uruguai ele participou do “Pacto de Montevidéu”, que
unificou os grupos revolucionários em uma “Frente Popular de Libertação” (FPL).
O projeto era tomar o poder através da luta armada, utilizar estratégias de
infiltração e subversão das massas, a pratica de “atos de guerra”, “atos de
sabotagem urbana” e “focos de guerrilha”.
Em
1976, Aldo Arantes foi preso no episódio conhecido como “Chacina da Lapa”. Foi
quando a filha Priscila – ela mesma revela – percebeu uma parte da realidade
que a “historinha” que ouvia do pai maquiava. No entanto, a fantasia
revolucionária permaneceu como parte integrante do seu imaginário. Porque a operação
que desmontou o comitê central do PC do B - que funcionava clandestinamente no
bairro da Lapa, zona Oeste de São Paulo – continua sendo chamada de “CHACINA”:
uma “CHACINA” que fez DUAS – DUAS – vítimas.
A reportagem
da Folha de São Paulo apresenta também o depoimento de Adilson Lucena. Ele
afirma ter visto o pai – Antônio Raymundo Lucena – ser assassinado na própria
casa:
“Eu
tinha uns 9 anos. Eles chegaram como uma pequena tropa, eram em torno de dez
homens com armas compridas. Eu me lembro bem, fiquei aterrorizado. Depois que
houve o tiroteio, eles entraram em casa. Uns diziam que iam nos matar, outros
diziam que era para esperar”.
Mas,
o registro que se tem da morte de Lucena destoa muito da memória infantil de
seu filho. Lucena foi morto no dia 20 de Janeiro de 1970. QUATRO policiais –
não DEZ, como afirma Adilson – trabalhavam para desvendar o roubo de um carro.
Os militares chegaram até uma casa no Jardim Cerejeiras, em Atibaia –
residência da família Lucena. Eles - sem desconfiarem que ali funcionava um “aparelho”
dos terroristas da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) – solicitaram a
Lucena a documentação do carro. Lucena pediu um instante para buscá-lo. Porém,
o veículo era roubado. Lucena trouxe, sim, um fuzil FAL. Ele abriu a porta e
disparou uma rajada contra os policiais. O sargento Antônio Aparecido Posso
Nogueró foi morto. Edgar Correia da Silva ficou gravemente ferido. Os outros
dois policiais reagiram e Antônio Raymundo Lucena acabou morto. A mulher dele,
Damaris, foi detida junto com os filhos.
A
Folha de São Paulo não revela o ambiente no qual viviam os filhos do casal
Lucena. Sobre ele, a própria mãe das crianças revela em um depoimento para o livro
“Mulheres que foram à luta armada”, de Luiz Maklouf Carvalho:
“Tinha
um FAL por cima da mesa, coberto, que ficava sempre à mão. O Doutor [codinome
do seu marido, Antonio Lucena] pegou o FAL e atirou” (apud USTRA, p. 246).
Na
casa da família Lucena – onde vivia Adilson - foram apreendidos 11 FAL, 24
fuzis, 4 metralhadoras, 2 carabinas, 2 espingardas, 1 Winchester, munição e
explosivos. Este era o ambiente “familiar” – “afetuoso” e “instrutivo” – no qual
o casal cuidava e educava os seus filhos.
Janaína
e Edson também participarão do evento promovido pela Comissão da Verdade de São
Paulo. Os filhos do casal Teles – informa a Folha - “viram os pais César
Augusto e Maria Amélia serem torturados”. Porém, a reportagem não esclarece que
este episódio é objeto de um processo judicial. Neste, o juiz Gustavo Santini
Teodoro - 23a Vara Cível de São Paulo, Fórum João Mendes – acatou a denúncia da
família Teles contra o Cel. Brilhante Ustra. Mas, sobre a tortura, observou o
seguinte:
(...)
“Entretanto a prova testemunhal ficou muito vaga quanto aos autores Janaína de
Almeida Teles e Edson Luiz de Almeida Teles, então menores de idade, filhos dos
autores Cesar Augusto e Maria Amélia. Realmente, as testemunhas não viram
Janaina e Edson na prisão. NINGUÉM SOUBE ESCLARECER SE OS ENTÃO MENORES
REALMENTE VIRAM OS PAIS COM AS LESÕES RESULTANTES DAS TORTURAS. NADA INDICA QUE
ELES TERIAM RECEBIDO AMEAÇAS DE TORTURA OU SIDO USADOS COMO INSTRUMENTOS DE
TORTURA DE SEUS PAIS” (os destaques são meus).
