Bruno Braga.
O
historiador inglês Paul Johnson assinala a contribuição de Sócrates para a
recepção do Cristianismo. O filósofo ateniense não elaborou uma “doutrina”, não
deixou um só escrito. Porém, as narrativas sobre a sua vida tornaram-se
conhecidas. Operadas através das obras de Platão e de Aristóteles, as
considerações de Sócrates a respeito da vida e da morte, sobre o corpo e a alma,
foram disseminadas pelo mundo grego. Assim, quando Paulo pregou os ensinamentos
de Jesus Cristo, encontrou um público apto a tratar de determinadas questões
[1].
Joseph
Ratzinger – agora Papa Emérito Bento XVI (ou “Bispo emérito de Roma”) –
estabelece uma relação entre a Filosofia e o Cristianismo semelhante à de Paul
Johnson. No livro “Introdução ao Cristianismo” [2], Ratzinger observa a
existência de um paralelo temporal e real entre a crítica filosófica dos mitos
na Grécia e a crítica profética dos deuses em Israel [3].
Sócrates,
como sublinha Paul Johnson, já indica um deus único em meio aos deuses
cultuados na Grécia [4]. Ratzinger, por sua vez, observa neste contexto um movimento
do “Logos” contra o “Mito”, que expressa o processo de esclarecimento da
própria mentalidade grega – um processo de depuração que alcança a ideia de
“Ser” e estabelece a unidade que fundamenta a multiplicidade.
Em
um mundo repleto de deuses, Moisés afirma o Deus único. Sua afirmação implica a
renúncia de todos os outros deuses: de “Baal” e de “Moloch”, e com eles a
renúncia de cultos com ligações locais, da divinização dos poderes políticos em
favor de um Deus próximo que pode se tornar o Deus de cada pessoa – é uma opção
existencial. E quando Moisés pergunta ao próprio Deus o seu nome, Ele responde:
“Eu sou aquele que é” [5]. O “eu sou” como aquele que “é” estabelece a
“presença” e a “duração” – é o “Ser” que se contrapõe ao “devir”, o permanente
e existente em oposição ao transitório e à corrupção [6].
O
esclarecimento posterior da literatura profética – sobretudo com Ezequiel e
Deutero-Isaías [7] – e sapiencial promove a desmitização dos poderes
idolátricos em favor do Deus único, e converge com o movimento do
esclarecimento filosófico grego no “Logos”, apesar de partirem de hipóteses
diversas e visarem metas distintas. Esta é a articulação entre a Fé e a
Filosofia, a busca da unidade entre “Fé e Razão”.
A primazia
do “Logos”, porém, não implica o desprezo da vida e do mundo. Porque o sentido
que sustenta todo o ser tornou-se carne, isto é, penetrou na história
tornando-se alguém nela. Ele não é mais apenas quem envolve e carrega a
História – o “Ser” entre a multiplicidade e o transitório -, mas é um ponto
dentro dela. Em Jesus Cristo realiza-se a união do “Logos” e da “Carne”
(“Sarx”), de razão ou sentido e figura individual da história. Assim, o sentido
de todo ser, aponta Ratzinger, “não mais poderia ser encontrado, de agora em
diante, na intuição do espírito a elevar-se acima do individual e limitado, até
alcançar o geral; não mais existiria simplesmente no mundo das ideias a
ultrapassar o particular, refletindo-se aí apenas fragmentariamente; deveria
ser encontrado imerso no tempo, no rosto de um homem” [9].
As observações
de Paul Johnson e de Joseph Ratzinger são absolutamente pertinentes. Não apenas
do ponto de vista da pesquisa histórica – ou sob a perspectiva da teologia católica,
para o fiel. Elas fornecem uma oportunidade para superar o abismo entre a Fé e
a Razão aberto pela modernidade, e resgatar um dos produtos da cultura
contemporânea, o degradado conceito de religiosidade.
Referências.
[1].
BRAGA, Bruno. “A magnitude de Sócrates, por Paul Johnson” [http://b-braga.blogspot.com.br/2013/03/a-magnitude-de-socrates-por-paul-johnson.html].
[2].
RATZINGER, Joseph. “Introdução ao Cristianismo”: Preleções sobre o Símbolo
Apostólico. Editora Herder: São Paulo, 1970. Para fazer o download do livro em
formato PDF, acesse o link: [http://b-braga.blogspot.com.br/2013/02/o-legado-bento-xvi.html].
[3].
Idem, p. 99.
[4].
Cf. Nota [1].
[5].
Êxodo 3, 14.
[6].
RATZINGER, 1970, p. 89.
[7].
Idem, p. 90.
[8].
Idem, p. 99.
[9].
Idem, pp. 151-152. Ratzinger observa que o Evangelho de João articula a
literatura dos livros sapienciais e do Deutero-Isaías, colocando o “eu sou” no
núcleo da Cristologia.
Sugestões de leitura.
BRAGA,
Bruno. “O Legado – Bento XVI” [http://b-braga.blogspot.com.br/2013/02/o-legado-bento-xvi.html].
______.
“A magnitude de Sócrates, por Paul Johnson” [http://b-braga.blogspot.com.br/2013/03/a-magnitude-de-socrates-por-paul-johnson.html].
______.
“O Sinal da cruz” [http://b-braga.blogspot.com.br/2012/02/normal-0-21-false-false-false-pt-br-x_12.html].
______.
“O Mistério do Filho do Homem” [http://b-braga.blogspot.com.br/2011/12/o-misterio-do-filho-do-homem.html].
No comments:
Post a Comment