Paulo
Fonteles Filho é o herdeiro de Paulo Fonteles, falecido advogado que foi ligado
a grupos comunistas. Ele – que escreve, “sou comunista desde tenra idade e vou
levando na lápela (sic) a rosa vermelha da esperança” – participará também do
evento anunciado pela Folha de São Paulo. Porém, sobre “crianças” vitimadas,
Fonteles Filho está envolvido em um episódio no mínimo constrangedor.
Autoridades o apontam como responsável por incluir a ossada de um adolescente
na expedição realizada para investigar a Guerrilha do Araguaia (Ximboiá, 2001,
Araguaia (TO)). A ossada – que era de um jovem falecido em 1990 - teria sido
subtraída de uma igreja e levada em uma mala [3]. Apesar disso, Paulo Fonteles
Filho é integrante do Comitê Paraense pela Verdade, Memória e Justiça, que tem
parceria com a Comissão NACIONAL da Verdade.
Enfim,
romantizar a vida destas “crianças” – contando apenas parte da História – é contar
uma MENTIRA. Isto não é apenas uma falha grave – na hipótese de boa-fé da
publicação – de uma matéria jornalística. É o propósito declarado – e obsceno –
de uma Comissão que está comprometida – não com a “Verdade”, com a pesquisa e
com a investigação históricas -, mas, sim, com a consagração dos
revolucionários. Transformá-los em “heróis” de uma mitologia forjada para ser a
História oficial de um país. Se os militantes, guerrilheiros e terroristas do
passado fizeram de seus filhos vítimas de um surto alucinatório – os seus
herdeiros, hoje, não hesitam em querer projetar sobre as crianças e jovens de
toda uma nação, as suas fantasias, os seus estereótipos e obsessões. As
crianças e jovens serão mais uma vez “vítimas” – de um macabro processo de “conscientização”
e de um pervertido processo de educação. Serão sensibilizadas – terão sentimentos
e reações estimulados e um comportamento condicionado. Uma foto exposta no site
da Comissão da Verdade traduz muito bem o resultado deste projeto monstruoso. Nela
uma criança aparece timidamente segurando um microfone. Ela discursava – em uma
audiência promovida pelo grupo nacional da Comissão da Verdade em Belo
Horizonte – sob os aplausos do público e dos integrantes da mesa. Foi
ovacionada porque reproduziu as palavras e tipos vazios esgoelados por qualquer
militante rebelde – ela reproduzia a mitologia revolucionária [4]. É assim que
as “crianças”, mais uma vez, estão sendo vitimadas.
Notas.
[1].
Folha Online, 06 de Maio de 2013 [http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/05/1273814-comissao-da-verdade-de-sp-faz-audiencias-sobre-criancas-vitimas-da-ditadura.shtml].
[2].
BRAGA, Bruno. “Comentário sobre a matéria de capa da Revista Brasileiros: ‘Subversivos’”
[http://b-braga.blogspot.com.br/2013/04/comentario-sobre-materia-de-capa-da.html].
[3].
Ricardo Mazzini, Coluna Espalanada, 19 de Janeiro de 2013 [http://blogs.d24am.com/artigos/2013/01/19/coluna-esplanada-19-de-janeiro/].
[4].
BRAGA, Bruno. “Sensibilizando a nova geração” [http://b-braga.blogspot.com.br/2012/10/sensibilizando-nova-geracao.html].
5 comments:
Magnífico, Bruno!
Meus aplausos efusivos!
Beijos!
MG
Poxa, Graça... Muito obrigado, obrigado mesmo! Um abraço apertado, minha amiga!
Bruno, sensacional! Grata por expressartão bem o que sinto e penso e jamais teria a condição de ser tão objetiva e precisa como você!
Magnífico artigo!
Vou tomar a liberdade de compartilhar no Blog para ampliar a divulgação!
Quem tem a coragem de desmontar mitos e falar verdades não pode ser lido por uma minoria!
Abraços e sucesso!
Lis Chaves
Sensacional Bruno!
Vou levar!
abçs
Lis, Soraia, muito obrigado. Um grande abraço para vocês também.
Bruno Braga.
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